D. Yvonne Pereira |
”Afirmou-lhe Jesus: Quem beber desta água
tomará a ter sede; aquele, porém que beber da água que lhe der nunca mais terá
sede. Pelo contrário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a
vida eterna. Disse-lhe então a mulher: Senhor, dá-me dessa água para que eu não
tenha sede, nem precise vir aqui busca-la”. (Jesus – João, cap. 4, v. 5 a 25).
Cada vez mais
nos convencemos de nós outros, espiritistas, devemos dedicar o máximo esforço
para distribuirmos aos sedentos de amor,
de justiça, de consolo, de luzes e conhecimentos espirituais aquele “pão do Céu”
que a doutrina de Jesus representa pela “água viva” de que ele informou à
mulher samaritana à beira do poço de Jacó, na cidade de Sicar, na Samaria, água
essa que, igualmente, outra coisa não é senão os ensinamentos de sua doutrina,
e que incessantemente em jorrado do Alto a fim de saciar-nos o espírito sempre
necessitado.
Ao invés de
perdemos tempo em questiúnculas estéreis e divergências doutrinárias de
somenos, ou esmiuçar nossas existências passadas, no incontrolável desejo de
sabermos se ontem fomos reis ou príncipes, duquesas ou condessas, mas nunca
pedidores de esmola ou assaltantes de estradas, o melhor tempo a fazer é
procurar aprender criteriosamente e assimilar, o Evangelho e a Doutrina dos
Espíritos, seguimento dele, a fim de distribuirmos com objetividade os seus princípios
e finalidades àqueles que, de um modo ou de outro, não tem possibilidade para o
estudo dos códigos doutrinários ou não os possam entender com facilidade. (OLE
627).
É o pão
espiritual que devemos distribuir, é a água viva que ficará conosco para nunca
mais sentirmos sede, principalmente entre os pequeninos, isto é, a esta falange
de sofredores e revoltados encarnados ou desencarnados, que das coisas de Deus
e do Espírito não tem senão vagas noções ou noção alguma. Porque não podemos
restringir-nos à distribuição do pão material e à veste do corpo, que a eles
vimos fornecendo consoante as nossas posses, o que é sempre necessário e muito louvável.
Somos depositários
de um tesouro celeste de ensinamentos fornecidos pelos Espíritos Guias da
Humanidade, e o que nos cumpre é consultá-los, aprendê-los espalhá-los por toda
a parte, segundo também as nossas possibilidades, a par da ajuda material, mas
com objetividade, clareza, exemplificação, paciência e amor.
Muitos livros
espíritas que nos esclareceriam sobremodo, conferindo-nos cabedais racionais e irresistíveis
para ajudarmos, expondo o seu conteúdo, aos grandes necessitados de orientação
doutrinária, não são sequer consultados pela maioria.
O Espiritismo
não é apenas ornamento para acadêmicos, doutores, cientistas, ilustres
personagens do planeta. Ele é, acima de tudo, o Consolador enviado pelo Mestre
para socorrer os que sofrem, nortear os indecisos e ignorantes das coisas de
Deus, portador que é de verdades imortais e para predispor os corações à
compreensão das Leis da Vida e da Morte, a fim de que o equilíbrio se faça na
Humanidade desvairada dos nossos dias.
Os homens em
geral precisam saber do que os Espíritos esclarecidos ou não (porque também
estes, os atrasados nos esclarecem muito sobre a vida espiritual) nos revelam
em nossas sessões ou narram aos médiuns cujas vidas foram dedicadas ao Senhor,
após legítimas renúncias às coisas do mundo. Temos, portanto, muitas coisas a
contar e esclarecer, se quisermos empregar bem a nosso tempo, a serviço da
causa do Consolador.
Ora, todas
estas considerações surgiram de nossas lembranças numa hora de meditação, ao
folhearmos o livro de recordações existente em nosso coração. E dele destacamos
um caso doloroso de suicídio induzido, provavelmente, na mais absurda ignorância
da Lei de Deus, consequentemente, da vida além da morte, ignorância que teria
criado uma auto obsessão que arrastaria à obsessão real, pois é sabido que
nossos pensamentos maus, ou menos bons, são convites endereçados aos invisíveis
inimigos do Bem, os quais podem aproximar-se de nós e desgraçar-nos por nossa própria
culpa.
Que
o leitor (a) nos ajude a classificar esse caso de suicídio, porque na verdade,
não sabemos como apreciá-lo. Ei-lo:
“Há
cerca de trinta e tantos anos, passamos uma temporada na cidade mineira de
Pirapora, banhada pelo caudaloso Rio São Francisco. Estávamos na época da
guerra e o governo brasileiro chamava os reservistas para o contingente militar
que deveria partir para a Itália, integrado nas forças norte-americanas em
operação naquele país.
Uma
pobre senhora, modesta, simples, honesta, dessa massa sofredora e sem
orientação espiritual eficiente, tinha um filho que era a razão do seu viver,
as primícias da sua vida, e esse jovem foi convocado a seguir para a Itália,
nos batalhões brasileiros.
Muito
religiosa, católica, mas sem noções verdadeiras das leis de Deus, fez veemente
promessa, dirigida ao próprio Criador, de dar a própria vida em troca da vida e
da saúde do seu filho, se este retornasse da guerra são e salvo, sem nenhum arranhão
sequer. E especificou: se o filho assim voltasse ela se atiraria ao dito rio do
meio da ponte (a ponte mede um quilômetro de extensão, talvez mais), durante a
primeira enchente que houvesse.
As
enchentes do Rio São Francisco, quando as chuvas são abundantes pela região, as
verdadeiras enchentes, causam horror ao expectador. É um turbilhão infernal que
arrasta na sua voragem cadáveres de animais, árvores inteiras, às vezes também corpos
humanos, destroços de casebres ribeirinhos e grandes serpentes sucuris aos
quais se assemelham a troncos de madeira arrastados pela correnteza.
Seriam
necessários, com efeito, muita coragem, muita convicção de que cumpriria assim
um dever, muito amor materno, ou uma obsessão além de desequilíbrio emocional,
para que semelhante promessa fosse realizada.
Afirmaram
pela cidade que o vigário local, sabedor do estranho voto de sua penitente,
aconselhou-a, prudentemente, e com veemência, esclarecendo-a que Deus não
aceitaria tal promessa, que voto seria antes uma blasfêmia, revolta contra os céus;
que o suicídio é um crime imperdoável, e ela perderia a própria alma se a
cumprisse. E que ela orasse pedindo
perdão por tal blasfêmia e se retratasse perante a bondade do Criador,
retirando a promessa e entregando a sorte do filho à misericórdia do Todo
Poderoso, como faziam as outras mães, pois não era a única que via o filho
partir para a guerra em defesa de uma causa justa.
A
pobre mãe não compreendia assim. Prometera a própria vida em troca da vida e da
saúde do filho e cumpriria a palavra, se ele retornasse são e salvo da Itália.
Sentir-se-ia desonrada diante de Deus se furtasse ao cumprimento prometido.
Mas
a guerra terminara com a vitória dos aliados, entre os quais se achavam os
contingentes brasileiros. Os batalhões das forças do Brasil retornaram à Pátria
e, com eles, são e salvo, sem nenhum arranhão, o filho da pobre senhora, tal
como era o desejara.
Veio
a enchente do rio, na época apropriada. Aconselhada pelo seu confessor, e pelos
amigos, a deter-se, ela rondou, rondou o rio pela ponte vários dias, mas não
conseguiu a devida coragem para precipitar-se à terrível caudal. Entretanto já
não era a mesma pessoa. Permanecia arredia de todos, triste, estranha,
silenciosa, dizendo-se apenas a alguns amigos, perjura e covarde perante Deus.
No
ano seguinte, porém, não mais vacilou. Quando a enchente encontrou-se no seu
mais violento período a pobre mulher atirou-se ao rio, do meio da ponte, e foi
arrastada pelo turbilhão, entre as sucuris e os troncos de árvores. Ninguém tentou
salvá-la. Para que? Não
seria possível salvação ali. Como classificar esse suicídio?
Auto obsessão? Obsessão real? Enfermidade nervosa? Revolta contra Deus e a
Vida? Ignorância das
leis de Deus? Amor materno
elevado ao fanatismo?
Desequilíbrio mental pelo horror à guerra?
Falta de fé em Deus e de resignação pois, na nossa constante observação em
torno de obsessões e suicídios não encontramos outro igual. É certo, todavia,
que as intenções pesam muitíssimo para as leis divinas, embora não cheguem a
tudo justificar.
O suicídio de
qualquer forma, é um conjunto de desequilíbrios quase inexplicáveis, e só Deus
sabe quantos e quantos, por aí, se verificam sem explicações, pelo simples
tédio da vida sem Deus, e com a loucura, daí consequente. Compreendamos, então,
que a nós, espiritistas, que temos a grande responsabilidade de conhecermos
estas coisas, cabe o dever de transmitir aos simples e pequeninos, que Jesus
recomendou com a maior objetividade e veemência, os tesouros espirituais que o
Consolador encerra. Porque os homens precisam conhecê-los, a fim de aprenderem
o equilíbrio necessário para bem viver e saber morrer em paz.
Os códigos
espíritas, inspirados pelo amor do Cristo, aí estão, esperando nossas consultas
cotidianas para aprender a falar, em espírito e verdade, a esses pobres e
pequeninos que da vida só conhecem, com efeito, as provações e sofrimentos,
como aquela pobre filha de Deus que se atirou às águas do Rio São Francisco,
num dia de enchente, em agradecimento aos Céus pelo fato de o filho querido ter
voltado são e salvo de uma guerra”.