terça-feira, 18 de novembro de 2014

RESPONSABILIDADE MEDIÚNICA - Estudos sobre Diversidade dos Carismas - Hermínio Miranda




Muitos acham bonito ser médium e veem os médiuns envoltos numa auréola de prestígio e de energia. Há médiuns que não apenas gostam disso, mas até estimulam admirações boquiabertas, como se fossem verdadeiros gurus. É inevitável que a mediunidade exercida com segurança, conhecimento, responsabilidade, humildade é, de fato, coisa admirável de se observar em operação, seja pela qualidade dos fenômenos, seja pela limpidez das comunicações escritas ou faladas. Não é uma beleza ler um soneto de Bilac ou um poema de Castro Alves que acaba de ser recebido pelas mãos de um Chico Xavier? Ou um livro como Memórias de um Suicida, pela Yvonne Pereira? Claro que é. É também emocionante assistir um atleta bater um recorde mundial, a um virtuoso do piano ou do violino, uma bela sonata, mas poucos são os que pensam nos anos e anos de disciplina e renúncia, de estudo e aplicação que estão por trás de tais desempenhos.

Mediunidade é dom inato, mas, como qualquer outra faculdade, pode (e precisa) ser desenvolvida e treinada. O bom corredor nasce com pernas fortes e longas, bom sistema respiratório, coração resistente, mas não nasce corredor; ele precisa fazer-se, e só o consegue quando se aplica com dedicação ao desenvolvimento de suas metas. O médium em potencial não pode fazer por menos, se é que deseja chegar a dominar a sua instrumentação, ao invés de cedê-la aos espíritos, ao mesmo tempo que mantém sobre ela sua atenta vigilância. Isto se aprende, se cultiva e se exerce.

Desejo, a seguir, demonstrar, ao vivo, o que entendo por um médium responsável que, longe de entregar-se, às cegas, ao exercício da mediunidade, procura estudá-la, observá-la, esmiuçá-la nas suas mais sutis características a fim de orientar-se devidamente, com um mínimo de riscos, pelos seus meandros, segredos e mistérios. Transcrevo, para isso, o depoimento escrito ao meu pedido, por esse médium.

"Se a psicografia apresenta variantes na sua mecânica" - escreve ele - "a psicofonia, muito mais”. O problema começa com a palavra incorporação, de vez que incorporar significa 'dar forma corpórea, juntar num só corpo, dar unidade, introduzir, embeber, entrar a fazer parte, juntar-se', entre outras conotações que encontramos no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda. Por isso, muita gente acha que o espírito comunicante 'entra' no médium para falar ou agir. A palavra, portanto, não está bem empregada. O que acontece, então, na chamada incorporação?
"Segundo informações de que dispomos, vindas de amigos espirituais e orientadores (Silver Birch é um deles), e da minha própria experiência, as coisas se passam da seguinte maneira”:

"A entidade comunicante aproxima-se do aparelho mediúnico e as duas auras - a dele e a do instrumento - se unem e, então, a entidade passa a comandar os centros nervosos do aparelho. Esse controle é exercido, obviamente, através do cérebro físico do médium, via perispírito, já que o espírito manifestante não pode comandar diretamente um corpo que não é o seu”.

"O que acontece, portanto, é que o espírito do médium cede o controle parcial do corpo, ao qual está ligado e pelo qual é responsável, ao comunicante que, através do seu próprio perispírito, assume tais controles, enquanto o perispírito do médium se coloca ao lado. É, pelo menos, o tipo de 'incorporação' que ocorre comigo.

"Agora, vejamos bem: o espírito do médium não perde sua autonomia tem sua autoridade e soberania sobre o corpo emprestado à outra individualidade que o manipula. O corpo é de sua inteira responsabilidade e somente através de seu perispírito pode a entidade desencarnada atuar sobre o mesmo. O espírito do médium empresta sua aparelhagem física, mas continua dono dela, vigilante, de olho o tempo todo para certificar-se de que nada lhe aconteça. Tanto é assim que, se julgar necessário, poderá interromper a comunicação a qualquer momento. Não há, a rigor, mediunidade inconsciente. O espírito está sempre consciente e atento. A diferença está em que a consciência não se expressa pelo cérebro físico (que, naquele momento, está sendo manipulado por uma mente estranha), mas sim no perispírito do médium, usualmente desdobrado e presente, à curta distância. Por isso se torna difícil ao médium registrar a comunicação transmitida por intermédio do seu cérebro físico, mas gerada por outra mente que não a sua. Ao retornar ao corpo, ele encontra vagas impressões do que por ali flui, vindo da mente do espírito comunicante. Coisa semelhante acontece com o sonho, do qual nem sempre podemos nos lembrar, porque as atividades desenvolvidas pelo sonhador não ficaram registradas no cérebro físico, e sim na sua contraparte espiritual. Isso não quer dizer que a pessoa ficou inconsciente enquanto sonhava. Apenas não guardou a lembrança do que aconteceu e pensou:

"Isto se dá com certos tipos de mediunidades (como é o meu caso). Observe-se, contudo, que, quando digo passividade, não quero dizer inatividade e sim entrega vigiada, cessão, empréstimo temporário.

"Sei, por informação de companheiros, também médiuns, que a psicofonia pode assumir características outras, bem diferentes da minha”. Em alguns deles, depreendo que a comunicação ocorre em nível mental, isto é, o médium 'ouve' antes o que o espírito tem a dizer, podendo, assim, interferir diretamente na comunicação dizendo muitas vezes o que ele, médium, quer e ache o que deva dizer, e não exatamente aquilo que ouviu do espírito. Nesses casos o médium cerceia a liberdade do comunicante, censurando e modificando a comunicação, quando e onde achar conveniente, a seu inteiro arbítrio.

"Há médiuns nos quais a comunicação vai se formando palavra por palavra embora inaudíveis, alinhando-se em frases que, lentamente, vão sendo comunicadas" .

Fecho, neste ponto, a citação. E a comento de maneira sumária.

Em primeiro lugar, a técnica do processo que, segundo Kardec, se promove pela "mistura dos fluidos" perispirituais do manifestante com os médium. Em seguida, a nítida definição de atribuições, responsabilidade e limitações e, finalmente, o fato de que, como vimos há pouco, em Kardec o médium audiente não deve ser confundido com o psicofônico. Um repete que ouve, o outro empresta seu corpo para que o próprio manifestante fale por ele, manipulando centros que comandam a fala. Num caso, há (ou pode haver censura prévia, uma interferência deliberada e voluntária do médium no teor da comunicação. No outro, a censura também pode (e deve) ocorrer, mas pelo processo de seleção direta de palavras mas por um bloqueio psicológico e mais sutil. Diríamos que, no primeiro caso, é uma peneiragem, no segundo o processo é de filtragem. Em ambos o médium dispõe de recursos para policiar o que flui através da sua instrumentação.

A interpenetração de fluidos a que alude Kardec, ocorre, segundo Boddington, quando a aura do médium e a do espírito se tocam - conceito semelhante ao formulado por Regina, que diz que "as auras se unem". Em verdade, a aura é uma extensão do perispírito, irradiando-se até uma distância de alguns centímetros além dos limites do corpo físico encarnado. No seu excelente livro The Human Aura, hoje injustamente esquecido, o dr. Killner estuda com minúcias a aura, os fenômenos que produz e as modificações que apresenta, em conjunção com as eventuais disfunções orgânicas da pessoa.

Escreve Boddington:
É fato bem estabelecido que, a não ser que o magnetismo se misture harmoniosamente com o dos sensitivos, eles não podem fazer sentir suas presenças. (Boddington. Harry. 1948).
Mais adiante em seu livro, Boddington volta ao assunto. Aliás, a aura é um de seus temas prediletos, a julgar pelas inúmeras referências esparsas, além de um capítulo especialmente dedicado ao assunto na sua obra University of spiritualism. Acha ele que até o tipo da mediunidade é determinado pela qualidade específica da aura e esta, pelo tipo psicológico do indivíduo, bem como por suas emoções. Vejamos:
Indivíduos sujeitos a estados de transe profundo são as pessoas mais práticas e objetivas, sem a menor ambição por se projetarem dessa maneira, O transe inconsciente ocorre com menor frequencia àqueles que pensam rápido e que, aparentemente, não possuem a qualidade especial de aura através da qual o estado de transe se torne possível. (Idem)
Isto faz sentido, quando nos lembramos de que certas faculdades mediúnicas acham-se conjugadas com outras tantas disposições orgânicas, como os médiuns de efeitos físicos (cura, materialização, transporte, etc.), são os que têm condições de produzir e movimentar maiores quantidades de ectoplasma.