Caracteres
da Revelação Espírita – A Gênese de Allan Kardec e os Espíritos.
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55.
— Um último caráter da revelação espírita, a ressaltar das condições mesmas em
que ela se produz, é que, apoiando-se em fatos, tem que ser, e não pode deixar
de ser, essencialmente progressiva, como todas as ciências de observação. Pela
sua substância, alia-se à Ciência que, sendo a exposição das leis da Natureza,
com relação a certa ordem de fatos, não pode ser contrária às leis de Deus,
autor daquelas leis. As descobertas que a Ciência
realiza, longe de o rebaixarem, glorificam a Deus; unicamente destroem o que os
homens edificaram sobre as falsas ideias que formaram de Deus.
O
Espiritismo, pois, não estabelece como princípio absoluto senão o que se acha
evidentemente demonstrado, ou o que ressalta logicamente da observação.
Entendendo com todos os ramos da economia social, aos quais dá o apoio das suas
próprias descobertas, assimilará sempre todas as doutrinas progressivas, de
qualquer ordem que sejam, desde que hajam assumido o estado de verdades práticas e abandonado
o domínio da utopia, sem o que ele se suicidaria.
Deixando
de ser o que é, mentiria à sua origem e ao seu fim providencial. Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo
jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar
em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade
nova se revelar, ele a aceitará. (1)
(1) Diante
de declarações tão nítidas e tão categóricas quais as que se contêm neste
capítulo, caem por terra todas as alegações de tendências ao absolutismo e à
autocracia dos princípios, bem como todas as falsas assimilações que algumas
pessoas prevenidas ou mal informadas emprestam à doutrina. Não são novas,
aliás, estas declarações; temo-las repetido muitíssimas vezes nos nossos escritos,
para que nenhuma dúvida persista a tal respeito. Elas, ao demais, assinalam o
verdadeiro papel que nos cabe, único que ambicionamos: o de mero trabalhador.
Texto abaixo, extraído do livro O Espiritismo e os
Problemas Humanos – (Deolindo Amorim e Herculano Pires)
Opção e Definição:
{...} Estamos, assim, na mesma linha de pensamento até
hoje. Dentro desta ordem de ideias, ainda consideramos válidas, sem tirar nem
pôr, as conclusões finais de nosso livro "Espiritismo e os Problemas
Humanos:
·
"O
Espiritismo - a Doutrina codificada por Allan Kardec tem relações com a
sociologia, o Direito, a Economia, a História;''
·
"O
Espiritismo e uma Doutrina de sentido universal, podendo ter pontos e
coincidência com diferentes doutrinas e religiões, mas conserva a autonomia de
seus princípios;''
·
"O Espiritismo
é progressista, afirma a liberdade espiritual e crê na subordinação do homem a
qualquer determinismo absoluto;"
·
"O
Espiritismo tem por fim precípuo a espiritualização do homem na
sociedade;"
·
"O Espiritismo
acompanha a evolução das ideias e, por isso, não pode ser considerado fora da
atualidade". Somos ainda deste mundo, pertencemos à sociedade, temos
compromissos na Terra e, por isso mesmo, não podemos fugir às contingências do
meio cósmico e do meio social. Não queremos pedir à Doutrina Espírita a solução
pronta e acabada de todos os problemas da vida, assim como não alimentamos nem
poderíamos alimentar a ingênua suposição de ser o Espiritismo a única doutrina
capaz de nos proporcionar o Bem ou nos abrir clareiras para o conhecimento
espiritual. Não. Há muitos caminhos para iluminação interior, mas é sempre uma
conquista, que depende do esforço próprio, da luta constante, em qualquer ambiente,
não é uma "graça que cai do céu", não é um estado de quietude
displicente. Há muitas vias de conhecimento e, consequentemente, cada qual se
faz àquela que mais de perto combina com as suas inclinações e possibilidades.
Se, entretanto, escolhemos a Doutrina Espírita, naturalmente porque achamos que
é um caminho certo, uma vez que ela significa, para nós, a diretriz mais segura
perante a vida, embora saibamos que existam outras doutrinas também
consistentes e esclarecidas, não podemos deixar de ser coerentes com as nossas
ideias, agindo e reagindo na sociedade em concordância com os princípios e
padrões espíritas. Se, porém, com toda a nossa fidelidade aos ensinos
espíritas, sentimos que nos faltam a necessária segurança, porque já não
encontramos, nas ideias que esposamos, a mensagem adequada às necessidades e
exigências do mundo atual, então vai ocorrer, aí fatalmente, um dilema: ou
ainda não penetramos bem no cerne da Doutrina e, por isso, devemos reestudá-la
cuidadosamente, ou a Doutrina já não pode mais corresponder às solicitações do
momento. É o grande problema que se nos apresenta. Desde que aceitamos
integralmente a Doutrina, com ela devemos sedimentar as nossas reflexões, sem
dispensar o exercício da faculdade crítica. Pouco importa a especulação acerca
de seus fundamentos se efetivamente não procuramos conformar as nossas ideias e
os nossos atos aos princípios da Doutrina, como advertiu Allan Kardec. Por isso
mesmo, é natural que nos detenhamos, agora, com toda a isenção e honestidade,
para verificar até onde pode esta Doutrina oferecer elementos de convicção, em
virtude das mudanças sociais e dos novos rumos que a ordem das coisas está
imprimindo aos estilos de vida. Terão ainda as proposições básicas do
Espiritismo a necessária solidez para resistir às transformações por que passa
o mundo, atualmente? Terão apenas valor histórico? É uma questão muito séria,
mas inevitável, porque a realidade social nos afronta de vários modos, como se
estivéssemos fazendo um teste de tudo quanto aprendemos até agora ou de tudo
aquilo em que acreditamos. Precisamos saber, mas saber criteriosamente, se as
nossas convicções ainda estão intactas e se podem ou não enfrentar os desafios
do mundo exterior.
·
[...] A Doutrina
tem recursos inesgotáveis, mas é necessário saber como descobrir e aplicar
esses recursos em face das motivações que vão surgindo. Em tudo por tudo, a
Doutrina Espírita mostra sempre o equilíbrio, o bom-senso, nunca o radicalismo
nem a precipitação. Isto não quer dizer que a Doutrina seja omissa ou obscura
em relação aos problemas da sociedade humana. O que acontece, entretanto, é que
a Doutrina tem uma "contextura de princípios", como tem as suas
concepções, os seus conceitos, não podendo, portanto, adaptar-se a qualquer
sistema de ideias, cujo caráter esteja em contradição com a sua filosofia,
ainda que haja coincidência de ponto-de-vista neste ou naquele ângulo. Uma
relação meramente circunstancial não é suficiente para confundir ou identificar
doutrinas que se diferenciam nos aspectos essenciais.
·
[...] O
Espiritismo não é uma doutrina fatalista: se existem dificuldades insuperáveis,
porque se prendem a vinculações bem dolorosas com o passado de outras etapas da
vida, também existem problemas que correm por conta da falta de solidariedade
ou da frieza de muitos corações, que ainda não aprenderam a palpitar nas
expansões de amor ao próximo. Tudo isto é ensino da Doutrina Espírita.
·
[...] É verdade
que a Doutrina se preocupa, acima de tudo, com o lado espiritual da vida, mas
nem por isso devemos desconhecer as omissões da sociedade, que é culpada de
muitos dramas e conflitos por causa de sua indiferença diante de injustiças de
toda ordem. E a sociedade somos todos nós, logo também nos cabe uma parte de
responsabilidade. Se Doutrina Espírita abrange os dois aspectos da vida - o
material e o espiritual - situando as necessidades e os valores nos planos que
lhes são correspondentes, logicamente não pode adotar soluções unilaterais nem
assumir posições dogmáticas. Se é um erro, e erro aberrante, desprezar o
espírito e concentrar todos os ideais do homem no círculo restrito das
realizações exclusivamente temporais, também é um erro, e dos mais inconsequentes,
menosprezar o mundo a que se pertence para ficar na pura contemplação do
espírito, fugindo às leis da natureza.
·
[...] O
Espiritismo é, para nós, uma filosofia de vida, não é simplesmente uma crença.
Como filosofia, tem as suas afirmações fundamentais, aceita certos postulados
e, por isso, estabelece diretrizes de orientação para as diversas
circunstâncias com que nos defrontamos. Tem a Doutrina Espírita, portanto, uma
sistematização própria. Se tem a sua sistematização formando uma estrutura de
princípios e previsões concordantes com as suas premissas, evidentemente não
pode deixar te ter uma linha de ação no mundo. É uma participação ativa, mas
naturalmente ajustada a uma ordem de pensamentos diferente de outras doutrinas,
políticas, religiosas ou filosóficas.
·
[...] É uma
Doutrina de grande conteúdo humano; não aprova, de forma alguma, o desinteresse
perante as necessidades pessoais e sociais; não sanciona qualquer atitude
alienatória ou recolhimento sistemático para evitar contato com os que sofrem
ou estão estagnados pela injustiça; e se assim fosse, estaria em contraposição
ao próprio Cristo, que nunca se omitiu nem desertou de sua missão, mas é uma
Doutrina que tem a sua maneira peculiar de interpretar os fenômenos do mundo e,
por isso, não pode acompanhar todos os processos propostos e admitidos nas
competições sócio políticas.
[...] O estado atual do mundo exige um
reexame de conjunto, em face da Doutrina Espírita, a fim de nos prepararmos
para as transições de toda ordem, acompanhando o fio da História e procurando
compreender as situações de cada momento. A Doutrina tem luzes para nos indicar
o caminho.