terça-feira, 16 de setembro de 2014

Cismas: O Espiritismo deles estaria preservado? RE de Allan Kardec, dez/1868.

Dos Cismas.

Uma questão que se apresenta ao pensamento desde o início é a dos cismas que poderão nascer no seio da Doutrina; o Espiritismo deles estaria preservado?

Não, seguramente, porque haverá, sobretudo no começo, que lutar contra as ideia e pessoais, sempre absolutas, tenazes, lentas em se unir às ideias de outrem, e contra a ambição daqueles que querem ligar, quando mesmo, seu nome a uma inovação qualquer; que criam as novidades unicamente para poder dizer que não pensam e não fazem como os outros; ou porque seu amor-próprio sofre por não ocupar senão um lugar secundário; ou, enfim, que vêem com despeito um outro fazer o que não fizeram, e, além disto, triunfar. Mas como dissemos cem vezes: "Quem é que vos barra o caminho? Quem vos impede de trabalhar de vosso lado? Quem vos proíbe revelar as vossas obras? A publicidade vos está aberta como a todo o mundo; daí alguma coisa de melhor do que é, a isto ninguém se opõe; sede melhores apreciados pelo público, ele vos dará a preferência."

Se o Espiritismo não pode escapar às fraquezas humanas, com as quais é preciso contar, ele pode paralisar-lhe as consequências, e é o essencial.
Há que se notar que os numerosos sistemas divergentes, eclodidos na origem do Espiritismo, sobre a maneira de explicar os fatos, desapareceram à medida que a Doutrina se completou pela observação e uma teoria racional; é mal, hoje, se esses primeiros sistemas encontrem ainda alguns raros partidários. Está aí um fato notório de onde se pode concluir que as últimas divergências se apagarão com a completa elucidação de todas as partes da Doutrina; mas haverá sempre os dissidentes de partido tomado, interessados, por uma causa ou por uma outra, em manterem-se afastados: é contra a sua pretensão que é preciso premunir-se.

Para assegurar a unidade no futuro, uma condição é indispensável, é que todas as partes do conjunto da Doutrina sejam determinadas com precisão e clareza, sem nada deixar no vago; por isto fizemos de sorte que nossos escritos não pudessem dar lugar a nenhuma interpretação contraditória, e trataremos que isto seja sempre assim. Quando for dito decididamente e sem ambiguidade que dois e dois são quatro, ninguém poderá pretender que se quis dizer que dois e dois são cinco. Poderão, pois, se formar ao lado da Doutrina seitas que não lhe adotarão os princípios, ou todos os princípios, mas não na Doutrina pela interpretação do texto, como delas se formaram tão numerosas sobre o sentido das próprias palavras do Evangelho. Aí está um primeiro ponto de uma capital importância.

O segundo ponto é de não sair do círculo das ideias práticas. Se é verdade que a utopia da véspera, frequentemente, seja a verdade do dia seguinte, deixemos ao dia seguinte o cuidado de realizar a utopia da véspera, mas não embaracemos a Doutrina de princípios que seriam considerados como quimeras e a fariam ser rejeitada pelos homens positivos.

O terceiro ponto, enfim, é inerente ao caráter essencialmente progressivo da Doutrina. Do fato de que ela não se embala de sonhos irrealizáveis para o presente, não se segue que ela se imobilize no presente. Exclusivamente apoiada sobre as leis da Natureza, ela não pode mais variar do que essas leis, mas se uma nova lei se descobrir, a ela deverá se unir; ela não deve fechar a porta a nenhum progresso, sob pena de se suicidar; assimilando todas as ideias reconhecidas justas, de qualquer ordem que sejam, físicas ou metafísicas, ela não será jamais ultrapassada, e aí está uma das principais garantias de sua perpetuidade.
Se, pois, uma seita se forma a seu lado, fundada ou não sobre os princípios do Espiritismo, acontecerá de duas coisas uma: ou essa seita estará na verdade, ou ela não o estará; mas se ela não estiver, cairá por si mesma sob o ascendente da razão e do senso comum, como já tantas outras caíram há séculos; se suas ideias são justas, não fosse senão sob um ponto, a Doutrina, que procura o bem e o verdadeiro por toda a parte onde se encontrem, se as assimila, de sorte que em lugar de ser absorvida, ela é que absorve.

Se alguns de seus membros vierem a dela se separar, será por crerem fazer melhor; se fazem realmente melhor, ela os imitará; se fazem mais bem, ela se esforçará para fazê-lo outro tanto, e mais se isto se puder; se fazem o mal, ela os deixará fazer, certa de que, cedo ou tarde, o bem se impõe sobre o mal, e o verdadeiro sobre o falso. Eis a única luta que ela iniciará.

Acrescentemos que a tolerância, consequência da caridade, que é a base da moral espírita, lhe faz um dever respeitar todas as crenças. Querendo ser aceita livremente, por convicção e não por constrangimento, proclamando a liberdade de consciência como um direito natural imprescritível, diz ela: Se tenho razão, os outros acabarão por pensar como eu, se estou errada, acabarei por pensar como os outros. Em virtude desses princípios, não lançando a pedra em ninguém, ela não dará nenhum pretexto a represálias, e deixará aos dissidentes toda a responsabilidade de suas palavras e de seus atos.

O programa da Doutrina não será, pois, invariável senão sobre os princípios passados ao estado de verdades constatadas; para os outros, ela não os admitirá, como sempre o fez, senão a título de hipóteses até a confirmação. Se lhe for demonstrado que ela está no erro sobre um ponto, ela se modificará sobre esse ponto.
A verdade absoluta é eterna, e, por isto mesmo, invariável; mas quem pode se gabar de possuí-la inteiramente? No estado de imperfeição de nossos conhecimentos, o que nos parece falso hoje, pode ser reconhecido verdadeiro amanhã, em consequência da descoberta de novas leis; assim é na ordem moral como na ordem física. É contra essa eventualidade que a Doutrina jamais deve se encontrar de surpresa. O princípio progressivo, que ela inscreve em seu código, será, como dissemos, a salvaguarda de sua perpetuidade, e sua unidade será mantida precisamente porque ela não repousa sobre o princípio da imobilidade. A imobilidade, em lugar de ser uma força, torna-se uma causa de fraqueza e de ruína para quem não segue um movimento geral; ela rompe a unidade, porque aqueles que querem ir adiante se separam daqueles que se obstinam em permanecer atrás. Mas, tudo em seguindo o movimento progressivo, é preciso fazê-lo com prudência e se guardar de se envergonhar nos sonhos das utopias e dos sistemas. É preciso fazê-lo a tempo, nem muito cedo nem muito tarde, e com conhecimento de causa.

Compreende-se que uma Doutrina assentada sobre tais bases deve ser realmente forte; ela desafia toda concorrência e neutraliza as pretensões de seus competidores. É para este ponto que os nossos esforços tendem a conduzir a Doutrina Espírita. A experiência, aliás, já justificou esta previsão. Tendo a Doutrina marchado neste caminho desde a sua origem, ela constantemente avançou, mas sem precipitação, olhando sempre se o terreno onde ela coloca o pé é sólido, em medindo seus passos sobre o estado da opinião. Ela fez como o navegador que não caminha senão com a sonda na mão e consultando os ventos.

Foto: Encontro de Trabalhadores promovido pelo Polo 2 no Centro Espírita Treze Irmãos, João Pessoa, PB

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

O Centro Espírita - Herculano Pires

Se os espíritas soubessem o que é o Centro Espírita, quais são realmente a sua função e a sua significação, o Espiritismo seria hoje o mais importante movimento cultural e espiritual da Terra. Temos no Brasil – e isso é um consenso universal – o maior, mais ativo e produtivo movimento espírita do planeta. A expansão do Espiritismo em nossa terra é incessante e prossegue em ritmo acelerado. Mas o que fazemos, em todo este vasto continente espírita, é um imenso esforço de igrejificar o Espiritismo, de emparelhá-lo com as religiões decadentes e ultrapassadas, formando por toda parte núcleos místicos e, portanto, fanáticos, desligados da realidade imediata.

Dizia o Dr. Souza Ribeiro, de Campinas, nos últimos tempos de sua vida de lutas espíritas: “Não compareço a reuniões de espíritas rezadores!” E tinha razão, porque nessas reuniões ele só encontrava turba dos pedintes, suplicando ao Céu ajuda.

Ninguém estava ali para aprender a Doutrina, para romper a malha de teia de aranha do igrejismo piedoso e choramingas. A domesticação católica e protestante criara em nossa gente uma mentalidade de rebanho. O Centro Espírita tornou-se uma espécie de sacristia leiga em que padres e madres ignorantes indicavam aos pedintes o caminho do Céu. A caridade esmoler, fácil e barata, substituiu as gordas e faustosas doações à Igreja. Deus barateara a entrada do Céu, e até mesmo os intelectuais que se aproximam do Espiritismo e que têm o senso crítico, se transformam em penitentes. Associações espíritas, promissoramente organizadas, logo se transformam em grupos de rezadores pedinchões. O carimbo da igreja marcou fundo a nossa mentalidade em penúria. Mais do que subnutrição do povo, com seu cortejo trágico de endemias devastadoras, o igrejismo salvacionista depauperou a inteligência popular, com seu cortejo de carreirismo político-religioso, idolatria mediúnica, misticismo larvar, e o que é pior, aparecimento de uma classe dirigente de supostos missionários e mestres farisaicos, estufados de vaidade e arrogância. São os guardiães dos apriscos do templo, instruídos para rejeitar os animais sacrificiais impuros, exigindo dos beatos a compra de oferendas puras nos apriscos sacerdotais.

Essa tendência mística popular, carregada de superstições seculares, favorece a proliferação de pregadores santificados, padres vieiras sem estalo, tribunos de voz empostada e gesticulação ensaiada. Toda essa carga morta esmaga o nosso movimento doutrinário e abre as suas portas para a infestação do sincretismo religioso afro-brasileiro, em que os deuses ingênuos da selva africana e das nossas selvas superam e absorvem os antigos e cansados deus cristãos. Não no clima para o desenvolvimento da Cultura Espírita.

As grandes instituições Espíritas Brasileiras e as Federações Estaduais investem-se por vontade própria de autoridade que não possuem nem podem possuir, marcadas que estão por desvios doutrinários graves, como no caso do roustainguismo da FEB e das pretensões retrógradas de grupelhos ignorantes de adulterados. Teve razões de sobra André Dumas, do Espiritismo Francês, em denunciar recentemente, em entrevista à revista Manchete, a situação católica e na verdade de antiespírita do Movimento Espírita brasileiro. A domesticação clerical dos espíritas ameaça desfibrar todo o nosso povo, que por sua formação igrejeira tende a um tipo de alienação esquizofrênica que o Espiritismo sempre combateu, desde a proclamação de fé racional sempre no Kardec, contra a fé cega e incoerente, submissa e farisaica das pregações igrejeiras.

Jesus ensinou a orar e vigiar, recomendou o amor e a bondade, pregou a humanidade, mas jamais aconselhou a viver de orações e lamúrias, santidade fingida, disfarçada em vãs aparências de humildade, que são sempre desmentidas pelas ambições e a arrogância incontroláveis do homem terreno. Para restabelecemos a verdade espírita entre nós e reconduzirmos o nosso movimento a uma posição doutrinária digna e coerente, é preciso compreender que a Doutrina Espírita é um chamado viril à dignidade humana, à consciência do homem para deveres e compromissos no plano social e no plano espiritual, ambos conjugados em face das exigências da lei superior da Evolução Humana. Só nos aproximaremos da Angelitude, o plano superior da Espiritualidade, depois de nos havermos tornado Homens.

Os espíritas atuais, na sua maioria, tanto no Brasil como no mundo, não compreenderam ainda que estão num ponto intermediário da filogênese da divindade. Superando os reinos inferiores da Natureza, segundo o esquema poético de Léon Denis, na seqüência divinamente fatal de Kardec: mineral, vegetal, animal e homem, temos o ponto neutro de gravidade entre duas esferas celestes, e esse ponto é o que chamamos ESPÍRITA. As visões fragmentárias da Realidade se fundem dialeticamente na concepção monista preparada pelo monoteísmo. Liberto, no ponto neutro, da poderosa reação da Terra, o espírita está em condições de se elevar ao plano angélico. Mas estar em condições é uma coisa, e dar esse passo para a divindade é outra coisa. Isso depende do grau de sua compreensão doutrinária e da sua vontade real e profunda, que afeta toda a sua estrutura individual. Por isso mesmo, surge então o perigo da estagnação no misticismo, plano ilusório da falsa divindade, que produz as almas viajoras de Plotino, que nada mais são do que os espíritos errantes de Kardec. Essas almas se projetam no plano da Angelitude, mas não conseguem permanecer nele, cedendo de novo a atração terrena da encarnação. Muitas vezes repetem a tentativa, permanecendo errantes entre as hipóstases do Céu e da Terra. Plotino viu essa realidade na intuição filosófica e na vidência platônica. Mas Kardec a verificou em sua pesquisas espíritas, escudadas na observação racional dos fatos. Apoiados na Razão, essa bússola do Real, ele nos livrava dos psicotrópicos do misticismo, oferecendo-nos a verdade exata da Doutrina Espírita. Nela temos a orientação precisa e segura dos planos ou hipóstases superiores, sem o perigo dos ciclos muitas vezes repetidos do chamado Círculo Vicioso das Reencarnações, que os ignorantes pretendem opor à realidade incontestável da reencarnação. Pois se existe esse círculo vicioso, é isso bastante para provar o processo reencarnatório. O vício não está no processo, mas na precipitação dos homens e dos espíritos não devidamente amadurecidos, que tentam forçar a Porta do Céu.

Se no Brasil sofremos os prejuízos dos religiosismo ingênuo de nossa formação cultural, na França e nos demais países europeus – segundo as próprias declarações de André Dumas – o prejuízo provém de um cientificismo pretensioso, que despreza a tradição francesa da pesquisa científica espírita, procurando substituí-la pelas pesquisas e interpretações parapsicológicas. Esse menosprezo pedante pelo trabalho modelar de Kardec levou o próprio Dumas a desrespeitar a tradição secular da Revue Spirite, transformando-a num simulacro da revista científica do Ano 2.000. As pesquisa da parapsicologia seguiram o esquema de Kardec e foram cobrindo no tempo, sucessivamente, todas as conquistas do sábio francês. Pegada por pegada, Rhine e seus companheiros cobriram o rastro científico de Kardec. O mesmo já acontecera com Richet na metapsíquica, com Crookes e Zollner e todos os demais.

Toda a pesquisa psíquica honesta é válida, nesse campo, até mesmo a dos materialistas russos atuais ficaram presas ao esquema de Kardec, o que prova a validade irrevogável desta. Começando pela observação dos fenômenos físicos, todas as Ciências Psíquicas, nascidas do Espiritismo, fizeram a trajetória fatal traçada pelo gênio de Kardec e chegaram às suas mesmas conclusões. As discordâncias interpretativas foram sempre marcadas indelevelmente pelos preconceitos e as precipitações da advertência de Descartes no Discurso do Método e pela sujeição aos interesses das Igrejas, como Kardec já assinalara em seu tempo. A questão da terminologia é puramente supérflua e, como dissera Kardec, serve apenas para provar a leviandade do espírito humano, mesmo dos sábios, sempre mais apegado à forma que ao fundo do problema.

No Espiritismo o quadro fenomênico foi dividido por Kardec em duas seções: Fenômenos Físicos e Fenômenos Inteligentes. Na Metapsíquica, Richet apresentou o esquema de Metapsíquica objetiva e Metapsíquica subjetiva. Na Parapsicologia os fenômenos espíritas passaram a chamar-se Fenômeno Psi, com divisão de Psicapa (objetivos) e Psigama (subjetivos). Quanto aos métodos de pesquisa, Crookes e Richet ativeram-se à metodologia científica da época, e Rhine limitou-se a passar dos métodos qualitativos para os quantitativos, inventando aparelhagens apropriadas aos processos tecnológicos atuais, apelando à estatística como forma de controle e comprovação dos resultados, o que simplesmente corresponde às exigências atuais nas Ciências. Kardec teve a vantagem de haver acentuado enfaticamente a necessidade de adequação do método ao objeto específico da pesquisa. O próprio método hipnótico de regressão da memória, para as pesquisas da reencarnação aplicado por Albert DeRochas do século passado, foi aproveitado pelo Prof. Vladimir Raikov. Na Romênia, o preconceito quanto ao Espiritismo gerou uma nova denominação para Parapsicologia: Psicotrônica. Com esse nome rebarbativo, os materialistas romenos pretendem exorcizar os perigos de renascimento espírita em seu país.


Todos esses fatos nos mostram que a Doutrina Espírita não chegou ainda a ser conhecida pelos seus próprios adeptos em todo o mundo. Integrado no processo doutrinário de trabalho e desenvolvimento, o Centro Espírita carecia até agora de um estudo sobre as suas origens, o seu sentido e a sua significação no panorama cultural do nosso tempo. É o que procuramos fazer neste volume, com as nossas deficiências, mas na esperança de que outros estudiosos procurem completar o nosso esforço. Lembrando o Apóstolo Paulo, podemos dizer que os espíritas estão no momento exato em que precisam desmamar das cabras celestes para se alimentarem de alimentos sólidos. Os que desejam atualizar a Doutrina, devem antes cuidar de se atualizarem nela.