Observação
– Como complemento deste artigo, publicamos uma instrução que sobre o mesmo
assunto Allan Kardec deu, logo que voltou ao mundo dos Espíritos. Parece-nos
interessante, para os nossos leitores, juntar às páginas eloquentes e viris que
se acabam de ler a opinião atual do organizador por excelência da nossa
filosofia.
(Paris,
novembro de 1869) – Revista Espírita

A benevolência,
a boa vontade, o devotamento absoluto de uns; a má-fé, a hipocrisia, as
maldosas manobras de outros, tudo concorre para garantir a estabilidade do
edifício que se eleva.
Nas mãos das potestades superiores, que
presidem a todos os progressos, as resistências inconscientes ou simuladas, os
ataques visando semear o descrédito e o ridículo, se tornam elementos de
elaboração.
Que não têm feito! Que é o que
não têm posto em ação para asfixiar no berço a criança!
A princípio o charlatanismo e
a superstição quiseram, ora um, ora outra, apoderar-se dos nossos princípios, a
fim de os explorarem em proveito próprio; todos os raios da imprensa se
projetaram contra nós; chasquearam das coisas mais respeitáveis; atribuíram aos
Espíritos do mal os ensinos dos Espíritos mais dignos da admiração e da veneração
universais; entretanto, todos esses esforços conjugados mais não conseguiram,
senão proclamar a impotência dos nossos adversários.
É dentro dessa luta incessante
contra os preconceitos firmados, contra erros acreditados, que se aprende a
conhecer os homens. Eu sabia, ao consagrar-me à obra de minha predileção, que
me expunha ao ódio, à inveja e ao ciúme dos outros. O caminho se achava inçado
de dificuldades que de contínuo se renovavam.
Nada podendo contra a doutrina,
atiravam-se ao homem; mas, por esse lado, eu me sentia forte, porque renunciara
à minha personalidade. Que me importavam os esforços da calúnia; a minha
consciência e a grandeza do objetivo me faziam esquecer de boa vontade as urzes
e os espinhos da estrada. Os testemunhos de simpatia e de estima, que recebi
dos que me souberam apreciar, constituíram a mais estimável recompensa que eu
jamais ambicionara.
Mas, ah! Quantas vezes teria sucumbido ao peso da minha
tarefa, se a afeição e o reconhecimento de muitos não me houvessem feito olvidar
a ingratidão e a injustiça de alguns, porquanto, se os ataques contra mim
dirigidos sempre me encontraram insensível, penosamente magoado me sentia, devo
dizê-lo, todas as vezes que descobria falsos amigos entre aqueles com quem mais
contava.
Se é justo censurar os que hão
tentado explorar o Espiritismo ou desnaturá-lo em seus escritos, sem o terem
previamente estudado, quão mais culpados não são os que, depois de lhe haverem
assimilado todos os princípios, não contentes de se lhe apartarem do seio,
contra ele voltaram todos os seus esforços!
É, sobretudo, para os desertores dessa
categoria que devemos implorar a misericórdia divina, pois que apagaram
voluntariamente o facho que os iluminava e com o qual podiam esclarecer os
outros.
Eles, por isso, logo perdem a proteção dos Espíritos
bons e, conforme a triste experiência que temos feito, bem depressa chegam, de
queda em queda, às mais críticas situações!
Desde
que voltei para o mundo dos Espíritos, tornei a ver alguns desses infelizes!
Arrependem-se agora; lamentam a inação em que ficaram e a má vontade de que
deram prova, sem lograrem, todavia, recuperar o tempo perdido!... Tornarão em
breve à Terra, com o firme propósito de concorrerem ativamente para o progresso
e se verão ainda em luta com as tendências antigas, até que triunfem
definitivamente.
Fora de crer que os
espíritas de hoje, esclarecidos por esses exemplos, evitariam cair nos mesmos
erros. Assim, porém, não é. Ainda por longo tempo haverá irmãos falsos e amigos
desassisados; mas, tal como seus irmãos mais velhos, não conseguirão que o
Espiritismo saia da sua diretriz.
Embora causem algumas
perturbações momentâneas e puramente locais, nem por isso a doutrina
periclitará.
Ao contrário, os espíritas transviados bem depressa reconhecerão o
erro em que incidiram e virão colaborar com maior ardor na obra por um instante
abandonada e, atuando de acordo com os Espíritos superiores que dirigem as
transformações humanitárias, caminharão a passo rápido para os ditosos tempos
prometidos à Humanidade regenerada.
Allan Kardec