segunda-feira, 25 de novembro de 2013

As Aristocracias - Extrato de Obras Póstumas - Allan Kardec

Todas as aristocracias tiveram sua razão de ser; nasceram do estado da Humanidade; assim há de acontecer com o que se tornará uma necessidade. Todas preencheram ou preencherão seu tempo, conforme os países, porque nenhuma teve por base o princípio moral; só este princípio pode constituir uma supremacia durável, porque terá a animá-la sentimentos de justiça e caridade. A essa aristocracia chamaremos: aristocracia intelecto-moral.

Mas, semelhante estado de coisas será possível com o egoísmo, o orgulho, a cupidez que reinam soberanos na Terra? Responderemos terminantemente: sim, não só é possível, como se implantará, por ser inevitável.

Já hoje a inteligência domina; é soberana, ninguém o pode contestar. É tão verdade isto, que já se vê o homem do povo chegar aos cargos de primeira ordem. Essa aristocracia não será mais justa, mais lógica, mais racional, do que a da força bruta, do nascimento, ou do dinheiro? Por que, então, seria impossível que se lhe juntasse a moralidade?
— Porque, dizem os pessimistas, o mal domina sobre a Terra.
— Quem ousará dizer que o bem nunca o sobrepujará?

Os costumes e, por conseguinte, as instituições sociais, não valem cem vezes mais hoje do que na Idade Média? Cada século não se assinala por um progresso? Por que, então, a Humanidade pararia, quando ainda tem tanto que fazer?
Por instinto natural, os homens procuram o seu bem-estar; se não o acharem completo no reino da inteligência, procurá-lo-ão algures, e onde poderão encontrá-lo, senão no reino da moralidade? Para isso, torna-se preciso que a moralidade sobrepuje numericamente. Não há contestar que muitíssimo se tem que fazer; mas, ainda uma vez, fora tola pretensão dizer-se que a Humanidade chegou ao apogeu, quando é vista a avançar continuamente pela senda do progresso.

Digamos, antes de tudo, que os bons, na Terra, não são absolutamente tão raros como se julga; os maus são numerosos, é infelizmente verdade; o que, porém, faz pareçam eles ainda mais numerosos é que têm mais audácia e sentem que essa audácia lhes é indispensável ao bom êxito.
De tal modo, entretanto, compreendem a preponderância do bem, que, não podendo praticá-lo, com ele se mascaram.

Os bons, ao contrário, não fazem alarde das suas boas qualidades; não se põem em evidência, donde o parecerem tão pouco numerosos. Pesquisai, no entanto, os atos íntimos praticados sem ostentação e, em todas as camadas sociais, deparareis com criaturas de natureza boa e leal em número bastante a vos tranquilizar o coração, de maneira a não desesperardes da Humanidade.

Depois, cumpre também dizê-lo, entre os maus, muitos há que apenas o são por arrastamento e que se tornariam bons, desde que submetidos a uma influência boa. Admitamos que, em 100 indivíduos, haja 25 bons e 75 maus; destes últimos, 50 se contam que o são por fraqueza e que seriam bons, se observassem bons exemplos e, sobretudo, se tivessem sido bem encaminhados desde a infância; dos 25 maus, nem todos serão incorrigíveis.

No estado atual das coisas, os maus estão em maioria e ditam a lei aos bons. Suponhamos que uma circunstância qualquer opere a conversão de 50 por cento deles: os bons ficarão em maioria e a seu turno ditarão a lei; dos 25 outros, francamente maus, muitos sofrerão a influência daqueles, restando apenas alguns incorrigíveis sem preponderância.

Tomemos um exemplo, para ilustrar o que acabamos de dizer: Há povos no seio dos quais o assassínio e o roubo são a normalidade, constituindo exceção o bem. Nos povos mais adiantados e mais bem governados da Europa, o crime é a exceção; acuado pelas leis, ele nenhuma influência exerce sobre a sociedade. O que nesses povos ainda predomina são os vícios de caráter: o orgulho, o egoísmo, a cupidez com seus cortejos.
Por que, progredindo esses povos, os vícios não se tornariam a exceção, como o são hoje os crimes, ao passo que os povos inferiores galgariam o nosso nível? Negar a possibilidade dessa marcha ascendente fora negar o progresso.
Certamente, chegar a tal estado de coisas não pode ser obra de um dia, mas, se há uma causa capaz de apressar-lhe o advento, essa causa é, sem nenhuma dúvida, o Espiritismo. Fator, por excelência, da fraternidade humana, por mostrar que as provas da vida atual são a consequência lógica e racional dos atos praticados nas existências anteriores, por fazer de cada homem o artífice voluntário da sua própria felicidade, a vulgarização universal do Espiritismo dará em resultado, necessariamente, uma elevação sensível do nível moral da atualidade.
Apenas elaborados e coordenados, já os princípios gerais da nossa filosofia hão congregado, em imponente comunhão de idéias, milhões de adeptos espalhados por toda a Terra.

Os progressos realizados pela sua influência, as transformações individuais e locais que eles têm provocado em menos de quinze anos, permitem apreciemos as modificações imensas e radicais que operarão no futuro.
Mas, se, graças ao desenvolvimento e à aceitação geral dos ensinos dos Espíritos, o nível moral da Humanidade tende constantemente a elevar-se, singularmente se iludiria quem supusesse que a moralidade preponderará sobre a inteligência. O Espiritismo, com efeito, não quer que o aceitem cegamente; reclama a discussão e a luz.

“Em vez da fé cega, que aniquila a liberdade de pensar, diz ele: Não há fé inabalável, senão a que possa encarar face a face a razão, em todas as épocas da Humanidade.
A fé necessita de base e esta base consiste na inteligência perfeita daquilo em que se haja de crer. Para crer, não basta ver, é, sobretudo, preciso compreender.”(O Evangelho segundo o Espiritismo.) Com bom direito, pois, podemos considerar o Espiritismo como um dos mais fortes precursores da aristocracia do futuro, isto é, da aristocracia intelecto-moral.