UM MÉDICO RUSSO
- R. Sim. No dia da minha morte vos
persegui com a minha presença, e resististes às tentativas que fiz para
escreverdes. As palavras, que a meu respeito dissestes, deram ocasião a que vos
reconhecesse, e daí o desejo de me entreter convosco para vosso benefício.
- P. Bom como éreis, por que sofrestes
tanto?
- R. Porque ao Senhor aprouve fazer-me
sentir duplamente por esse meio o preço da minha libertação, querendo ao mesmo
tempo que na Terra progredisse o mais possível.
- P. A ideia da morte causou-vos
terror?
- R. Tinha bastante fé em Deus para que
tal não sucedesse.
- P. O desprendimento foi doloroso?
- R. Não. Isso que denominais últimos
momentos, nada é. Eu apenas senti um rápido abalo, para encontrar-me logo
feliz, inteiramente desembaraçado da mísera carcaça.
- P. E que sucedeu depois?
- R. Tive o prazer de ver
aproximarem-se inúmeros amigos, notadamente os que tive a satisfação de ajudar,
dando-me todos as boas-vindas.
- P. Que regiões habitais? Acaso algum
planeta?
- R. Tudo que não seja planeta,
constitui o que chamais Espaço e é neste que permaneço. O homem não pode,
contudo, calcular, fazer uma ideia, sequer, do número de gradações desta
imensidade. Que infinidade de escalas nesta escada de Jacob que vai da Terra ao
Céu, isto é, do aviltamento da encarnação em mundo inferior, como esse, até à
depuração completa da alma! Ao lugar em que ora me encontro não se chega senão
depois de uma série enorme de provas, ou, por outra, de encarnações.
- P. Logo, deveis ter tido multas
existências?
- R. Nem podia ser de outra maneira.
Nada há excepcional na ordem imutável do Universo, estabelecida por Deus. A
recompensa só pode vir depois da luta vencida: assim, se grande for aquela é
que também esta o foi e necessariamente. Mas a vida humana é tão curta que a
luta apenas se trava por intervalos, que são as diferentes e sucessivas
encarnações. É fácil, pois, concluir que, estando eu num dos graus elevados, o
atingi depois de uma série de combates, nos quais Deus me permitiu saísse
vitorioso algumas vezes.
- P. Em que consiste a vossa
felicidade?
- R. Isso é mais difícil de vos fazer
compreender. Essa ventura que gozo é uma espécie de contentamento extremo de
mim mesmo, não pelos meus merecimentos - o que seria orgulho - e este é
predicado de Espíritos atrasados - mas contentamento como que saturado, imerso
no amor de Deus, no reconhecimento da sua infinita bondade. Em suma, é a
alegria que nos infunde o bem, podendo supor-se ter a seu arbítrio contribuído
para o progresso de outros, que se elevaram até o Criador. Ficamos como que
identificados com esse bem-estar, que é uma espécie de fusão do Espírito com a
bondade divina. Temos o dom de ver os Espíritos mais adiantados, de
compreender-lhes a missão, de saber que também nós a tanto chegaremos; no infinito
incomensurável, entrevemos as regiões em que rútilo esplende o fogo divino, a
ponto de deslumbrar-nos, mesmo através do véu que as envolve.
Mas, que digo? Compreendeis as minhas
palavras? Acreditais ser esse fogo, a que me refiro, comparável ao Sol, por
exemplo? Não, nunca. É uma coisa indizível ao homem, uma vez que as palavras só
exprimem para ele coisas físicas ou metafísicas que conhece de memória ou
intuitivamente. Desde que o homem não pode guardar na memória o que
absolutamente desconhece, como insinuar-se-lhe a percepção? Ficai porém ciente
de que é já uma grande ventura o pensar na possibilidade de progredir
infinitamente.
- P.
Tivestes a bondade de exprimir o desejo de me ser útil: peço-vos me digais em
quê.
- R. Posso ajudar-vos e amparar nos
desfalecimentos, fortalecer nos momentos de desânimo, consolar nos de aflição.
Se a vossa fé se abalar e qualquer comoção vos perturbar, evocai-me, porque
Deus me permitirá vo-lo fazer lembrado, atraindo-vos para Ele. Se vos sentirdes
prestes a sucumbir ao peso das más tendências, que a própria consciência acuse
de culposas, chamai-me ainda, porque eu vos ajudarei a carregar a vossa cruz,
tal como a Jesus ajudaram a carregar aquela donde tão solenemente deveria
proclamar a verdade, a caridade. Se vacilardes ao peso dos próprios dissabores,
quando o desespero de vós se apodere, ainda uma vez chamai-me para que venha
arrancar-vos do abismo, falando-vos espiritualmente, lembrando deveres
impostos, não por considerações sociais ou materiais, mas pelo amor que vos
transfundirei na alma, amor por Deus a mim concedido em favor dos que por ele
podem salvar-se.
Certo, na Terra tendes amigos, os
quais, compartilhando das vossas angústias, talvez já vos tenham salvo. Em
momentos aflitivos tratais de procurar esses amigos, que dão conselhos, apoio,
carícias... Pois bem: ficai certo de que no Espaço também podeis ter amigos,
úteis e prestantes.
É uma consolação poder-se dizer: Quando
eu morrer, enquanto à cabeceira do leito os amigos da Terra chorarem e pedirem,
os do Espaço, no limiar da vida, Irão sorridentes conduzir-me ao lugar adequado
aos meus méritos e virtudes.
- P. Por que faço jus a essa proteção
que quereis dispensar-me?
- R. Eis a razão: A vós me afeiçoei
logo no dia da minha morte: - é que, como Espírito, vos vi do Espiritismo
adepto sincero e bom médium. E como dentre tantos que aí deixei fostes vós que
vi primeiramente, logo me propus contribuir para o vosso progresso. O proveito
não é apenas vosso, mas também dos que deveis instruir no conhecimento da verdade.
Na vossa missão podeis ver uma prova
eloquente do amor de Deus para convosco. Os que a vós se chegarem, pouco a
pouco se tornarão crentes, e aos mais refratários, em vos ouvindo, também
chegará, embora mais tarde, a vez de crer. Desanimar, nunca; caminhar sempre,
apesar dos pedregulhos. Tomai-me por apoio nos momentos de desânimo.
- P. Não me julgo digno de tão grande
favor.
- R. Mas por certo que bem longe estais
da perfeição. Não obstante o vosso ardor na prática das sãs doutrinas; o
cuidado em manter a fé dos que vos ouvem; em aconselhar a caridade, a bondade e
a benevolência, mesmo para os que convosco mal se conduzem; a resistência aos
instintos de cólera, que aliás facilmente poderíeis descarregar nos que vos
afligem, por ignorantes das vossas intenções; tudo isso atenua a maldade que
ainda possuís. Convém que o diga: o perdão das ofensas é, de tantas, uma das
mais poderosas atenuantes do mal. Deus vos cumula de graças pela faculdade que
vos concedeu, e que deveis desenvolver pelo esforço próprio, a fim de
cooperardes na salvação do próximo. Vou deixar-vos, porém contai sempre comigo.
Preciso se faz modereis as idéias terrenas, vivendo o mais possível com os
amigos do Espaço. P ...