domingo, 26 de junho de 2011

Estudo sobre a Mediunidade - parte 2

3. O desenvolvimento da mediunidade


Uma primeira observação a ser feita é que se a presença da faculdade mediúnica em uma pessoa independe de sua condição moral, intelectual e de crença, ninguém poderá tornar-se médium tão-somente pelo fato de moralizar-se, ou de estudar, ou de aderir às convicções espíritas. É evidente que essas atitudes serão de imenso proveito para a criatura, pois a colocarão em condições de compreender e utilizar bem a faculdade mediúnica que porventura possua.


É significativo, a esse respeito, que Kardec tenha alertado já no terceiro parágrafo da Introdução de O Livro dos Médiuns que muito se enganaria aquele que "supusesse encontrar nesta obra uma receita universal e infalível para formar médiuns." Lança mão, a seguir, de uma comparação muito clara e objetiva, que esclarece o assunto à saciedade (os destaques são nossos):


Se bem que cada um traga em si o gérmen das qualidades necessárias para se tornar médium, tais qualidades existem em graus muito diferentes e o seu desenvolvimento depende de causas que a ninguém é dado conseguir se verifiquem à vontade. As regras da poesia, da pintura e da música não fazem que se tornem poetas, pintores, ou músicos os que não têm o gênio de algumas dessas artes. Apenas guiam os que as cultivam no emprego de suas faculdades naturais. O mesmo sucede com o nosso trabalho. Seu objetivo consiste em indicar os meios de desenvolvimento da faculdade mediúnica, tanto quanto o permitam as disposições de cada um, e, sobretudo, dirigir-lhe o emprego de modo útil, quando ela exista.


O caráter espontâneo da faculdade mediúnica é ainda destacado no parágrafo 208 de O Livro dos Médiuns (o destaque é nosso):


Se os rudimentos da faculdade [mediúnica] não existem, nada fará que apareçam [...].


No capítulo intitulado "Manifestações dos Espíritos" de Obras Póstumas (parágrafo 6, no 34) encontramos esta densa passagem (destaque nosso):


O desenvolvimento da faculdade mediúnica depende da natureza mais ou menos expansível do perispírito do médium e da maior ou menor facilidade da sua assimilação pelo dos Espíritos; depende, portanto, do organismo e pode ser desenvolvida quando exista o princípio; não pode, porém, ser adquirida quando o princípio não exista.


E no parágrafo 198 de O Livro dos Médiuns, que trata da diversidade das faculdades mediúnicas, lemos ainda:
Em erro grave incorre quem queira forçar a todo custo o desenvolvimento de uma faculdade que não possua. Deve a pessoa cultivar todas aquelas de que reconheça possuir o gérmen. Procurar à força ter as outras é, antes de tudo, perder tempo, e, em segundo lugar, perder talvez, enfraquecer com certeza, as de que seja dotado.


Encerrando esse parágrafo, Kardec transcreve comunicação mediúnica de Sócrates sobre o desenvolvimento da mediunidade, que contém grave advertência:


Quando existe o princípio, o gérmen de uma faculdade, esta se manifesta sempre por sinais inequívocos. Limitando-se à sua especialidade, pode o médium tornar-se excelente e obter grandes e belas coisas; ocupando-se de tudo, nada de bom obterá. Notai, de passagem, que o desejo de ampliar indefinidamente o âmbito de suas faculdades é uma pretensão orgulhosa, que os Espíritos nuncam deixam impune. Os bons abandonam o presunçoso, que se torna então joguete dos mentirosos. Infelizmente, não é raro verem-se médiuns que, não contentes com os dons que receberam, aspiram, por amor-próprio ou ambição, a possuir faculdades excepcionais, capazes de os tornarem notados. Essa pretensão lhes tira a qualidade mais preciosa: a de médiuns seguros.


Apenas como exemplo de opinião de um outro autor, corroborativa da de Allan Kardec, vejamos como Emmanuel responde à questão 384 de seu livro O Consolador, questão essa que versa especificamente sobre o tema que estamos focalizando:


Dever-se-á provocar o desenvolvimento da mediunidade?
A mediunidade não deve ser fruto de precipitação nesse ou naquele setor da atividade doutrinária, porquanto, em tal assunto, toda a espontaneidade é indispensável, considerando-se que as tarefas mediúnicas são dirigidas pelos mentores do plano espiritual.


Logo em seguida, em resposta à questão 386, o conceituado Espírito reitera:
Ninguém deverá forçar o desenvolvimento dessa ou daqula faculdade, porque, nesse terreno, toda a espontaneidade é necessária; observando-se contudo, a floração mediúnica espontânea, nas expressões mais simples, deve-se aceitar o evento com as melhores disposições de trabalho e boa-vontade [...].


Precisamos portanto estar vigilantes quanto à opinião, infelizmente tão comum no meio espírita, de que as pessoas que aparecem nas casas espíritas devem, cedo ou tarde, ser encaminhadas às chamadas "sessões de desenvolvimento mediúnico". São dois os motivos mais freqüentemente alegados para esse tipo de recomendação: 1) o empenho e dedicação com que alguém se interesse pelo Espiritismo, sugerindo, segundo julgam, que tem "todas as condições" para exercer a mediunidade; 2) os desequilíbrios variados de saúde ou de comportamento que apresente, notadamente quando venham desafiando a perícia dos médicos.


Ora, no primeiro caso dever-se-ia ponderar que as boas disposições da pessoa deverão ser aproveitadas antes de mais nada em seu aperfeiçoamento intelectual e moral, e, em se tratando de sua colaboração nas atividades do centro espírita, naquele setor ao qual mais se ajuste por sua formação profissional, seus interesses e disponibilidades, quais sejam a condução de estudos, a evangelização infanto-juvenil, a administração, a biblioteca, as visitas fraternas, a costura de enxovais, a faxina, a distribuição de alimentos, a acolhida aos novos freqüentadores etc., ou os trabalhos mediúnicos, se os sinais de mediunidade se apresentarem de forma espontânea.
No segundo caso, que é o mais freqüente, seria preciso compreender que o mero fato de alguém encontrar-se desequilibrado significa que não pode ser inserido no grupo mediúnico, sob o risco de comprometer o seu bom funcionamento. A mediunidade em si é uma faculdade neutra, que não tem qualquer conexão com os desajustes físicos, mentais e espirituais da criatura. Estes surgem por motivos específicos, e requerem o tratamento médico, psicológico ou espírita adequado ao caso. Somente após seu retorno à normalidade é que a pessoa poderá participar, como médium, dos trabalhos mediúnicos, se a faculdade surgir espontaneamente. O exercício da mediunidade não é recomendável na presença de determinadas enfermidades físicas, como por exemplo, nas doenças contagiosas, ou onde o equilíbrio orgânico esteja "por um fio" e a atividade mediúnica envolva situações que emocionem muito o médium. No caso dos desequilíbrios mentais e espirituais, o exercício mediúnico não pode nunca ser iniciado, ou continuado. Um médium nessas condições não poderá contribuir positivamente, além de gerar dificuldades para o grupo, facilitando mesmo a atuação de Espíritos interessados na instalação da desarmonia, dos melindres, das suspeitas, do enregelamento das relações entre os membros.


O desenvolvimento mediúnico a ser promovido nos centros espíritas não deve nunca ser entendido como o aprendizado de técnicas e métodos para fazer surgir a mediunidade, pois que não os há nem pode haver, mas exclusivamente como o aprimoramento e direcionamento útil e equilibrado das faculdades surgidas de forma natural, o que pressupõe o aperfeiçoamento integral do médium, por meio do estudo sério e de seus esforços incessantes para amoldar suas ações às diretrizes evangélicas.


Ressaltemos, outrossim, que os núcleos espíritas não deverão iniciar qualquer trabalho mediúco, quer de desenvolvimento (no sentido correto do termo), quer, menos ainda, de assistência aos Espíritos enfermos, se não estiverem seguros de que dispõem de colaboradores suficientemente preparados, por seus conhecimentos doutrinários, por seu equilíbrio psicológico e por sua conduta cristã, que disponham de tempo para encetar com regularidade tão delicada tarefa.


Resumindo o que foi visto nesta seção:
A mediunidade é uma faculdade natural, que surge espontaneamente.
Não se deve procurar desenvolvê-la enquanto não aflorar por si só.
O desenvolvimento da mediunidade deve ser entendido unicamente como a sua educação, o seu aprimoramento, a sua disciplina, o seu direcionamento útil para o bem.


A mediunidade não é a causa primária dos desequilíbrios orgânicos e psicológicos.


O exercício da mediunidade não deve ser colocado como a culminação obrigatória das atividades do cooperador da casa espírita.

sábado, 25 de junho de 2011

Estudo sobre a Mediunidade - parte 1

Estudo sobre a mediunidade - Silvio e Clarice Seno Chibeni – Reformador agosto de 1987


1. Introdução
A mediunidade desempenha papel essencial no estabelecimento da base experimental da ciência espírita e nas atividades dos centros espíritas. Seu estudo sistemático e contínuo possibilita a correta compreensão tanto de sua natureza como de suas finalidades, habilitando-nos a dela obter seguros e produtivos resultados, com vistas ao nosso aperfeiçoamento intelectual e moral.
Esse estudo deve necessariamente estar centralizado no mais completo e profundo tratado que já se escreveu sobre a mediunidade: O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec. Os presentes apontamentos devem ser tidos unicamente como uma exposição incompleta de alguns tópicos importantes, destinada a facilitar posteriores contatos com essa obra fundamental e a vasta literatura subsidiária surgida desde sua publicação, em 1861.


No Vocabulário Espírita que forma o capítulo 32 desse livro Kardec dá como sinônimos os termos mediunidade e medianimidade, definindo-os com "a faculdade dos médiuns". Quanto à palavra médium, Kardec explicita o seu significado em várias passagens de suas obras, como por exemplo nesse mesmo Vocabulário, onde se encontra esta definição sucinta:
MÉDIUM. (do latim, medium, meio, intermediário). Pessoa que pode servir de intermediário entre os Espíritos e os homens.


Ao analisar os conceitos de médium e de mediunidade, faz notar que a palavra médium comporta duas acepções distintas, expressas com clareza neste trecho da Revue Spirite:


Acepção ampla:
Qualquer pessoa apta a receber ou a transmitir comunicações dos Espíritos é, por isso mesmo, médium, quaisquer que sejam o modo empregado e o grau de desenvolvimento da faculdade, desde a simples influência oculta até à produção dos mais insólitos fenômenos.


Acepção restrita:
Em seu uso ordinário, todavia, esse termo tem uma aplicação mais restrita, aplicando-se às pessoas dotadas de um poder mediador suficientemente grande, seja para a produção de efeitos físicos, seja para transmitir o pensamento dos Espíritos pela escrita ou pela palavra.


Quando analisamos um texto ou um discurso onde o termo médium aparece, é importante reconhecer em qual desses sentidos está sendo empregado, a fim de se evitarem mal-entendidos e discussões sem fundamento. Assim, por exemplo, a afirmação feita no parágrafo 159 de O Livro dos Médiuns de que "todos [os homens] são quase médiuns" deverá ser entendida apenas na acepção ampla do termo, pois sabemos, pela questão 459 de O Livro dos Espíritos, que todos somos passíveis de receber a influência dos Espíritos, ainda que sob a forma sutil de intuição. Incorreremos em grave equívoco se concluirmos daí que todos somos mais ou menos médiuns no sentido restrito e usual da palavra, ou seja, se julgarmos que todos podemos produzir manifestações ostensivas, tais como a psicofonia, a psicografia, os efeitos físicos etc.


2. A natureza da mediunidade
Limitando-nos daqui para frente à acepção restrita do termo 'médium', que é a mais usual e relevante, estaremos, no que se vai seguir, entendendo a mediunidade como a aptidão especial que certas pessoas possuem para servir de meio de comunicação entre os Espíritos e os homens.
A questão que naturalmente surge neste ponto é a de se determinar qual é a natureza da faculdade mediúnica: quais as suas causas, por que surge somente em determinadas pessoas e em modalidades e graus diversos, se é passível de desenvolvimento forçado mediante alguma técnica etc.


Um aspecto central relativo à natureza da mediunidade acha-se exposto na resposta à questão que Kardec endereçou aos Espíritos no parágrafo 226 de O Livro dos Médiuns:


O desenvolvimento da mediunidade guarda proporção com o desenvolvimento moral dos médiuns?
"Não; a faculdade propriamente dita prende-se ao organismo; independe do moral. O mesmo, porém, não se dá com o seu uso, que pode ser bom ou mau, conforme as qualidades do médium."
Como observamos pela resposta dos Espíritos, a capacidade de servir de "ponte" entre o mundo espiritual e o mundo material está ligada a fatores de ordem orgânica. Esse ponto encontra-se exarado em vários lugares das obras de Kardec e de outros autores espíritas abalizados, passando, no entanto, despercebido à maioria das pessoas, mesmo espíritas.


Já em 1859 Kardec afirmava, em seu livro Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas que "essa faculdade depende de uma disposição orgânica especial, suscetível de desenvolvimento." Em O Livro dos Médiuns as referências nesse sentido são numerosas. No parágrafo 94, por exemplo, que trata das manifestações físicas espontâneas, os Espíritos informam que a aptidão de ser médium de efeitos físicos "se acha ligada a uma disposição física." Bem mais adiante, ao estudar a formação dos médiuns (§ 209), Kardec retorna ao assunto:


Têm-se visto pessoas inteiramentre incrédulas ficarem espantadas de escrever [mediunicamente] a seu mau grado, enquanto que crentes sinceros não o conseguem, o que prova que esta faculdade se prende a uma disposição orgânica.


Notemos que nesta última passagem há referência a mais um princípio importante: a mediunidade não depende das convicções filosóficas ou das crenças religiosas do médium.
Por fim, em resposta à questão 19 do parágrafo 223 desse mesmo livro os Espíritos esclarecem que "a mediunidade propriamente dita independe da inteligência bem como das qualidades morais" do médium. Portanto a mediunidade independe também do desenvolvimento intelectual do médium.


Resumindo o que vimos até aqui:
A mediunidade é a faculdade especial que certas pessoas possuem para servir de intermediárias entre os Espíritos e os homens. Ela tem origem orgânica, e independe:
=> da condição moral do médium;
=> de suas crenças;
=> de seu desenvolvimento intelectual.


No parágrafo 200 de O Livro dos Médiuns, Allan Kardec deixa claro que "não há senão um único meio de constatar [a existência da faculdade mediúnica em alguém]: a experimentação." Ou seja, só poderemos saber que uma pessoa é médium observando que efetivamente é capaz de servir de intermediário aos Espíritos desencarnados.


Isso naturalmente remete à importante questão do desenvolvimento da mediunidade. Por sua importância e pelas confusões e equívocos a que se tem prestado, merece ser abordada numa seção especial.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Transição Planetária ou um ciclo evolutivo normal


A Terra vive um período de grandes dificuldades, agravadas por inúmeros problemas sociais, todos conhecidos graças ao poder da mídia. Problemas que têm gerado grandes aflições coletivas. Aí estão presentes no dia-a-dia do cidadão do planeta a violência, a miséria, o desemprego e pior, a indiferença, o desamor, ao lado de um tantas criaturas que lutam pelo bem, que se esforçam pelo aprimoramento individual e coletivo, boa parcela da população se perde ainda nos excessos, na incompreensão, na intolerância, fechando-se no egoísmo que tantos males tem gerado.


Analisado de forma racional, observa que a Terra passa por uma fase que precisa ser melhor analisada, sem “sensacionalismo” como exemplo Transição Planetária! Isso é novidade?
Kardec no decorrer dos estudos na edificação da obra espírita, nunca criou fatos ou situações alarmantes sobre o assunto. Há de se discutir o assunto, porém, coerentemente, sem exageros, como ocorre em outros ramos religiosos que apregoam o fim do mundo...


Daí a necessidade de divulgar na íntegra a última questão de O Livro dos Espíritos, estudo esse que poderão ser associados a outras obras de Kardec sobre o assunto, ampliando ainda mais nos detalhes tão necessários para o fortalecimento do Conhecimento Espírita em nós mesmos.


Vejamos então a temática:


 O reino do bem poderá um dia realizar-se na Terra?
– O bem reinará na Terra quando, entre os Espíritos que vêm habitá-la, os bons predominarem sobre os maus; então eles farão reinar na Terra o amor e a justiça, que são a fonte do bem e da felicidade. Pelo progresso moral e praticando as leis de Deus é que o homem atrairá para a Terra os bons Espíritos e afastará os maus; mas os maus só a deixarão quando o homem tiver expulsado de si o orgulho e o egoísmo.
A transformação da humanidade foi anunciada e é chegado o tempo em que todos os homens amantes do progresso se apresentam e se apressam, porque essa transformação se fará pela encarnação dos Espíritos melhores, que formarão sobre a Terra uma nova ordem. Então, os Espíritos maus, que a morte vai retirando a cada dia, e aqueles que tentam deter a marcha das coisas serão excluídos da Terra porque estariam deslocados entre os homens de bem dos quais perturbariam a felicidade.
Eles irão para mundos novos, menos avançados, desempenhar missões punitivas para seu próprio adiantamento e de seus irmãos ainda mais atrasados. Nessa exclusão de Espíritos da Terra transformada não percebeis a sublime figura do paraíso perdido? E a chegada à Terra do homem em semelhantes condições, trazendo em si o gérmen de suas paixões e os traços de sua inferioridade primitiva, a figura não menos sublime do pecado original? O pecado original, sob esse ponto de vista, se refere à natureza ainda imperfeita do homem, que é, assim, responsável por si mesmo e por suas próprias faltas e não pelas faltas de seus pais. Todos vós, homens de fé e boa vontade, trabalhai com zelo e coragem na grande obra da regeneração, porque recolhereis cem vezes mais o grão que tiverdes semeado. Infelizes aqueles que fecham os olhos à luz. Preparam para si longos séculos de trevas e decepções; infelizes os que colocam todas as suas alegrias nos bens deste mundo, porque sofrerão mais privações do que os prazeres de que desfrutaram; infelizes, principalmente, os egoístas, porque não encontrarão ninguém para ajudá-los a carregar o fardo de suas misérias.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A Missão de Kardec


12 de junho de 1856
(Em casa do Sr. C...; médium: Srta. Aline C...)

MINHA MISSÃO – Kardec

Pergunta (à Verdade) — Bom Espírito, eu desejara saber o que pensas da missão que alguns Espíritos me assinaram. Dize-me, peço-te, se é uma prova para o meu amor-próprio. Tenho, como sabes, o maior desejo de contribuir para a propagação da verdade, mas, do papel de simples trabalhador ao de missionário em chefe, a distância é grande e não percebo o que possa justificar em mim graça tal, de preferência a tantos outros que possuem talento e qualidades de que não disponho.

Resposta — Confirmo o que te foi dito, mas recomendo--te muita discrição, se quiseres sair-te bem. Tomarás mais tarde conhecimento de coisas que te explicarão o que ora te surpreende. Não esqueças que podes triunfar, como podes falir. Neste último caso, outro te substituiria, porquanto os desígnios de Deus não assentam na cabeça de um homem.
Nunca, pois, fales da tua missão; seria a maneira de a fazeres malograr-se. Ela somente pode justificar-se pela obra realizada e tu ainda nada fizeste. Se a cumprires, os homens saberão reconhecê-lo, cedo ou tarde, visto que pelos frutos é que se verifica a qualidade da árvore.

P. — Nenhum desejo tenho certamente de me vangloriar de uma missão na qual dificilmente creio. Se estou destinado a servir de instrumento aos desígnios da Providência, que ela disponha de mim. Nesse caso, reclamo a tua assistência e a dos bons Espíritos, no sentido de me ajudarem e ampararem na minha tarefa.

R. — A nossa assistência não te faltará, mas será inútil se, de teu lado, não fizeres o que for necessário. Tens o teu livre-arbítrio, do qual podes usar como o entenderes. Nenhum homem é constrangido a fazer coisa alguma.

P. — Que causas poderiam determinar o meu malogro? Seria a insuficiência das minhas capacidades?

R. — Não; mas, a missão dos reformadores é prenhe de escolhos e perigos. Previno-te de que é rude a tua, porquanto se trata de abalar e transformar o mundo inteiro. Não suponhas que te baste publicar um livro, dois livros, dez livros, para em seguida ficares tranqüilamente em casa.
Tens que expor a tua pessoa. Suscitarás contra ti ódios terríveis; inimigos encarniçados se conjurarão para tua perda; ver-te-ás a braços com a malevolência, com a calúnia, com a traição mesma dos que te parecerão os mais dedicados; as tuas melhores instruções serão desprezadas e falseadas; por mais de uma vez sucumbirás sob o peso da fadiga; numa palavra: terás de sustentar uma luta quase contínua, com sacrifício de teu repouso, da tua tranqüilidade, da tua saúde e até da tua vida, pois, sem isso, viverias muito mais tempo. Ora bem! não poucos recuam quando, em vez de uma estrada florida, só vêem sob os passos urzes, pedras agudas e serpentes. Para tais missões, não basta a inteligência. Faz-se mister, primeiramente, para agradar a Deus, humildade, modéstia e desinteresse, visto que Ele abate os orgulhosos, os presunçosos e os ambiciosos.
Para lutar contra os homens, são indispensáveis coragem, perseverança e inabalável firmeza. Também são de necessidade prudência e tato, a fim de conduzir as coisas de modo conveniente e não lhes comprometer o êxito com palavras ou medidas intempestivas. Exigem-se, por fim, devotamento, abnegação e disposição a todos os sacrifícios.
Vês, assim, que a tua missão está subordinada a condições que dependem de ti.