sábado, 26 de março de 2011

Fatos Espíritas com as irmãs Fox


Os acontecimentos de HydesvilleA fonte mais conhecida e divulgada sobre o ocorrido em Hydesville é o depoimento da Sra. Margareth Fox que consta no livro História do Espiritismo de Arthur Conan Doyle:

"Na noite da primeira perturbação, todos nos levantamos, acendemos uma vela e procuramos pela casa inteira, enquanto o barulho continuava e era ouvido quase que no mesmo lugar. Conquanto não muito alto, produzia um certo movimento nas camas e cadeiras a ponto de notarmos quando deitadas. Era um movimento em trêmulo, mais que um abalo súbito. Podíamos perceber o abalo quando de pé no solo. Nessa noite continuou até que dormimos. Eu não dormi até quase meia-noite. Os rumores eram ouvidos por quase toda a casa. Meu marido ficou à espera, fora da porta, enquanto eu me achava do lado de dentro, e as batidas vieram da porta que estava entre nós. Ouvimos passos na copa, e descendo a escada; não podíamos repousar, então conclui que a casa deveria estar assombrada por um Espírito infeliz e sem repouso. Muitas vezes tinha ouvido falar desses casos, mas nunca tinha testemunhado qualquer coisa no gênero, que não levasse para o mesmo terreno.
Na noite de sexta-feira, 31 de março de 1848, resolvemos ir para a cama um pouco mais cedo e não nos deixamos perturbar pelos barulhos: íamos ter uma noite de repouso. Meu marido aqui estava em todas as ocasiões, ouviu os ruídos e ajudou a pesquisa. Naquela noite fomos cedo para a cama – apenas escurecera. Achava-me tão quebrada e sem repouso que quase me sentia doente. Meu marido não tinha ido para a cama quando ouvimos o primeiro ruído naquela noite. Eu apenas me havia deitado. A coisa começou como de costume. Eu o distinguia de quaisquer outros ruídos jamais ouvidos. As meninas, que dormiam em outra cama no quarto, ouviram as batidas e procuraram fazer ruídos semelhantes, estalando os dedos.
Minha filha menor, Kate, disse, batendo palmas: "Senhor Pé-Rachado, faça o que eu faço". Imediatamente seguiu-se o som, com o mesmo número de palmadas. Quando ela parou, o som logo parou. Então Margareth disse brincando: "Agora faça exatamente como eu. Conte um, dois, três, quatro" e bateu palmas. Então os ruídos se produziram como antes. Ela teve medo de repetir o ensaio. Então Kate disse, na sua simplicidade infantil: "Oh! mamãe! eu já sei o que é. Amanhã é primeiro de abril e alguém quer nos pregar uma mentira".
Então pensei em fazer um teste de que ninguém seria capaz de responder. Pedi que fossem indicadas as idades de meus filhos, sucessivamente. Instantaneamente foi dada a exata idade de cada um, fazendo uma pausa de um para o outro, a fim de os separar até o sétimo, depois do que se fez uma pausa maior e três batidas mais fortes foram dadas, correspondendo à idade do menor, que havia morrido.
Então perguntei: "É um ser humano que me responde tão corretamente?" Não houve resposta. Perguntei: "É um Espírito? Se for dê duas batidas." Duas batidas foram ouvidas assim que fiz o pedido. Então eu disse: "Se foi um Espírito assassinado dê duas batidas". Estas foram dadas instantaneamente, produzindo um tremor na casa. Perguntei: "Foi assassinado nesta casa?" A resposta foi como a precedente. "A pessoa que o assassinou ainda vive?" Resposta idêntica, por duas batidas. Pelo mesmo processo verifiquei que fora um homem que o assassinara nesta casa e os seus despojos enterrados na adega; que a sua família era constituída de esposa e cinco filhos, dois rapazes e três meninas, todos vivos ao tempo de sua morte, mas que depois a esposa morrera. Então perguntei: "Continuará a bater se chamar os vizinhos para que também escutem?" A resposta afirmativa foi alta.
Meu marido foi chamar Mrs. Redfield, nossa vizinha mais próxima. É uma senhora muito delicada. As meninas estavam sentadas na cama, unidas uma à outra e tremendo de medo. Penso que estava tão calma como estou agora. Mrs. Redfield veio imediatamente, seriam cerca de sete e meia, pensando que faria rir às meninas. Mas quando as viu pálidas de terror e quase sem fala, admirou-se e pensou que havia algo mais sério do que esperava. Fiz algumas perguntas por ela e as respostas foram como antes. Deram-lhe a idade exata. Então ela chamou o marido e as mesmas perguntas foram feitas e respondidas.
Então, Mrs. Redfield chamou Mr. Duesler e a esposa e várias outras pessoas. Depois, Mr. Duesler chamou o casal Hyde e o casal Jewell. Mr. Duesler fez muitas perguntas e obteve as respostas. Em seguida, indiquei vários vizinhos nos quais pude pensar, e perguntei se havia sido morto por algum deles, mas não tive resposta. Após isso, Mr. Duesler fez perguntas e obteve as respostas: Perguntou: "Foi assassinado?" Resposta afirmativa. "Seu assassino pode ser levado ao tribunal?" Nenhuma resposta. "Pode ser punido pela lei?" Nenhuma resposta. A seguir, disse: "Se seu assassino não pode ser punido pela lei dê sinais." As batidas foram ouvidas claramente. Pelo mesmo processo Mr. Duesler verificou que ele tinha sido assassinado no quarto de leste, há cinco anos passados, e que o assassínio fora cometido à meia-noite de uma terça-feira, por Mr.; que fora morto com um golpe de faca de açougueiro na garganta; que o corpo tinha sido levado para a adega; que só na noite seguinte é que havia sido enterrado; tinha passado pela despensa, descido a escada, e enterrado a dez pés abaixo do solo. Também foi constatado que o motivo fora o dinheiro.
"Qual a quantia: cem dólares?" Nenhuma resposta. "Duzentos? Trezentos?" etc. Quando mencionou quinhentos dólares as batidas confirmaram.
Foram chamados muitos dos vizinhos que estavam pescando no ribeirão. Estes ouviram as mesmas perguntas e respostas. Alguns permaneceram em casa naquela noite. Eu e as meninas saímos. Meu marido ficou toda a noite com Mr. Redfield. No sábado seguinte a casa ficou superlotada. Durante o dia não se ouviram os sons; mas ao anoitecer recomeçaram.
Diziam que mais de trezentas pessoas achavam-se presentes. No domingo pela manhã os ruídos foram ouvidos o dia inteiro por todos quantos se achavam em casa.
Na noite de sábado, 1º de abril, começaram a cavar na adega; cavaram até dar n'água; então pararam. Os sons não foram ouvidos nem na tarde nem na noite de domingo. Stephen B. Smith e sua esposa, minha filha Marie, bem como meu filho David S. Fox e sua esposa dormiram no quarto aquela noite.
Nada mais ouvi desde então até ontem. Antes de meio-dia, ontem, várias perguntas foram respondidas da maneira usual. Hoje ouvi os sons várias vezes.
Não acredito em casas assombradas nem em aparições sobrenaturais. Lamento que tenha havido tanta curiosidade neste caso. Isto nos causou muitos aborrecimentos. Foi uma infelicidade morarmos aqui neste momento. Mas estou ansiosa para que a verdade seja conhecida e uma verificação correta seja procedida. Ouvi as batidas novamente esta manhã, terça-feira, 4 de abril. As meninas também ouviram.
Garanto que o depoimento acima me foi lido e que é a verdade; e que, se fosse necessário, prestaria juramento de que é verdadeiro."
Assinado Margaret Fox
11 de abril de 1848.



Acesse: muito bom

TV Mundo Maior Fundação Espírita André Luiz
http://www.tvmundomaior.com.br/quemsomos
ESPIRITISMO - TV MUNDO MAIOR - IRMAS FOX

Vídeo disponível no site da TV Mundo Maior, uma emissora da Fundação Espírita André Luiz, sobre as Irmãs Fox, que tiveram um papel importante no início do desenvolvimento do Moderno Espiritualismo Ocidental.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Delanne: pesquisador de espiritismo



Jáder dos Reis Sampaio (autor da pesquisa)

Introdução

O presente trabalho se originou de um interesse muito próximo à teimosia, de melhor conhecer a obra e o pensamento dos contemporâneos e sucessores de Kardec. Após uma procura com poucos frutos nos livros de Gabriel Delanne publicados em português (também mantidos à venda por causa de uma dedicação, também quase próxima da teimosia por parte da FEB), constatamos que infelizmente vêm desacompanhados de um prefácio ou uma introdução aos moldes da que encontramos em "A Nova Revelação" de Arthur Conan Doyle e que beneficiam o leitor, que mais que apenas ler, deseja conhecer melhor quem escreveu e o contexto onde produziu a obra. Este tipo de apresentação é, na nossa quase desconhecida opinião, fundamental às obras clássicas do Espiritismo.

Após muito procurar em livrarias espíritas e não espíritas, em lojas especializadas de livros usados, fomos encontrar na célebre livraria da FEB, situada na avenida Passos o livro de Regnault e Bodier que nos serviu de espinha dorsal deste trabalho. O livreiro que nos atendeu, preocupado talvez com o volume de vendas dos livros, comentou com seu cliente exigente, que desejava uma edição em melhor estado: "Este livro quase não vende..."

Não somos capazes de avaliar se sua informação é precisa, já que se tratava de uma segunda edição, impressa, pelas datas, em menos de dois anos, mas talvez ela venha a espelhar o papel ocupado por Gabriel Delanne no esforço de divulgação da grande maioria dos expositores dos dias de hoje.

Conhecer o trabalho e a luta dos estudiosos das primeiras horas é, mais do que ontem, necessidade urgente dos espíritas que militam no movimento brasileiro, é questão de identidade, tão importante nos encargos do presente.
Com este espírito é que trazemos o presente trabalho, um trabalho que não tem a pretensão de profundidade, principalmente se colocado de lado com o livro de Regnault e Bodier, nossa fonte principal, mas, sim, de instigar a curiosidade do leitor, visando à divulgação.

Os pais e a infância

Muitas das biografias que temos lido apresentam, quando muito, os nomes e profissão dos pais da pessoa em questão, revelando alguma importância que a família pode ter tido para, em seguida, não mais voltar a tratar deles em seu trabalho.

No caso de Gabriel Delanne, este procedimento seria imperdoável, já que seus pais tem uma relevância central na sua história pessoal e espírita.

Alexandre Delanne, pai de Gabriel, era um representante comercial que possuía uma loja de artigos de higiene na França. Seu interesse pelo Espiritismo foi despertado em uma de suas viagens à cidade de Caen, no "Cafe de Grand Balcon", quando ouviu uma conversa entre dois homens e zombou do que assumia posições espíritas. Este, ao invés de se zangar, deu-lhe uma explicação geral do trabalho de Kardec e recomendou-lhe a leitura de livros publicados pelo codificador. Intrigado, Delanne pai comentou o acontecido com sua esposa, Marie Alexandrine Didelot, que o incentivou a adquirir os livros.

Em pouco tempo estavam lidos "O Livro dos Espíritos" e "O Livro dos Médiuns", marcado um encontro com o Sr. Allan Kardec e a Sra. Delanne psicografara sua primeira mensagem, no grupo do codificador, onde se liam três palavras: "Crede, Orai e Aguardai".

Fundou-se um grupo na casa dos Delanne, que o dirigiam com austeridade e jamais aceitaram nenhum tipo de remuneração, apesar de sua condição humilde. Muitos foram os fenômenos e encontros que se deram entre os habitantes de dois planos da realidade.

Um episódio que Delanne pai trouxe ao público posteriormente foi a comunicação do Cardeal Lambrusquini, obtida através da Sra. Potet, redigida em idioma Piemontês, desconhecido dos membros do grupo e reconhecido por dois visitantes. No dia seguinte a Sra. Delanne serviria de intermediária entre os visitantes e seu ilustre conhecido. O cardeal respondeu a perguntas formuladas mentalmente pelos compatriotas, registradas em um pedaço de papel para que se pudesse apurar o conteúdo das comunicações.

Neste ambiente viveu François-Marie Gabriel Delanne (1857-1926) a sua segunda infância e adolescência. Ele conviveu intimamente com faculdades mediúnicas diversificadas de sua própria mãe e dos médiuns que freqüentavam sua casa. Uma mostra da sua ligação com o Espiritismo desde a infância foi um episódio onde substituiu o pai em sua reunião, com apenas oito anos, explicando o que fosse necessário às pessoas que participaram dela. (WANTUIL, 1980. p. 315)

Sua ligação com os membros de sua família foi intensa. Dedicou posteriormente seu "A Evolução Anímica" à sua tia Anette Delanne "como prova de reconhecimento da ternura que povoou a minha infância". Sua ligação com Allan Kardec também foi significativa. Wantuil (1980, p. 316) afirma que em uma oportunidade Kardec dispensou a ele mimos que um avô dispensa a seu neto. Gabriel Delanne dedicou-lhe o livro "O Fenômeno Espírita" com as seguintes palavras: "À alma imortal de meu venerando mestre Allan Kardec eu dedico este livro, obra de um de seus mais obscuros mas de seus mais sinceros admiradores."

Delanne não se casou durante sua vida, embora houvesse mantido os laços com sua família. Em 1905 ele adotou a menina Suzanne Rabotin, com sete meses, que lhe fez companhia até a morte.

A história profissional

Delanne iniciou seus estudos no Colégio de Cluny, passando a seguir para o Colégio de Gray e sendo admitido, em 1876 na Escola Central de Artes e Manufaturas, que abandonou no ano seguinte. Regnault afirma que o abandono dos estudos se deveu à situação financeira da família de Gabriel.

Foi admitido como engenheiro na Companhia de Ar Comprimido e Eletricidade Popp, onde trabalhou até 1892. Possivelmente se deve a este emprego o fato de alguns autores se referirem a Gabriel Delanne como engenheiro. Posteriormente Delanne trabalharia alguns anos como representante comercial, até 1896. Após esta data ele dedicou-se integralmente ao Espiritismo.

Delanne possuía problemas de saúde que foram agravados com o tempo. Na infância ele ficaria cego de um olho em decorrência de um abcesso. Nos anos 90 sua ataxia já se fazia notada no andar e o agravamento da doença de base o faria, a partir de 1906, andar com duas muletas.

Homem Público do Movimento Espírita

Nas comemorações de 1880 da desencarnação de Kardec, Delanne fez um discurso no túmulo em Père Lachaise, onde expôs, entre outras idéias, a posição de que Allan Kardec não viera trazer nenhum culto, que ele adotara a moral cristã e que havia ainda um campo inexplorado para estudos, que são as relações entre o mundo dos espíritos e o nosso.

Dois anos depois seria criada, com sua participação a União Espírita Francesa. Em um episódio curioso, Delanne recebe da Sra. Elisabeth D"Esperance, médium cujas faculdades lhe dão notoriedade até os dias de hoje, cerca de 5000 francos para editar um jornal espírita. Surge o periódico bimestral "Le Spiritisme" onde Delanne assume o papel de redator geral, o primeiro volume foi publicado no mês de Março. Lantier afirma que Delanne era um redator criterioso e rejeitava artigos dos amigos que não apresentassem os rigores exigidos pela ciência.

Regnault citou um fragmento de um discurso que expressa bem as diretrizes que Delanne tomou para a sua prática: demonstrar que o Espiritismo não é incompatível com a Ciência e divulgá-lo amplamente, para que não ficasse reduzido a uma elite de cientistas e intelectuais. Mesmo o cáustico Dumas (1980) reconhece os seus esforços em desenvolver as bases científicas do Espiritismo.

Em 1883 Delanne se vê envolvido com um debate público com Guérin, onde o tema central é a encarnação de Jesus Cristo. A posição de Delanne é a de que Jesus não possuía nenhuma natureza especial, embora tivesse notáveis inteligência e evolução.

Dois anos depois ele publicaria o primeiro de uma série de livros que comentaremos posteriormente.

Em 1885 foi eleito vice-presidente da União Espírita Francesa, e nos cinco anos que se seguiram proferiu inúmeras conferências.

A década de 90 foi marcada pelo regresso de muitos dos seus entes queridos para a pátria espiritual. Em 92 desencarnou-lhe o irmão, Ernesto; dois anos depois foi a mãe e em 1901 seria a vez de Alexandre Delanne, o pai e companheiro de trabalhos no meio espírita.

Uma nova revista seria fundada com o suporte financeiro de Jean Meyer, a Revista Científica e Moral do Espiritismo (1896).

Em 1898 foram feitas comemorações do cinqüentenário do Espiritismo, que, portanto, era considerado a partir dos fenômenos de Hydesville, com duas conferências públicas e gratuitas: Léon Denis e Gabriel Delanne.

No ano seguinte temos a transformação de mais um órgão central do Espiritismo Francês: a fundação da Sociedade Francesa de Estudo dos Fenômenos Psíquicos. Nota-se a falta do termo Espírita nesta nova sociedade. A despeito deste comentário, Regnault e Bodier afirmam que seu trabalho nesta sociedade foi amplamente marcado pela obra de Kardec e formou inúmeros espíritas e experimentadores. Delanne aceitou o cargo de vice-presidente.

Ele passou a fazer conferências públicas gratuitas nas noites de terça-feira na sede da Sociedade sobre os fenômenos do Espiritismo. A esta época ele já aceitava convites para fazer palestras gratuitas em Paris e no interior da França.

A participação de Gabriel Delanne nos congressos internacionais foi ativa. Participou da comissão de organização do Congresso Espírita e Espiritualista de 1900 onde fez a conferência de abertura. Em 1905 compareceu ao Congresso de Liège onde fez uma conferência sobre a exteriorização do pensamento.

Delanne foi a Alger auxiliar o prof. Richet (prêmio nobel de medicina) em suas pesquisas com a médium Marthe Béraud na casa do general Noël. O episódio passou à história com o nome de "o fantasma de Bien Boa". Nele Richet testemunharia fenômenos de materialização de espíritos de corpo inteiro, após preparar o ambiente com os cuidados que a Metapsíquica sugeria, evitando-se fraudes. O leitor interessado poderá ler o episódio, com um certo ar literário, no livro de Lantier (1971).

A Revista Científica e Moral do Espiritismo foi interrompida em 1914, em função da guerra, voltando a ser editada em 1917.

Em 1919, com a participação de Jean Meyer, foi fundada a Federação Nacional dos Espíritas da França, que incorporou a Sociedade. Delanne tornou-se presidente deste órgão. Meyer fundou também, neste mesmo ano, o Instituto Metapsíquico Internacional, que teve como presidente Gustave Geley, indicado por Delanne.

Sua desencarnação se deu em 1926, um ano depois da desencarnação da prima que lhe auxiliava com a doença que praticamente lhe impedia de andar. Bodier e Regnault narram o episódio acontecido no dia do seu falecimento, quando Delanne aceitou receber um anarquista que discutiu Espiritismo durante duas horas e meia, saindo claramente abalado com as colocações de Delanne por volta das 18:00 h. Próximo das 20:00 h Delanne teve um ataque, e avisou aos presentes que iria desencarnar. Andre Bourgeois o socorre e diz-lhe que se recuperaria, ao que ele redarguiu: "- Sim, no Além". Às 7:00 h da manhã do dia seguinte desencarnou Delanne.

Delanne - Escritor

Até o presente momento evitou-se tratar dos livros escritos por Delanne, apresentando-se apenas as revistas com que colaborou ou editou.

Seu primeiro livro foi publicado em 1885 com o título "O Espiritismo perante a Ciência." Dividido em cinco partes, trata inicialmente das diversas teorias relacionadas à existência da alma, da história e teoria do magnetismo, sonambulismo e hipnotismo, dos experimentos que provam a imortalidade da alma, do perispírito, provas de sua existência, sua composição e seu papel na desencarnação, concluindo com uma parte que trata da mediunidade. Lantier (1971, p. 77) faz um comentário a respeito deste livro que nos faz crer que ele não o tenha lido.

"O autor, dando prova de sua grande erudição, combate nele o materialismo com argumentos que se apoiam mais nas realidades do eletromagnetismo do que nos postulados do kardecismo."

Ao se referir ao eletromagnetismo, Lantier deve estar querendo falar do magnetismo animal de Mesmer e seus sucessores, dos quais Delanne trata na segunda parte. Como atribuir a teoria do perispírito a alguém que não seja Kardec? Como atribuir o tratamento dos tipos de mediunidade ao eletromagnetismo? Falando francamente, Jacques Lantier parece não ter lido o livro que comenta, ou desconhecer a obra de Allan Kardec.

A edição brasileira deste livro foi traduzida por Carlos Imbassahy e revista por Lauro S. Thiago para a segunda edição de 1993. A edição que serviu de base a este artigo, de 1993, indica que foram impressos até então dez mil livros, mas é necessário comentar que ele ficou décadas sem ser publicado.

A segunda publicação de Delanne foi "O Fenômeno Espírita", que veio a público em 1896. Espécie de curso introdutório ao Espiritismo, este livro apresenta a comunicação com os mortos desde a antigüidade, dedicando um capítulo para os tempos modernos, onde apresenta com propriedade o desenvolvimento do "new spiritualism" anglo-americano desde as irmãs Fox, o trabalho de Kardec e seus contemporâneos e as pesquisas alemãs de Justinus Kerner aos seus contemporâneos. Segue-se a apresentação de fenômenos de efeitos físicos e uma discussão das teses alternativas à mediunidade, com a apresentação de fatos diversos que comprovam as quatro faculdades básicas da mediunidade. A segunda parte termina com um capítulo sobre o "Espiritismo Transcendental", termo que se refere aos fenômenos de materialização, desmaterialização, transporte e outras faculdades de efeitos físicos. A terceira parte do livro é destinada aos grupos espíritas, apresentando sugestões para o seu funcionamento. A quarta e última parte se destina a discutir a tese materialista e a apresentar argumentos em favor da reencarnação.

Esta é uma obra que merece ser indicada aos iniciantes em Espiritismo que já possuam hábito de leitura, de leitura quase obrigatória aos que se dediquem à prática da doutrina dos espíritos. Sua tradução foi realizada por Ewerton Quadros, e a edição consultada indicava a publicação de 29.000 livros pela FEB em 1992.

A próxima contribuição do discípulo de Kardec à literatura espírita, foi publicada em 1897 e está traduzido em português com o título "A Evolução Anímica". Esta obra é uma análise comparativa dos postulados espíritas frente à Psicologia Fisiológica da época. Desdobram-se temas como a vida (entendida organicamente), a memória, as personalidades múltiplas, a loucura, a hereditariedade e o universo, onde se discute a evolução cósmica e a evolução terrestre.

Traduzido para o português por Manuel Quintão, em 1992 a FEB já havia impresso 34.000 volumes.

Seu quarto livro, cuja primeira edição veio a público em 1898 ainda não está traduzido para o português e seu título poderia ser traduzido como "Pesquisas Sobre a Mediunidade". Sobre este livro silenciam Regnault e Bodier, e o suspeito Lantier indica, lacônico, a sua publicação. Hermínio Miranda, entretanto, conseguiu a edição francesa de 1902, que cita em seu "Diversidade dos Carismas".

Neste mesmo ano, Delanne prefaciou o livro "Katie King: histoire de ses aparitions", cujo autor não é indicado por Lantier.

Em 1899 Delanne publicou "A Alma é Imortal", quinto livro consecutivo em cinco anos de trabalhos. Nele se trata da imortalidade da alma, do perispírito, do desdobramento do ser humano, do corpo fluídico após a morte, as experiências de De Rochas sobre a exteriorização da sensibilidade, as fotografias de espíritos desencarnados, as criações fluídicas da vontade, e as teorias científicas do tempo, espaço, conservação da energia e ponderabilidade.

Traduzido para o português por Guillon Ribeiro, a obra consultada já estava em sua quarta edição, em 1978.

Após um jejum de dez anos Delanne traz a público a obra que todos os seus biógrafos consideram sua obra prima. Em língua portuguesa ela poderia ser traduzida "As Aparições Materializadas dos Vivos e dos Mortos". Seu primeiro volume foi publicado em 1909 e seu segundo volume em 1911. Regnault e Bodier (1990, p. 61) afirmam que no primeiro volume "Gabriel Delanne não deixa sem resposta, nenhuma das objeções que são feitas à existência da alma dos vivos. Para prová-lo, fornece uma documentação extraordinária, baseada em múltiplas experiências científicas." Eles continuam tratando do segundo tomo, o que se transcreve abaixo:

"No segundo tomo mostra a analogia que existe entre o que se passa durante a vida dos seres e o que existe quando, não tendo mais o corpo físico, podem, todavia, manifestar sua sobrevivência através de comunicações "post mortem".

Daqui a alguns séculos, quando os historiadores desejarem tornar conhecido o que havia na época da barbárie, quando existiam materialistas, os humanos dessa época ficarão muito espantados ao constatarem que os metapsiquistas nada tinham inventado."

Oitenta e cinco anos se passaram sem que os espíritas brasileiros possam ter o prazer de ler em sua língua a presente obra. Uma vez que alguns privilegiados ainda a possuem, o que se pode fazer é esperar que um dos estudiosos dedicados que o movimento espírita brasileiro possui se prontifique a traduzi-la, com a certeza de que não será um "best seller", mas que certamente contribuirá com uma melhor compreensão da alma humana e da história do Espiritismo.

Em 1922 Delanne prefaciou "A Granja do Silêncio" de Paul Bodier, publicado em português pela FEB e de excelente aceitação pelo público francês, quando lançado.

O "canto do cisne" do pesquisador dos espíritos foi ditado em 1924 e parece ter tido publicação póstuma em 1927. Regnault e Bodier se referem a ele como "Documentos para Servir ao Estudo da Reencarnação", e está publicado em português com o título "A Reencarnação". Tese polêmica junto aos espiritualistas ingleses, Delanne trata da reencarnação em outras culturas e se esmera em documentar evidências da reencarnação com o auxílio da tese da memória integral. A casuística é extensa e o que os pesquisadores contemporâneos denominariam como métodos de memória espontânea e provocada têm seus lugar neste livro, com apresentação de procedimentos e resultados.

Traduzido por Carlos Imbassahy, a edição consultada data de 1992 e já está em sua oitava edição, tendo sido impressos cerca de quarenta mil livros.

Últimas Palavras

Por que acreditamos nos espíritos? Possivelmente alguns adeptos do Espiritismo dos dias de hoje responderiam esta pergunta se referindo a algum médium cujas faculdades lhes trouxe alguma evidência na vida além da matéria. Outros se lembrarão de obras que lêem como se fosse uma ficção mas que são respeitadas devido à autoridade de um expositor vibrante que lhes confere o caráter de verdade.

Hermínio Miranda, ao contrário, relatou que no início dos seus estudos sobre o Espiritismo e a mediunidade, o seu introdutor no Espiritismo lhe recomendou a leitura de Kardec, Denis e Delanne.

Certamente, o espírita que tiver estudado a obra deste gigante do pensamento espiritista terá uma convicção diferente, quanto aos espíritos e a mediunidade. Convicção embasada em fatos e em reflexão. Convicção filosófico-científica. Gema tão preciosa quanto rara nos dias em que os "novidadeiros" se enfileram em busca das notícias, tão diferentes quanto improváveis, do suposto "mundo dos espíritos", mesclado do "mundo da imaginação dos pseudo-médiuns".

Observemos detidamente os tradutores da obra de Delanne. Aqueles que conhecem a história do movimento espírita brasileiro reconhecem o porte dos que se dispuseram a traduzi-lo. Quintão, Imbassahy, Guillon Ribeiro, Ewerton Quadros... Ninguém mais, ninguém menos.

O número de edições, que é bem tímido se comparado às centenas de milhares de "Nosso Lar" ou às cifras bem superiores a um milhão de "O Evangelho Segundo o Espiritismo", que apontam o potencial do mercado editorial espírita em nosso país. Sem dúvida que este quadro será diferente, quando os estudiosos e expositores espíritas atentarem para a relevância da obra de Gabriel Delanne e seguirem seu conselho, divulgando-a.

Agradecemos de coração, para finalizar, os esforços do Centro Espírita Léon Denis, que vem realizando esforços editoriais na contramão do mercado, mas na direção de um Espiritismo melhor conhecido e divulgado. Certamente não teríamos acesso ao trabalho cuidadoso de Regnault e Bodier se não fosse a pena paciente do professor José Jorge e o trabalho em equipe deste núcleo de estudantes e trabalhadores da causa espírita.

Fontes bibliográficas
BODIER, Paul, REGNAULT, Henri. Gabriel Delanne: vida e obra. Rio de Janeiro: CELD, 1990.
DUMAS, André. História do Espiritismo. in: História do ocultismo Porto: Nova Crítica, 1980
LANTIER, Jacques. O Espiritismo. Lisboa: Edições 70, 1971. p. 74-83.
MIRANDA, Hermínio. Diversidade dos carismas. Niterói: Arte e Cultura, 1991.
WANTUIL, Zêus; THIESEN, Francisco. Allan Kardec (vol. III). Rio de Janeiro: FEB, 1980.

terça-feira, 1 de março de 2011

GABRIEL DELANNE. Nascido de Família Espírita



Março 2011, ótima oportunidade para refletir e analisar as diversas contribuições feitas no século XX ao Espiritismo e as chamadas ciências do espírito. Gabriel Delanne (juntamente a Leon Denis) marca a transição do Espiritismo do século XIX, influenciado pela presença de Kardec, para o Espiritismo do início do século XX, buscando sua afirmação científica, tentando empolgar os homens de ciência da época. Nascido em Paris, no dia 23 de março de 1857 – no mesmo ano da publicação de "O Livro dos Espíritos" – Delanne foi (juntamente com Leon Denis) o discípulo mais próximo de Alan Kardec. Além disso, foi provavelmente a 1ª grande personagem espírita nascida em uma família espírita. Apenas para recordar, Allan Kardec toma conhecimento dos fenômenos espíritas aos 50 anos e Leon Denis era adolescente quando ouviu falar pela 1a vez do Espiritismo. Gabriel Delanne nasceu em família espírita, seu pai Alexandre Delanne acompanhou de perto os trabalhos de Allan Kardec tendo formado um pequeno grupo familiar de estudos espíritas tendo como médium escrevente sua esposa (e mão de Gabriel) Alexandrine Delanne.

Portanto desde criança Gabriel Delanne estava familiarizado com o vocabulário espiritista e assistiu desde muito pequeno a numerosas sessões espíritas. Delanne, inclusive, travou contato com o mestre Kardec na sua infância – Kardec faleceu quando Delanne tinha 12 anos de idade.

Uma vida atribulada e sofrida

Gabriel Delanne iniciou seus estudos no colégio Cluny (em Saone-et-Loire), depois no colégio de Grau (em Haute-Soane) e aos 19 anos ingressou na Escola Central das Artes e Manufatura. Como a situação financeira de seus pais não permitiu a conclusão de seus estudos começou a trabalhar na Companhia de Ar Comprimido e de Eletricidade Popp onde esteve até 1892, dividindo seu tempo entre seu trabalho e sua dedicação ao Espiritismo.

Delanne não gozava de boa saúde. De menino tinha um abscesso no olho esquerdo – pelo qual foi isento do serviço militar – o qual resultou numa infecção que iria progressivamente prejudicar sua visão. No curso dos anos seu estado de saúde foi se agravando. Em 1906 a paralisia dos membros inferiores obrigava-o a andar com duas bengalas. Nem por isso abandonou as conferências na França e no exterior, sempre divulgando as idéias espíritas. No período da 1ª guerra (1914/18) a saúde de Delanne piorou ainda mais. Cada movimento era um grande sofrimento e ainda por cima ficou cego. Em 1918 já não conseguia mais andar sendo necessário o uso de cadeira de rodas. Não obstante todos esse sofrimento físico continuou produzindo incessantemente, retirado na vila de Montmorency onde Jean Myer lhe havia dado asilo.

Sua morte se deu em 15 de fevereiro de 1926, aos 69 anos de idade. Sua sepultura se encontra no famoso cemitério parisiense de Pere Lachaise.

Contribuições ao Espiritismo

Como já dito Gabriel Delanne marcou a transição e a continuação da obra de Kardec. Defensor ferrenho do caráter cientifico da Doutrina Espírita dedicou a maior parte de seus esforços na luta por consolidar o Espiritismo como uma ciência estabelecida e complementar às outras. Foi presidente da União Espírita Francesa, presidente da Sociedade de Estudos dos Fenômenos Psíquicos, fundador e diretor da Revista Cientifica e Moral de Espiritismo. Escritor de grande talento dentre suas principais obras destacam-se:

O Espiritismo Perante a Ciência, O Fenômeno Espírita, A Evolução Anímica,

A Reencarnação, A Alma é Imortal, Katie King, As Materializações da Vila Carmen

Marcam suas obras a defesa ferrenha dos conceitos espíritas e o combate ao materialismo. Utilizando o método racional empregado na época, faz uso de casos e observações para comprovar suas hipóteses. Apesar de aceitar a revelação dos espíritos, sempre procurou a comprovação através dos fatos.

Uma de suas maiores contribuições ao Espiritismo foi a tese do Perispírito. Se o conceito do Perispírito havia sido introduzido por Allan Kardec, foi Delanne quem o definiu, estudou e atribuiu diversas funções na economia corporal e espiritual. Vitalista atribui ao perispírito a resposta às questões pendentes de sua época:

Como explicar a vida? Por que se morre? Como a estabilidade orgânica é mantida frente a renovação celular constante? Como explicar a ação inteligente da alma sobre o corpo? Onde se localiza a memória? Como se dá a evolução anímica?

Para todas esses questões Delanne ofereceu como resposta a existência do Perispírito, suas características e funções. Além disso, desenvolveu brilhante explicação acerca dos fenômenos espíritas, novamente utilizando o Perispírito como peça central, sempre ressaltando que o Espiritismo não tinha nada de sobrenatural e se calcava em bases naturais, ou seja, na existência desse corpo físico, porém etéreo, ponte entre a alma e o corpo físico. Introduziu também com muita força a noção do fluido vital. Finalmente atribuiu ao Perispírito a sede da memória, estabelecendo assim uma ligação entre a reencarnação e a evolução anímica.

De certa forma todo o desenvolvimento científico tentado por diversos autores espíritas, como André Luiz e Hernani G. Andrade, baseiam-se nos postulados de Delanne. É mister destacar o notável esforço feito por ele para colocar o Espiritismo par a par com a ciência, não só pelo método empregado, mas pela busca constante de fatos que comprovem suas proposições.

A leitura de suas obras mostra um Delanne apaixonado, convencido da força das idéias espíritas e mais que tudo consciente do impacto moral das mesmas, como nos atesta o seguinte trecho da conclusão de sua obra "A Evolução Anímica" (Delanne,Gabriel – 6a Edição; Ed. FEB) :

"Com a certeza das vidas sucessivas e da responsabilidade dos nossos atos, muitos problemas revelar-se-ão sob novos prismas. As lutas sociais, que atingem , nesta nossa época, um caráter de aguda aspereza, poderão ser suavizadas pela convicção de não ser a existência planetária mais que um momento transitório no curso de uma eterna evolução. Com menos orgulho nas camadas altas e menos inveja nas baixas, surgirá uma solidariedade efetiva, em contacto com estas doutrinas consoladoras, e talvez possamos ver desaparecer da face da Terra as lutas fratricidas, ineptos frutos da ignorância , a se dissiparem diante dos ensinamentos de amor e fraternidade, que são a coroa radiosa do Espiritismo. "Por toda sua dedicação a idéia espírita, na defesa do aspecto científico do Espiritismo e por seu humanismo Gabriel Delanne merece lugar de destaque entre os pensadores que contribuíram para a evolução da idéia espírita no século XX