sexta-feira, 13 de abril de 2012

SOBRE OS ESPÍRITOS QUE CRÊEM AINDA VIVOS

Dentro da programação das atividades da Sociedade Espírita Caminho da Paz, realizamos mensalmente, sempre na segunda quinta feira de cada mês Estudos da Revista Espírita - Allan Kardec. Nos meses de março e abril 2012, a temática foi sobre os Espíritos já desencarnados mas que acreditam ainda estar no mundos dos encarnados. 
Estamos divulgando o texto na íntegra, extraído da Revista Espírita. Boa leitura e bons estudos sobre a temática:


CONVERSAS FAMILIARES DE ALÉM-TÚMULO.
PIERRELEGAY, DITO GRAND-PIERROT.
 
(Paris, 16 de agosto de 1864. - Médium, senhora Delanne).
 
Pierre Legay era um rico cultivador um pouco interessado, morto há dois anos e parente da senhora Delanne. Ele era conhecido na região sob a alcunha de Grand-Pierrot.
A entrevista seguinte nos mostra um dos lados mais interessantes do mundo invisível, o dos Espíritos que se crêem ainda vivos. Ela foi obtida pela senhora Delanne, que a comunicou à Sociedade de Paris. O Espírito se exprime exatamente como o fazia quando vivo; a própria trivialidade de sua linguagem é uma prova de identidade. Tivemos que suprimir algumas expressões que lhe eram familiares, por causa de sua crueza.
"Há algum tempo, diz a senhora Delanne, ouvíamos pancadas ao nosso redor; presumindo que isso poderia ser um Espírito, pedimos-Ihe para se dar a conhecer. Ele escreveu logo: Pierre Legay, dito Grand-Pierrot.
 
P. Eis-vos, pois, em Paris, Grand-Pierrot, vós que tínheis tanto desejo de aqui vir? -
R. Estou aí, meu caro amigo; vim inteiramente só, uma vez que ela veio sem mim; no entanto, eu lhe tinha tanto dito para me prevenir; mas, enfim, aqui estou... Estava aborrecido por não me ser dada atenção.
 
Nota. - O Espírito faz alusão à mãe da senhora Delanne, que, há algum tempo, viera morar em Paris, em casa de sua filha. Ele a designa por um epíteto que lhe era habitual, e que substituímos por ela.
 
P. Era vós que batíeis à noite? - R. Onde queríeis que fosse? Não posso deitar diante da porta.
 
P. Deitastes, pois, em nossa casa? - R Mas certamente. Ontem, fui passear convosco (ver as iluminações). Vi tudo. Oh! mas aquilo lá é bonito! Finalmente! pode-se dizer que fazem belas coisas. Eu vos asseguro que estou muito contente; não lamento o meu dinheiro.
 
P. Porque caminho viestes a Paris? Pudestes, pois, abandonar vosso lado? - R. Mas, diabo! não posso cavar e depois estar aqui. Estou muito contente de ter vindo. Vós me perguntais como vim, mas vim pela estrada de ferro.
 
P. Com quem estáveis? - R Oh bem! na verdade, eu não os conhecia.
 
P. Quem vos deu o meu endereço? Dizei-me também de onde vinha a simpatia que tínheis por mim? -R Mas quando fui a casa dela (a mãe da senhora Delanne), e que não a encontrei, perguntei àquele que guarda sua casa onde ela estava. Ele me disse que ela estava aqui; então, eu vim. E depois vede, meu amigo, eu gosto de vós porque sois um bom jovem; vós me provestes, sois franco, e depois gosto muito de todas essas crianças.
Vede, quando se gosta muito dos pais, gosta-se dos filhos.
 
P. Dizei-nos o nome da pessoa que guarda a casa de minha sogra, uma vez que ela guarda as chaves em seu bolso? - R Quem encontrei ali? Mas encontrei o pai Colbert, que me disse que ela lhe havia dito para dar-me atenção.
 
P. Vedes aqui meu sogro, papai Didelot? - R. Como quereis que eu o veja uma vez que não está aqui? Sabeis bem que ele morreu.
 
(2- entrevista, 18 de agosto de 1864.)
O senhor e senhora Delanne tendo ido passar o dia em Châtillon, ali fizeram a evocação de Pierre Legay.
 
P. Viestes, pois, a Châtillon? - R. Mas vos segui por toda a parte. P. Como viestes aqui? - R Sois engraçados! Vim na viatura.
 
P. Eu não vi pagardes vosso lugar? - R Subi com Marianne e depois vossa mulher; acreditei que tínheis pago.
Eu estava sobre o teto; não se me pediu nada. É que não pagastes? Por que não o reclamou aquele que conduz?
 
P. Quanto pagastes na estrada de ferro de Ligny a Paris? - R Na estrada de ferro foi tudo a mesma coisa. Fui de Tréveray a Ligny a pé, e depois tomei o ônibus que paguei ao condutor.
 
P. Foi bem ao condutor que pagastes? - R A quem queríeis que eu pagasse? Mas, meu primo, credes, pois, que não tenho dinheiro? Há muito tempo que tinha colocado meu dinheiro de lado para vir. Não é porque não paguei meu lugar aqui que é preciso crer que não tenho dinheiro. Eu não teria vindo sem isso.
 
P. Mas não me respondestes quanto destes de dinheiro por vosso percurso na estrada de ferro de Nançois-le-Petit a Paris? - R Mas b... paguei como os outros. Dei 20 fr. E me devolveram 3 fr. 60 c. Vede quanto isso dá.
 
Nota. - A soma de 16 fr. 40 c. é, com efeito, a que está marcada no Indicador, o que o Sr. e senhora Delanne ignoravam.
 
P. Quanto tempo ficastes na estrada de ferro de Nançois a Paris?
- R Fiquei tanto tempo quanto os outros. Não fiz a máquina se apressar mais rápida para mim do que para os outros. De resto, não podia achar o tempo longo; jamais tinha viajado em estrada de ferro, e acreditava Paris mais longe do que isso. Aqui vem tão freqüentemente. É bom, com efeito, e estou contente de poder vadiar convosco. Somente não me respondeis freqüentemente. Eu compreendo; vossos negócios vos ocupam muito.
Ontem, não ousei entrar convosco de manhã (a casa de comércio onde está empregado o Sr. D...), e voltei a visitar o cemitério Montmartre, creio; não é, é assim que vós o chamais? É preciso muito dizer-me os nomes para que possa contá-los quando vou aqui retornar. (O Sr. e a senhora Delanne, com efeito, tinham ido de manhã ao cemitério Montmartre.)
 
P. Uma vez que nada vos apressa na região, pensais partir logo?
- R. Quando tiver tudo visto, uma vez que para isto estou aqui. Depois, com efeito, os outros podem bem se mexer um pouco (seus filhos); farão como quiserem. Quando eu aqui não estiver mais, será preciso que se abstenham de mim; que me dizeis disto, primo?
 
P. Que achais do vinho de Paris, e da alimentação? - R. Mas não vale mais do que aquele que vos dei a beber (o Espírito faz alusão a uma circunstância em que fez o Sr. D... beber do vinho de vinte e cinco anos de garrafa); no entanto, não é mau. A alimentação me é muito igual; freqüentemente pego pão e como convosco. Não gosto de sujar um prato; isso não é o trabalho quando não se está disso habituado. Por que fazer cerimônias?
 
P. Onde dormistes, pois? não distingui vosso leito. - R. Chegando, Marianne foi a um quarto escuro; acreditei que era para mim; e ali dormi. Eu vos falei várias vezes de tudo.
 
P. É que não temeis, em vossa idade, de vos deixar esmagar nas ruas de Paris? - R. Mas, meu primo, é isso que me aborrece mais, esses diabos de viaturas; não deixo as calçadas também.
 
P. Há quanto tempo estais em Paris? - R. Oh bem! por exemplo sabeis bem que vim na última quinta-feira; isso faz oito dias, creio.
 
P. Como não vos vi de mala, se tendes necessidade de roupa branca, não vos incomoda. - R. Peguei duas camisas, e isso é bastante; quando estiverem sujas, retornarei; não quero mais vos incomodar.
 
P. Quereis nos dizer o que o pai Colbert vos disse antes que partísseis para Paris? -
R. Ele está lá na casa de Marianne; está ali há muito tempo. Vendendo-a, quis ali ficar ainda. Ele disse que não incomoda, uma vez que guarda.
 
P. Dissestes ontem que não víeis meu sogro Didelot, porque está morto; como ocorre que vedes tão bem o pai Colbert, uma vez que está morto, ele também, há pelo menos trinta anos? - R. Oh bem! com efeito, me perguntais o que não sei; eu não tinha refletido nisso. O que há de certo, é que ele está bem tranqüilo; dele não vos posso dizer mais.
 
Nota. - O pai Colbert é o antigo proprietário da casa da mãe da senhora Delanne. Parece que, depois de sua morte, ficou na casa da qual se fez o guardião, e que, ele também, se crê ainda vivo. Assim esses dois Espíritos, Colbert e Pierre Legay, se vêem e se falam como se estivessem ainda neste mundo, nem um nem o outro se dando conta de sua situação.
 
(entrevista, 19 de agosto de 1864.)
P. (ao guia espiritual do médium). Quereis nos dar algumas instruções a respeito do Espírito Legay, e nos dizer se é tempo de fazê-lo compreender a sua verdadeira posição!
-R. Sim, meus filhos, ele perturbou-se desde vossas perguntas de ontem; ele não sabe o que é; tudo para ele é confuso quando quer procurar, porque náo reclama ainda a proteção de seu anjo guardião.
 
P. (a Legay). Estais lá? - R. Sim, meu primo, mas não estou muito alegre; não sei o que isso quer dizer. Nem te vás para lá sem mim, Marianne.
 
P. Refletistes no que vos pedimos ontem de nos dizer a respeito do pai Colbert, que vistes vivo ao passo que está morto? - R. Mas náo posso vos dizer como isso se fez; somente ouvi dizer nos tempos que ali havia fantasmas; com efeito, acreditei que ele era um deles. Dir-se-á o que se quiser, eu o vi bem. Mas estou cansado, vos asseguro; tenho necessidade de ficar um pouco tranqüilo.
 
P. Credes em Deus, e fazeis vossas preces cada dia? - R. Mas, com efeito; se isso não faz bem, isso não pode fazer mal.
P. Credes na imortalidade da alma? - R. Oh! isso é diferente; não posso me pronunciar; eu duvido.
 
P. Se vos der uma prova da imortalidade da alma, nela creríeis? - R. Oh! mas, os Parisienses conhecem tudo. Eu não peço melhor. Como fareis?
 
P. (ao guia do médium). Podemos fazer a evocação do pai Colbert, para provar-lhe que está morto? - R. Não é preciso ir muito depressa; conduzi tudo docemente. E, depois, esse outro Espírito vos cansaria toda esta noite.
 
P. (a Legay). Onde estais colocado, que não vos vejo? - R. Não me vedes? Ah! Por exemplo, é muito forte. Portanto, vos tornastes cego?
 
P. Dai-nos conta da maneira pela qual nos falais, porque fazeis escrever a uma mulher.
- R. Eu? mas, com efeito, não.
(Várias perguntas novas são dirigidas ao Espírito, e permanecem sem resposta. Evoca-se seu anjo guardião, e um dos guias do médium responde o que segue:)
 
"Meus amigos, sou eu que venho responder, porque o anjo guardião desse pobre Espírito não está com ele; e aqui não virá senão quando ele mesmo chamá-lo, e que pedir ao Senhor conceder-lhe a luz. Ele está ainda sob o império da matéria, e não quis escutar a voz de seu anjo guardião que se afastou dele, uma vez que se obstinava em permanecer estacionário. Não era ele, com efeito, que te fazia escrever; ele falava como se disso tivesse o hábito, persuadido de que o ouvias; mas era seu Espírito familiar que conduzia tua mão; para ele, conversava com teu marido; tu, tu escrevias, e tudo isso lhe parecia natural. Mas vossas últimas perguntas e vosso pensamento o transportaram para Tréveray; ele está perturbado, orai por ele, o chamareis mais tarde; retornará depressa. Orai por ele, nós oraremos convosco."
Já vimos mais de um exemplo de Espíritos se crendo ainda vivos. Pierre Legay nos mostra essa fase da vida dos Espíritos de maneira mais caracterizada. Aqueles que se acham neste caso parecem ser mais numerosos do que não se pensa; em lugar de fazer exceção, de oferecer uma variedade no castigo, isso seria quase uma regra, um estado normal para os Espíritos de uma certa categoria. Teríamos, assim, ao nosso redor, não só os Espíritos que têm consciência da vida espiritual, mas uma multidão de outros que vivem, por assim dizer, de uma vida semi-material, se crendo ainda deste mundo, e continuando a vagar, ou crendo vagar em suas ocupações terrestres. Estar-se-ia em erro, no entanto, assimilá-los em tudo aos encarnados, porque se nota em suas maneiras e em suas idéias alguma coisa de vaga e de incerta que não é própria da vida corpórea; é um estado intermediário que nos dá a explicação de certos efeitos nas manifestações espontâneas, e de certas crenças antigas e modernas.
Um fenômeno que pode parecer mais bizarro, e não pode deixar de fazer sorrir os incrédulos, é o dos objetos materiais que o Espírito crê possuir. Compreende-se que Pierre Legay se imagine subir em estrada de ferro, porque a estrada de ferro é uma coisa real, que existe; mas se compreende menos que ele creia ter o dinheiro e pagar o seu lugar.
Esse fenômeno encontra sua solução nas propriedades do fluido perispiritual, e na teoria das criações fluídicas, princípio importante que dá a chave de muitos mistérios do mundo invisível.
O Espírito, pela vontade ou unicamente pelo pensamento, opera no fluido perispiritual, que não é, ele mesmo, senão uma concentração do fluido cósmico ou elemento universal, uma transformação parcial que produz o objeto que deseja. Esse objeto não é para nós senão uma aparência, para o Espírito é uma realidade. Foi assim que um Espírito morto há pouco, se apresentou um dia numa reunião espírita, a um médium vidente, com um cachimbo à boca e fumando. Sobre a observação que lhe foi feita de que isso não era conveniente, ele respondeu: "Que quereis! tenho de tal modo o hábito de fumar que não posso passar sem meu cachimbo." O que era mais singular é que o cachimbo soltava fumaça; para o médium vidente, bem entendido, e não para os assistentes.
Tudo deve estar em harmonia, no mundo espiritual, como no mundo material; aos homens corpóreos, são necessários objetos materiais; aos Espíritos, cujo corpo é fluídico, são necessários objetos fluídicos, os objetos materiais não lhes serviriam, não mais do que os objetos fluídicos não serviriam aos homens corpóreos. O Espírito fumante, querendo fumar, cria um cachimbo, que, para ele, tinha a realidade de um cachimbo de terra; Legay, querendo ter dinheiro para pagar seu lugar, seu pensamento criou-lhe a soma necessária.
Para ele há realmente dinheiro, mas os homens não poderiam se contentar com a moeda dos Espíritos. Assim se explicam as vestes dos quais estes se revestem à vontade, as insígnias que carregam, as diferentes aparências que podem tomar, etc.
As propriedades curativas dadas ao fluido pela vontade se explicam também por esta transformação. O fluido modificado age sobre o perispírito que lhe é similar, e este perispírito, intermediário entre o princípio material e o princípio espiritual, reage sobre a economia, na qual desempenha um papel importante, embora desconhecido ainda pela ciência.
 
Há, pois, o mundo corpóreo visível com os objetos materiais, e o mundo fluídico, invisível para nós, com os objetos fluídicos. Há a se notar que os Espíritos, de uma ordem inferior e pouco esclarecidos, operam essas criações sem se darem conta da maneira pela qual se produz neles esse efeito; não podem mais se explicar do que um ignorante da Terra não pode explicar o mecanismo da visão, nem um camponês dizer como produz o trigo.
As formações fluídicas se prendem a um princípio geral que será ulteriormente o objeto de um desenvolvimento completo, quando tiver sido suficientemente elaborado.
 
O estado dos Espíritos na situação de Pierre Legay levanta várias questões.
1)     A que categoria pertencem precisamente os Espíritos que se crêem ainda vivos?
2)    A que se prende essa particularidade?
3)    Prende-se ela a uma falta de desenvolvimento intelectual e moral?
Vemos deles muito inferiores se darem conta perfeitamente de seu estado, e a maioria daqueles que vimos nessa situação não são os mais atrasados. É isso uma punição?
 
Sem dúvida o é para alguns, como para Simon Louvet, do Havre, o suicida da torre de François 1-, que, durante cinco anos, estava na apreensão de sua queda (Revista Espírita, do mês de março de 1863, página 87); mas muitos outros não são infelizes e não sofrem, como testemunha Pierre Legay. (Ver, para a resposta, a dissertação adiante.)
 
 
 
 
SOBRE OS ESPÍRITOS QUE SE CRÊEM AINDA VIVOS.  (assunto obtido anteriormente ao fato narrado aqui sobre PIERRE LEGAY)
 
(Sociedade de Paris, 21 de julho de 1864. - Médium, Sr. Vézy.)
Já falamos, muito freqüentemente, das diversas provas e expiações, mas cada dia delas descobris novas? Elas são infinitas, como os vícios da Humanidade e como vos estabelecer delas a nomenclatura? Todavia, vindes de nos reclamar por um fato, e vou tentar vos instruir.
Nem tudo é prova na existência; a vida do Espírito continua, como já vos foi dito, desde seu nascimento até o infinito; para uns a morte não é senão um simples acidente que não influi em nada sobre o destino daquele que morre. Uma telha caída, um ataque de apoplexia, uma morte violenta, muito freqüentemente, não fazem senão separar o Espírito de seu envoltório material; mas o envoltório perispiritual conserva, pelo menos em parte, as propriedades do corpo que acaba de sucumbir. Num dia de batalha, se eu pudesse vos abrir os olhos que possuis, mas dos quais não podeis fazer uso, veríeis muitas lutas continuarem, muitos soldados subir ainda ao assalto, defender e atacar os redutos; vós os ouviríeis mesmo produzir seus hurras! e seus gritos de guerra, no meio do silêncio e sob o véu lúgubre que segue um dia de carnagem; o combate acabou, eles retornam aos seus lares para abraçar seus velhos pais, suas velhas mães que os esperam. Algumas vezes, esse estado dura muito tempo para alguns; é uma continuação da vida terrestre, um estado misto entre a vida corpórea e a vida espiritual. Por que, se foram simples e sábios, sentiriam o frio do túmulo? Por que passariam bruscamente da vida para a morte, da claridade do dia à noite? Deus não é injusto, e deixa aos pobres de Espírito esse gozo,
esperando que vejam seu estado pelo desenvolvimento de suas próprias faculdades, e que possam passar com calma da vida material à vida real do Espírito.
 
Consolai-vos, pois, que tendes pais, mães, irmãos ou filhos que se extinguiram sem luta; talvez lhes seja permitido crer ainda que seus lábios se aproximaram de vossas frontes.
Secai vossas lágrimas: os prantos são dolorosos para vós, e eles se admiram de vos ver derramá-los; envolvem vossos colos com seus braços, e vos pedem para sorrir. Sorri, pois, a esses invisíveis, e orai para que mudem o papel de companheiros no de guias; para que desdobrem suas asas espirituais que lhes permitirão planar no infinito e de vos trazer dali as doces emanações.
Não vos digo, notai-o bem, que todos os mortos logo caem nesse estado; não, mas não há um único cuja matéria não tenha que lutar com o Espírito que se reencontra. O duelo teve lugar, a carne foi dilacerada, o Espírito obscureceu-se no instante da separação, e na erraticidade o Espírito reconheceu a verdadeira vida. Agora vou dizer-vos algumas palavras daqueles para os quais esse estado é uma prova. Oh! quanto ela é penosa! eles se crêem vivos e bem vivos, possuindo um corpo capaz de sentir e de saborear os gozos da Terra, e quando suas mãos vão tocar, suas mãos se apagam; quando querem aproximar seus lábios de uma taça ou de uma fruta, seus lábios se aniquilam; eles vêem, querem tocar, e não podem nem sentir nem tocar. Quanto o paganismo oferece uma bela imagem desse suplício, apresentando Tântalo tendo fome e sede e não podendo jamais tocar os lábios na fonte d'água que murmura ao seu ouvido, ou o fruto que parece amadurecer para ele. Há maldições e anátemas nos gritos desses infelizes! Que fizeram para suportar esses sofrimentos? Perguntai-o a Deus: é a lei; ela está escrita por ele. Aquele que fere com espada perecerá pela espada; aquele que profanou seu próximo será profanado por sua vez. A grande lei de talião está inscrita no livro de Moisés, ela o está ainda
no grande livro da expiação.
Orai, pois, sem cessar por aqueles na hora de seu fim; seus lábios se fecharão, eles dormirão no espaço, como se tivessem dormido sobre a Terra, e reencontrarão, no seu despertar, não mais um juiz severo, mas um pai compassivo lhes destinando novas obras e novos destinos. SANTO AGOSTINHO
 
 
CONVERSAS FAMILIARES DE ALÉM-TÚMULO. PIERRE LEGAY DITO GRANDE-PIERROT.
(Continuação. - Ver a Revista de novembro de 1864.)
 
Pierre Legay, parente da senhora Delanne, nos ofereceu o singular espetáculo de um Espírito que, dois anos depois de sua morte, se acreditava ainda vivo, vagava por seus negócios, viajava em viatura, pagava seu lugar na estrada de ferro, visitou Paris pela primeira vez, etc. Damos hoje a conclusão desse estado, que seria difícil de compreender se não se reportasse aos detalhes dados na Revista de novembro de 1864.
 
O Sr. e a Sra. Delanne tinham inutilmente procurado tirar seu parente do seu erro; seu guia espiritual lhe dissera para esperar, não tendo ainda chegado o momento. Nos primeiros dias do mês de março último, eles dirigiram a pergunta seguinte ao seu guia:
 
Depois da última visita de Pierre Legay, mencionada na Revista Espírita, não pudemos obter dele nenhuma resposta. Vós me dissestes a esse respeito que, quando o momento tivesse chegado, ele mesmo nos daria suas impressões. Pensais que o possa agora? - R. Sim, meus filhos; a hora chegou. Ele poderá vos responder e vos fornecerá diversos assuntos de estudos e de ensinamentos. Deus tem seus objetivos.
 
P. (A Pierre Legay) .Caro amigo, estais aqui? - R. Sim, meu amigo.
 
P. Vedes meu objetivo vos evocando hoje? - R. Sim, porque tenho junto a mim amigos que me instruíram sobre tudo o que se passa de surpreendente neste momento sobre a Terra. Meu Deus, que coisa estranha tudo isto!
 
P. Dissestes que tendes amigos que vos cercam e que vos instruem; podeis nos dizer quem são? - R. Sim, são amigos, mas não os conheci senão depois que despertei; sabeis que dormi? Chamo dormir o que chamais morrer.
 
P. Podeis dizer-nos o nome da alguns destes amigos? - R. Tenho constantemente ao meu lado um homem, que deveria antes chamar um anjo, porque é tão doce, tão bom, tão belo que creio que os anjos devem ser todos como aqui e ali. E depois tem Didelot (o pai da senhora Delanne) que está aqui também; depois vossos pais, meu amigo. Oh! como são bons! Há também: ah! é engraçado, como se encontra, nossa irmã superior. Por exemplo, ela é sempre a mesma; ela não mudou. Mas o que é, pois, curioso em tudo isto!
 
Nota. A irmã que o Espírito designa habitava a comuna de Treveray e havia dado as primeiras instruções à senhora Delanne. Ela não havia se manifestado senão uma vez, três anos antes.
 
Toma! vós também, jardineiro! (nome familiar dado a um tio da senhora Delanne, e que jamais se manifestou). Mas, quanto sou besta! É em vosso quarto que estamos. Pois bem, estou contente de vos ver; aqui me coloco à vontade; porque, minha palavra de honra, fui transportado não sei de onde faz algum tempo; vou mais depressa do que a estrada de ferro, e percorro o espaço sem poder me dar conta como. Sois como eu, Didelot? Ele tem o ar de achar tudo natural; parece que já está habituado. De resto, faz mais tempo do que eu que ele o fez (morreu há seis anos), e compreendo que com isto esteja menos espantado. Mas quanto é, pois, engraçado! ah! é muito engraçado! Dizei-me, sabeis, convosco, meu primo, estou à vontade. Pois bem, francamente, dizei-me,
pois, o que se chama morrer?
 
SR. DELANNE: Chama-se morrer, meu amigo, deixar seu corpo grosseiro à terra para dar à alma a liberdade da qual tem necessidade para reentrar na vida real, a grande vida do Espírito. Sim, aí estais, caro amigo, nesse mundo ainda desconhecido para muitos homens da Terra. Eis-vos saído da letargia ou entorpecimento que segue a separação do corpo e da alma. Vedes vosso anjo guardião, os amigos que vos cercam; foram eles que vos conduziram entre nós, para vos provar a imortalidade e a individualidade de vossa alma. Sede disso orgulhoso e feliz, porque, o vedes agora, a morte é a vida. Eis porque também atravessais o espaço com a rapidez do relâmpago, e podeis conversar conosco em Paris, como se tivésseis um corpo material como o nosso.
 
O corpo, não o tendes mais; não tendes agora senão um envoltório fluídico e leve que não vos retém mais na Terra.
 
P. LEGAY: Singular expressão: morrer:  Mas, dai, pois, um outro nome ao momento em que a alma deixa seu corpo à terra, porque esse instante não é o da morte.....Eu me lembro.....Estava apenas desembaraçado dos laços que me retinham ao meu corpo, que meu sofrimento, em lugar de diminuírem, não fizeram senão crescer. Via meus filhos que se disputavam para ter cada um a parte daquilo que lhes chegava. Eu os via não darem atenção às terras que lhes deixei, e então me pus a trabalhar com mais força ainda do que nunca. Eu estava ali, lamentando ver que não se me compreendia; pois, eu não estava morto. Asseguro-vos que senti os mesmos medos e as mesmas fadigas quando com meu corpo, e, no entanto, eu não o tinha mais. Explicai-me isto; se é como aqui que se morre, é uma engraçada maneira de morrer. Dizei-me vossa idéia acima, e depois eu direi a minha, porque agora, esses bons amigos têm a bondade de ma dizer. Vamos, meu primo, dizei-me vossa idéia.
SR. DELANNE: Meu amigo, quando os Espíritos deixam seu corpo, eles são envolvidos de um segundo corpo, como eu vos disse; este é fluídico; não o deixam jamais. Pois bem, era com esse corpo que acreditáveis trabalhar, como em vida com o outro. Podeis depurar este corpo semi-material por vosso adiantamento moral; e se a palavra morte não vos convém para precisar esse momento, chamai-o transformação, se quiseres. Se tivestes que sofrer coisas que vos foram penosas, é que vós mesmo, em vossa vida, talvez fostes muito apegado às coisas materiais, negligenciando as coisas espirituais, que interessam ao vosso futuro. (Ele estava muito interessado.) Foi um pequeno castigo que Deus vos impôs para resgatar vossas faltas, dando-vos o meio de vos instruir e de abrir vossos olhos à luz.
 
P. LEGAY: Pois bem! Meu caro, não é a este momento que é preciso dar o nome de transformação, porque o Espírito não se transforma tão rápido se não for imediatamente ajudado a se reconhecer pela prece, e não se esclarece sobre sua verdadeira posição, seja, como acabo de dizer, orando por ele, seja evocando-o. É porque há tantos Espíritos, como o meu, que ficam estacionados. Há, para o Espírito da minha categoria, transição,
mas não transformação; ele não sabe se dar conta do que lhe chega. Eu arrastei, ou antes acreditei arrastar meu corpo com a mesma dificuldade e os mesmos males do que sobre a Terra. Quando fui libertado de meu corpo, sabeis o que senti? Pois bem! o que se sente depois de uma queda que vos atordoou um momento, ou antes depois de uma fraqueza, e que vos faz retornar com vinagre. Eu despertei sem me aperceber que meu
corpo me havia deixado. Vim a Paris onde estou, pensando aqui estar bem e estar em carne e osso, e não teríeis podido me convencer do contrário se depois não estivesse morto.
 
Sim, morre-se, mas não é no momento em que se deixa seu corpo; é no momento em que o Espírito, percebendo sua verdadeira posição, toma-lhe uma vertigem, não sabe mais compreender o que se lhe diz, nem vê mais as coisas que se lhe explica do mesmo modo; então ele se perturba; vendo que não é mais compreendido, procura, e, como o cego que é atingido subitamente, pede um condutor que não vem em seguida, não dá; é preciso que fique algum tempo nas trevas onde tudo é confuso para ele; está perturbado, e é preciso que o desejo o leve com ardor a pedir a luz, que não lhe é concedida senão depois que a agonia esteja terminada e que a hora da libertação chegou. Pois bem, meu primo, é quando o Espírito se encontra nesse momento, que é o momento da morte, porque não sabe mais reconhecer-se. É preciso, eu o repito, que se seja ajudado pela prece para sair desse estado, e é também quando a hora da libertação estiver chegada que é preciso empregar a palavra transformação para os Espíritos de minha ordem.
 
Oh! Obrigado pelas vossas boas preces, obrigado, meu amigo; sabeis o quanto eu vos amo, e vos amarei bem mais ainda agora. Continuai-me vossas boas preces pelo meu adiantamento. Obrigado ao homem que revelou essas grandes verdades santas das quais tantos outros, antes dele, tinham desdenhado de se ocupar. Sim, obrigado por ter associado meu nome a tantos outros. Orou-se por mim lendo algumas linhas que tinha
vindo vos dar. Obrigado, pois, também a todos aqueles que oraram por mim, que hoje, graças à prece, cheguei a compreender-lhe a importância. A meu turno, tratarei de ser útil a todos.
 
Eis o que tinha a vos dizer, e estejais tranqüilos; hoje, não tenho mais dinheiro a lamentar, mas, ao contrário, tenho todo o meu tempo para vos dar.
Não é que essa mudança deve vos espantar muito? Pois bem, doravante, como no presente, isto será como isto, porque vejo bem claro agora, aqui, e de muito longe. PIERRE LEGAY.
 
Nota. - O novo estado em que se encontra Pierre Legay, deixando de se crer deste mundo, pode ser considerado como um segundo despertar do Espírito. Esta situação se liga à grande questão da morte espiritual que foi estudada neste momento. Agradecemos aos Espíritas que, ao nosso relato, oraram por esse Espírito. Podem ver que se apercebeu disto e que com isto se achou bem.