Mediunidade é dom
inato, mas, como qualquer outra faculdade, pode (e precisa) ser desenvolvida e
treinada. O bom corredor nasce com pernas fortes e longas, bom sistema
respiratório, coração resistente, mas não nasce corredor; ele precisa fazer-se,
e só o consegue quando se aplica com dedicação ao desenvolvimento de suas
metas. O médium em potencial não pode fazer por menos, se é que deseja chegar a
dominar a sua instrumentação, ao invés de cedê-la aos espíritos, ao mesmo tempo
que mantém sobre ela sua atenta vigilância. Isto se aprende, se cultiva e se
exerce.
Desejo, a seguir,
demonstrar, ao vivo, o que entendo por um médium responsável que, longe de
entregar-se, às cegas, ao exercício da mediunidade, procura estudá-la,
observá-la, esmiuçá-la nas suas mais sutis características a fim de orientar-se
devidamente, com um mínimo de riscos, pelos seus meandros, segredos e
mistérios. Transcrevo, para isso, o depoimento escrito ao meu pedido, por esse
médium.
"Se a
psicografia apresenta variantes na sua mecânica" - escreve ele - "a
psicofonia, muito mais”. O problema começa com a palavra incorporação, de vez
que incorporar significa 'dar forma corpórea, juntar num só corpo, dar unidade,
introduzir, embeber, entrar a fazer parte, juntar-se', entre outras conotações
que encontramos no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de
Holanda. Por isso, muita gente acha que o espírito comunicante 'entra' no
médium para falar ou agir. A palavra, portanto, não está bem empregada. O que
acontece, então, na chamada incorporação?
"Segundo
informações de que dispomos, vindas de amigos espirituais e orientadores
(Silver Birch é um deles), e da minha própria experiência, as coisas se passam
da seguinte maneira”:
"A entidade
comunicante aproxima-se do aparelho mediúnico e as duas auras - a dele e a do
instrumento - se unem e, então, a entidade passa a comandar os centros nervosos do
aparelho. Esse controle é exercido, obviamente, através do cérebro físico do
médium, via perispírito, já que o espírito manifestante não pode comandar
diretamente um corpo que não é o seu”.
"O que acontece,
portanto, é que o espírito do médium cede o controle parcial do corpo, ao qual
está ligado e pelo qual é responsável, ao comunicante que, através do seu
próprio perispírito, assume tais controles, enquanto o perispírito do médium se
coloca ao lado. É, pelo menos, o tipo de 'incorporação' que ocorre comigo.
"Agora, vejamos
bem: o espírito do médium não perde sua autonomia tem sua autoridade e
soberania sobre o corpo emprestado à outra individualidade que o manipula. O
corpo é de sua inteira responsabilidade e somente através de seu perispírito
pode a entidade desencarnada atuar sobre o mesmo. O espírito do médium empresta
sua aparelhagem física, mas continua dono dela, vigilante, de olho o tempo todo
para certificar-se de que nada lhe aconteça. Tanto é assim que, se julgar
necessário, poderá interromper a comunicação a qualquer momento. Não há, a
rigor, mediunidade inconsciente. O espírito está sempre consciente e atento. A
diferença está em que a consciência não se expressa pelo cérebro físico (que,
naquele momento, está sendo manipulado por uma mente estranha), mas sim no
perispírito do médium, usualmente desdobrado e presente, à curta distância. Por
isso se torna difícil ao médium registrar a comunicação transmitida por
intermédio do seu cérebro físico, mas gerada por outra mente que não a sua. Ao
retornar ao corpo, ele encontra vagas impressões do que por ali flui, vindo da
mente do espírito comunicante. Coisa semelhante acontece com o sonho, do qual
nem sempre podemos nos lembrar, porque as atividades desenvolvidas pelo
sonhador não ficaram registradas no cérebro físico, e sim na sua contraparte
espiritual. Isso não quer dizer que a pessoa ficou inconsciente enquanto
sonhava. Apenas não guardou a lembrança do que aconteceu e pensou:
"Isto se dá com
certos tipos de mediunidades (como é o meu caso). Observe-se, contudo, que,
quando digo passividade, não quero dizer inatividade e sim entrega vigiada, cessão, empréstimo
temporário.
"Sei, por
informação de companheiros, também médiuns, que a psicofonia pode assumir
características outras, bem diferentes da minha”. Em alguns deles, depreendo
que a comunicação ocorre em nível mental, isto é, o médium 'ouve' antes o que o
espírito tem a dizer, podendo, assim, interferir diretamente na comunicação
dizendo muitas vezes o que ele, médium, quer e ache o que deva dizer, e não
exatamente aquilo que ouviu do espírito. Nesses casos o médium cerceia a
liberdade do comunicante, censurando e modificando a comunicação, quando e onde
achar conveniente, a seu inteiro arbítrio.
"Há médiuns nos
quais a comunicação vai se formando palavra por palavra embora inaudíveis,
alinhando-se em frases que, lentamente, vão sendo comunicadas" .
Fecho, neste ponto, a
citação. E a comento de maneira sumária.
Em primeiro lugar, a técnica do
processo que, segundo Kardec, se promove pela "mistura dos fluidos"
perispirituais do manifestante com os médium. Em seguida, a nítida definição de
atribuições, responsabilidade e limitações e, finalmente, o fato de que, como
vimos há pouco, em Kardec o médium audiente não deve ser confundido com o psicofônico.
Um repete que ouve, o outro empresta seu corpo para que o próprio manifestante
fale por ele, manipulando centros que comandam a fala. Num caso, há (ou pode
haver censura prévia, uma interferência deliberada e voluntária do médium no
teor da comunicação. No outro, a censura também pode (e deve) ocorrer, mas pelo
processo de seleção direta de palavras mas por um bloqueio psicológico e mais
sutil. Diríamos que, no primeiro caso, é uma peneiragem, no segundo o processo
é de filtragem. Em ambos o médium dispõe de recursos para policiar o que flui
através da sua instrumentação.
A interpenetração de
fluidos a que alude Kardec, ocorre, segundo Boddington, quando a aura do médium
e a do espírito se tocam - conceito semelhante ao formulado por Regina, que diz
que "as auras se unem". Em verdade, a aura é uma extensão do
perispírito, irradiando-se até uma distância de alguns centímetros além dos
limites do corpo físico encarnado. No seu excelente livro The Human Aura, hoje
injustamente esquecido, o dr. Killner estuda com minúcias a aura, os fenômenos
que produz e as modificações que apresenta, em conjunção com as eventuais
disfunções orgânicas da pessoa.
Escreve Boddington:
É fato bem
estabelecido que, a não ser que o magnetismo se misture harmoniosamente com o
dos sensitivos, eles não podem fazer sentir suas presenças. (Boddington. Harry.
1948).
Mais adiante em seu
livro, Boddington volta ao assunto. Aliás, a aura é um de seus temas
prediletos, a julgar pelas inúmeras referências esparsas, além de um capítulo
especialmente dedicado ao assunto na sua obra University of spiritualism. Acha
ele que até o tipo da mediunidade é determinado pela qualidade específica da
aura e esta, pelo tipo psicológico do indivíduo, bem como por suas emoções.
Vejamos:
Indivíduos sujeitos a
estados de transe profundo são as pessoas mais práticas e objetivas, sem a
menor ambição por se projetarem dessa maneira, O transe inconsciente ocorre com
menor frequencia àqueles que pensam rápido e que, aparentemente, não possuem a
qualidade especial de aura através da qual o estado de transe se torne
possível. (Idem)
Isto faz sentido,
quando nos lembramos de que certas faculdades mediúnicas acham-se conjugadas
com outras tantas disposições orgânicas, como os médiuns de efeitos físicos
(cura, materialização, transporte, etc.), são os que têm condições de produzir
e movimentar maiores quantidades de ectoplasma.