segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Um estranho caso de Suicídio – Fonte: Cânticos do Coração, volume II – D. Yvonne Pereira



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D. Yvonne Pereira
 ”Afirmou-lhe Jesus: Quem beber desta água tomará a ter sede; aquele, porém que beber da água que lhe der nunca mais terá sede. Pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna. Disse-lhe então a mulher: Senhor, dá-me dessa água para que eu não tenha sede, nem precise vir aqui busca-la”. (Jesus – João, cap. 4, v. 5 a 25).

Cada vez mais nos convencemos de nós outros, espiritistas, devemos dedicar o máximo esforço para distribuirmos  aos sedentos de amor, de justiça, de consolo, de luzes e conhecimentos espirituais aquele “pão do Céu” que a doutrina de Jesus representa pela “água viva” de que ele informou à mulher samaritana à beira do poço de Jacó, na cidade de Sicar, na Samaria, água essa que, igualmente, outra coisa não é senão os ensinamentos de sua doutrina, e que incessantemente em jorrado do Alto a fim de saciar-nos o espírito sempre necessitado.

Ao invés de perdemos tempo em questiúnculas estéreis e divergências doutrinárias de somenos, ou esmiuçar nossas existências passadas, no incontrolável desejo de sabermos se ontem fomos reis ou príncipes, duquesas ou condessas, mas nunca pedidores de esmola ou assaltantes de estradas, o melhor tempo a fazer é procurar aprender criteriosamente e assimilar, o Evangelho e a Doutrina dos Espíritos, seguimento dele, a fim de distribuirmos com objetividade os seus princípios e finalidades àqueles que, de um modo ou de outro, não tem possibilidade para o estudo dos códigos doutrinários ou não os possam entender com facilidade. (OLE 627).

É o pão espiritual que devemos distribuir, é a água viva que ficará conosco para nunca mais sentirmos sede, principalmente entre os pequeninos, isto é, a esta falange de sofredores e revoltados encarnados ou desencarnados, que das coisas de Deus e do Espírito não tem senão vagas noções ou noção alguma. Porque não podemos restringir-nos à distribuição do pão material e à veste do corpo, que a eles vimos fornecendo consoante as nossas posses, o que é sempre necessário e muito louvável.

Somos depositários de um tesouro celeste de ensinamentos fornecidos pelos Espíritos Guias da Humanidade, e o que nos cumpre é consultá-los, aprendê-los espalhá-los por toda a parte, segundo também as nossas possibilidades, a par da ajuda material, mas com objetividade, clareza, exemplificação, paciência e amor.

Muitos livros espíritas que nos esclareceriam sobremodo, conferindo-nos cabedais racionais e irresistíveis para ajudarmos, expondo o seu conteúdo, aos grandes necessitados de orientação doutrinária, não são sequer consultados pela maioria.

O Espiritismo não é apenas ornamento para acadêmicos, doutores, cientistas, ilustres personagens do planeta. Ele é, acima de tudo, o Consolador enviado pelo Mestre para socorrer os que sofrem, nortear os indecisos e ignorantes das coisas de Deus, portador que é de verdades imortais e para predispor os corações à compreensão das Leis da Vida e da Morte, a fim de que o equilíbrio se faça na Humanidade desvairada dos nossos dias.

Os homens em geral precisam saber do que os Espíritos esclarecidos ou não (porque também estes, os atrasados nos esclarecem muito sobre a vida espiritual) nos revelam em nossas sessões ou narram aos médiuns cujas vidas foram dedicadas ao Senhor, após legítimas renúncias às coisas do mundo. Temos, portanto, muitas coisas a contar e esclarecer, se quisermos empregar bem a nosso tempo, a serviço da causa do Consolador.

Ora, todas estas considerações surgiram de nossas lembranças numa hora de meditação, ao folhearmos o livro de recordações existente em nosso coração. E dele destacamos um caso doloroso de suicídio induzido, provavelmente, na mais absurda ignorância da Lei de Deus, consequentemente, da vida além da morte, ignorância que teria criado uma auto obsessão que arrastaria à obsessão real, pois é sabido que nossos pensamentos maus, ou menos bons, são convites endereçados aos invisíveis inimigos do Bem, os quais podem aproximar-se de nós e desgraçar-nos por nossa própria culpa.

Que o leitor (a) nos ajude a classificar esse caso de suicídio, porque na verdade, não sabemos como apreciá-lo. Ei-lo:

“Há cerca de trinta e tantos anos, passamos uma temporada na cidade mineira de Pirapora, banhada pelo caudaloso Rio São Francisco. Estávamos na época da guerra e o governo brasileiro chamava os reservistas para o contingente militar que deveria partir para a Itália, integrado nas forças norte-americanas em operação naquele país.

Uma pobre senhora, modesta, simples, honesta, dessa massa sofredora e sem orientação espiritual eficiente, tinha um filho que era a razão do seu viver, as primícias da sua vida, e esse jovem foi convocado a seguir para a Itália, nos batalhões brasileiros.

Muito religiosa, católica, mas sem noções verdadeiras das leis de Deus, fez veemente promessa, dirigida ao próprio Criador, de dar a própria vida em troca da vida e da saúde do seu filho, se este retornasse da guerra são e salvo, sem nenhum arranhão sequer. E especificou: se o filho assim voltasse ela se atiraria ao dito rio do meio da ponte (a ponte mede um quilômetro de extensão, talvez mais), durante a primeira enchente que houvesse.

As enchentes do Rio São Francisco, quando as chuvas são abundantes pela região, as verdadeiras enchentes, causam horror ao expectador. É um turbilhão infernal que arrasta na sua voragem cadáveres de animais, árvores inteiras, às vezes também corpos humanos, destroços de casebres ribeirinhos e grandes serpentes sucuris aos quais se assemelham a troncos de madeira arrastados pela correnteza.

Seriam necessários, com efeito, muita coragem, muita convicção de que cumpriria assim um dever, muito amor materno, ou uma obsessão além de desequilíbrio emocional, para que semelhante promessa fosse realizada.

Afirmaram pela cidade que o vigário local, sabedor do estranho voto de sua penitente, aconselhou-a, prudentemente, e com veemência, esclarecendo-a que Deus não aceitaria tal promessa, que voto seria antes uma blasfêmia, revolta contra os céus; que o suicídio é um crime imperdoável, e ela perderia a própria alma se a cumprisse.  E que ela orasse pedindo perdão por tal blasfêmia e se retratasse perante a bondade do Criador, retirando a promessa e entregando a sorte do filho à misericórdia do Todo Poderoso, como faziam as outras mães, pois não era a única que via o filho partir para a guerra em defesa de uma causa justa.

A pobre mãe não compreendia assim. Prometera a própria vida em troca da vida e da saúde do filho e cumpriria a palavra, se ele retornasse são e salvo da Itália. Sentir-se-ia desonrada diante de Deus se furtasse ao cumprimento prometido.

Mas a guerra terminara com a vitória dos aliados, entre os quais se achavam os contingentes brasileiros. Os batalhões das forças do Brasil retornaram à Pátria e, com eles, são e salvo, sem nenhum arranhão, o filho da pobre senhora, tal como era o desejara.

Veio a enchente do rio, na época apropriada. Aconselhada pelo seu confessor, e pelos amigos, a deter-se, ela rondou, rondou o rio pela ponte vários dias, mas não conseguiu a devida coragem para precipitar-se à terrível caudal. Entretanto já não era a mesma pessoa. Permanecia arredia de todos, triste, estranha, silenciosa, dizendo-se apenas a alguns amigos, perjura e covarde perante Deus.

No ano seguinte, porém, não mais vacilou. Quando a enchente encontrou-se no seu mais violento período a pobre mulher atirou-se ao rio, do meio da ponte, e foi arrastada pelo turbilhão, entre as sucuris e os troncos de árvores. Ninguém tentou salvá-la. Para que? Não seria possível salvação ali. Como classificar esse suicídio?

Auto obsessão? Obsessão real? Enfermidade nervosa? Revolta contra Deus e a Vida? Ignorância das leis de Deus? Amor materno elevado ao fanatismo? Desequilíbrio mental pelo horror à guerra? Falta de fé em Deus e de resignação pois, na nossa constante observação em torno de obsessões e suicídios não encontramos outro igual. É certo, todavia, que as intenções pesam muitíssimo para as leis divinas, embora não cheguem a tudo justificar.

O suicídio de qualquer forma, é um conjunto de desequilíbrios quase inexplicáveis, e só Deus sabe quantos e quantos, por aí, se verificam sem explicações, pelo simples tédio da vida sem Deus, e com a loucura, daí consequente. Compreendamos, então, que a nós, espiritistas, que temos a grande responsabilidade de conhecermos estas coisas, cabe o dever de transmitir aos simples e pequeninos, que Jesus recomendou com a maior objetividade e veemência, os tesouros espirituais que o Consolador encerra. Porque os homens precisam conhecê-los, a fim de aprenderem o equilíbrio necessário para bem viver e saber morrer em paz.

Os códigos espíritas, inspirados pelo amor do Cristo, aí estão, esperando nossas consultas cotidianas para aprender a falar, em espírito e verdade, a esses pobres e pequeninos que da vida só conhecem, com efeito, as provações e sofrimentos, como aquela pobre filha de Deus que se atirou às águas do Rio São Francisco, num dia de enchente, em agradecimento aos Céus pelo fato de o filho querido ter voltado são e salvo de uma guerra”.