domingo, 22 de fevereiro de 2015

A transição planetária - A condessa de Paula

Grupo de Estudos Doutrinários da Sociedade Espírita Caminho da Paz.


A CONDESSA PAULA

Bela, jovem, rica e de estirpe ilustre, esta era também perfeito modelo de qualidades intelectuais e morais. Faleceu com 36 anos de idade, em 1851. Seu necrológio é daqueles que podem resumir-se nestas palavras por mil bocas repetidas:
Grupo de Estudos da Sociedade Espírita Caminho da Paz.
 — “Por que tão cedo retira Deus tais pessoas da Terra?” Felizes os que assim fazem abençoada a sua memória. Ela era boa, meiga e indulgente, sempre pronta a desculpar ou atenuar o mal, em lugar de aumentá-lo. Jamais a maledicência lhe conspurcara os lábios. Sem arrogância nem austeridade, era, ao contrário, com benevolência e delicada familiaridade que tratava os fâmulos, despercebida, ao demais, de quaisquer aparências de superioridade ou de humilhante proteção. Compreendendo que pessoas que vivem do trabalho não são rendeiros e que, conseguintemente, têm precisão do que se lhes deve, já pela sua condição, já para se manterem, jamais reteve o pagamento de um salário. A simples ideia de que alguém pudesse experimentar uma privação, por sua causa, ser-lhe-ia um remorso de consciência. Ela não pertencia ao número dos que sempre encontram dinheiro para satisfazer os seus caprichos, sem pagarem as próprias dívidas; não podia compreender que houvesse prazer para o rico em ter dívidas, e humilhada se julgaria se lhe dissessem que os seus fornecedores eram constrangidos a fazer-lhe adiantamentos.

Também por ocasião da sua morte só houve pesares, nem uma reclamação. A sua beneficência era inesgotável, mas não essa beneficência ostentosa à luz meridiana; e assim exercia a caridade de coração, que não por amor de vanglórias. Só Deus sabe as lágrimas que ela enxugou, os desesperos que acalmou, pois tais virtudes só tinham por testemunhas os infelizes que assistia. Ela timbrava, além disso, em descobrir os mais pungentes infortúnios, os secretos, socorrendo-os com aquela delicadeza que eleva o moral em vez de o rebaixar.

Da sua estirpe e das altas funções do marido decorriam-lhe onerosos encargos domésticos, aos quais não podia eximir-se; satisfazendo plenamente às exigências de sua posição, sem avareza, ela o fazia, contudo, com tal método, evitando desperdícios e superfluidades, que metade lhe bastava do que a outrem fora preciso para tanto.

E desse modo se permitia facultar da sua fortuna maior quinhão aos necessitados. Destinando a renda de uma parte dessa fortuna exclusivamente a tal fim, considerava-a sagrada e como de menos a despender no serviço da sua casa. E assim encontrara meios de conciliar os seus deveres para com a sociedade e para com os infortúnios.

Um dos seus parentes, iniciado no Espiritismo, evocou-a doze anos depois de falecida, e obteve, em resposta a diversas perguntas, a seguinte comunicação: 

Tendes razão, amigo, em pensar que sou feliz. Assim é, efetivamente, e mais ainda do que a linguagem pode exprimir, conquanto longe do seu último grau. Mas eu estive na Terra entre os felizes, pois não me lembro de haver aí experimentado um só desgosto real. Juventude, homenagens, saúde, fortuna, tudo o que entre vós outros constitui felicidade eu possuía! O que é, no entanto, essa felicidade comparada à que desfruto aqui? Esplêndidas festas terrenas em que se ostentam os mais ricos paramentos, o que são elas comparadas a estas assembleias de Espíritos resplendentes de brilho que as vossas vistas não suportariam, brilho que é o apanágio da sua pureza? Os vossos palácios de dourados salões, que são eles comparados a estas moradas aéreas, vastas regiões do Espaço matizadas de cores que obumbrariam o arco-íris? Os vossos passeios, a contados passos nos parques, a que se reduzem, comparados aos percursos da imensidade, mais céleres que o raio?

“Horizontes nebulosos e limitados, que são, comparados ao espetáculo de mundos a moverem-se no Universo infinito ao influxo do Altíssimo? E como são monótonos os vossos concertos mais harmoniosos em relação à suave melodia que faz vibrar os fluidos do éter e todas as fibras da alma!

E como são tristes e insípidas as vossas maiores alegrias comparadas à sensação inefável de felicidade que nos satura todo o ser como um eflúvio benéfico, sem mescla de inquietação, de apreensão, de sofrimento?  Aqui, tudo ressumbra amor, confiança, sinceridade: por toda parte corações amantes, amigos por toda parte!

“Nem invejosos, nem ciumentos! É este o mundo em que me encontro, meu amigo, e ao qual chegareis infalivelmente, se seguirdes o reto caminho da vida.
“A felicidade uniforme fatigaria, no entanto, e assim não acrediteis que a nossa seja extreme de peripécias: nem concerto perene, nem festa interminável, nem beatífica contemplação por toda a eternidade, porém o movimento, a atividade, a vida.
“As ocupações, posto que isentas de fadiga, revestem--se de perspectivas e emoções variáveis e incessantes, pelos mil incidentes que se lhes filiam. Tem cada qual sua missão a cumprir, seus protegidos a velar, amigos terrenos a visitar, mecanismos na Natureza a dirigir, almas sofredoras a consolar; e é o vaivém, não de uma rua a outra, porém, de um a outro mundo; reunindo-nos, separando-nos para novamente nos juntarmos; e, reunidos em certo ponto, comunicamo-nos o trabalho realizado, felicitando-nos pelos êxitos obtidos; ajustamo-nos, mutuamente nos assistimos nos casos difíceis. 

Finalmente, asseguro-vos que ninguém tem tempo para enfadar-se, por um segundo que seja. Presentemente, a Terra é o magno assunto das nossas cogitações. Que movimento entre os Espíritos! Que numerosas falanges aí afluem, a fim de lhe auxiliarem o progresso e a evolução! Dir-se-ia uma nuvem de trabalhadores a destrinçarem uma floresta, sob as ordens de chefes experimentados; abatem uns os troncos seculares, arrancam-lhes as raízes profundas, desbastam outros o terreno; amanham estes a terra, semeando; edificam aqueles a nova cidade sobre as ruínas carunchosas de um velho mundo. Nestes comenos reúnem-se os chefes em conferência e transmitem suas ordens por mensageiros, em todas as direções.

 A Terra deve regenerar-se, em dado tempo — pois importa que os desígnios da Providência se realizem, e, assim, tem cada qual o seu papel. Não me julgueis simples expectadora desta grande empresa, o que me envergonharia, uma vez que todos nela trabalham. Importante missão me é afeta, e grandemente me esforço por cumpri-la, o melhor possível.

Não foi sem luta que alcancei a posição que ora ocupo na vida espiritual; e ficai certo de que a minha última existência, por mais meritória que porventura vos pareça, não era por si só e a tanto suficiente. Em várias existências passei por provas de trabalho e miséria que voluntariamente havia escolhido para fortalecer e depurar o meu Espírito; dessas provas tive a dita de triunfar, vindo a faltar no entanto uma, porventura de todas a mais perigosa: a da fortuna e bem-estar materiais, um bem-estar sem sombras de desgosto.

Nessa consistia o perigo. E antes de o tentar, eu quis sentir-me assaz forte para não sucumbir. Deus, tendo em vista as minhas boas intenções, concedeu-me a graça do seu auxílio. Muitos Espíritos há que, seduzidos por aparências, pressurosos escolhem essa prova, mas, fracos para afrontar-lhe os perigos, deixam que as seduções do mundo triunfem da sua inexperiência.

“Trabalhadores! estou nas vossas fileiras: eu, a dama nobre, ganhei como vós o pão com o suor do meu rosto; saturei-me de privações, sofri reveses e foi isso que me retemperou as forças da alma; do contrário eu teria falido na última prova, o que me teria deixado para trás, na minha carreira.

“Como eu, também vós tereis a vossa prova da riqueza, mas não vos apresseis em pedi-la muito cedo. E vós outros, ricos, tende sempre em mente que a verdadeira fortuna, a fortuna imorredoura, não existe na Terra; procurai antes saber o preço pelo qual podeis alcançar os benefícios do Todo-Poderoso.

Paula, na Terra Condessa de 

fonte de referência: livro O Céu e o Inferno - Allan Kardec e os Espíritos da Codificação.



quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Reflexões sobre o enterro de uma pessoa viva.

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Enterro - de Cândido Portinari - 1959
Conversas Familiares de Além-Túmulo - Extraído da Revista Espírita setembro 1861

A PENA DE TALIÃO
(Sociedade, 9 de agosto de 1861 – Médium: Sr. d’Ambel)

Um correspondente da Sociedade lhe transmite a seguinte nota:

“O Sr. Antonio B..., um de meus parentes, escritor de mérito, estimado por seus concidadãos, tendo desempenhado com distinção e integridade funções públicas na Lombardia, caiu, há cerca de seis anos, em consequência de um ataque de apoplexia, num estado de morte aparente que, infelizmente, como algumas vezes sucede em casos tais, a sua morte foi considerada real, concorrendo ainda mais para o engano os vestígios da decomposição assinalados no corpo. Quinze dias depois do enterro, uma circunstância fortuita levou a família a determinar a exumação. Tratava-se de um medalhão, por acaso esquecido no caixão. Qual não foi, porém, o espanto dos assistentes, quando, ao abrir aquele, notaram que o corpo havia mudado de posição, voltando-se de bruços e – coisa horrível – que uma das mãos havia sido comida em parte pelo defunto. Ficou, então, patente que o infeliz Antonio B... fora enterrado vivo, e deveria ter sucumbido sob a ação do desespero e da fome. Seja como for, desse triste acontecimento e de suas consequências morais não seria interessante, do ponto de vista espírita e psicológico, fazer um inquérito no mundo dos Espíritos?”

1. Evocação de Antonio B...
Resp. – Que quereis de mim?

2. A pedido de um vosso parente, nós vos evocamos com prazer e seremos felizes se quiserdes responder-nos.
Resp. – Sim, desejo fazê-lo.

3. Lembrais-vos dos incidentes da vossa morte?
Resp. – Ah! Certamente que me lembro: – Mas por que avivar essa lembrança do castigo?

4. Efetivamente fostes enterrado por descuido?
Resp. – Assim deveria ser, visto revestir-se a morte aparente de todos os caracteres da morte real: eu estava quase exangue. Não se deve, porém, imputar a ninguém um acontecimento que me estava predestinado desde que nasci.

5. Incomodam-vos estas perguntas? Será mister lhes demos fim?
Resp. – Não. Podeis continuar.

6. Porque deixastes a reputação de um homem de bem, esperamos fôsseis feliz.
Resp. – Eu vos agradeço, pois sei que haveis de interceder por mim. Vou fazer o possível para vos responder, e, se não puder fazê-lo, fá-lo-á um dos vossos guias por mim.

7. Podeis descrever-nos as vossas sensações daquele momento?
Resp. – Que dolorosa provação sentir-me encerrado entre quatro tábuas, tolhido, absolutamente tolhido! Gritar? Impossível! A voz, por falta de ar, não tinha eco! Ah! que tortura a do infeliz que em vão se esforça para respirar num ambiente limitado! Eu era qual condenado à boca de um forno, abstração feita ao calor. A ninguém desejo um fim rematado por semelhantes torturas. Não, não desejo a ninguém um tal fim! Oh! cruel punição de cruel e feroz existência! Não saberia dizer no que então pensava; apenas revendo o passado, vagamente entrevia o futuro.

8. Dissestes: – cruel punição de feroz existência... Como se pode conciliar esta afirmativa com a vossa reputação ilibada?
Resp. – Que vale uma existência diante da eternidade?! Certo, procurei ser honesto e bom na minha última encarnação, mas eu aceitara um tal epílogo previamente, isto é, antes de encarnar. Ah!... Por que interrogar-me sobre esse passado doloroso, que só eu e os Espíritos bons enviados do Senhor conhecíamos? Mas, visto que assim é preciso, dir-vos-ei que numa existência anterior eu emparedara uma mulher – a minha, viva num sepulcro subterrâneo. A pena de talião devia ser-me aplicada. Olho por olho, dente por dente.

9. Agradecemos essas respostas e pedimos a Deus vos perdoe o passado, em atenção ao mérito da vossa última encarnação.
Resp. – Voltarei mais tarde, mas, não obstante, o Espírito Erasto completará esta minha comunicação.


REFLEXÕES DE LAMENNAIS SOBRE ESTA EVOCAÇÃO 

Deus é bom! Mas, para chegar ao aperfeiçoamento, deve o homem sofrer as provas mais cruéis. Este infeliz viveu vários séculos durante sua desesperada agonia, e embora sua última existência tenha sido honrada, esta prova deveria realizar-se, pois a tinha escolhido.
Por essa comunicação podeis inferir a co-relatividade e dependência imediata das vossas existências entre si; as tribulações, as vicissitudes, as dificuldades e dores humanas são sempre as consequências de uma vida anterior, culposa ou mal aproveitada.

Devo, todavia, dizer-vos que desfechos como este de Antonio B... são raros, visto como, se de tal modo terminou uma existência correta, foi por tê-lo solicitado ele próprio, com o fito de abreviar a sua erraticidade e atingir mais rápido as esferas superiores.

Efetivamente, depois de um período de perturbação e sofrimento moral, inerente à expiação do hediondo crime, ser-lhe-á perdoado este, e ele se alçará a um mundo melhor, onde o espera a vítima que há muito lhe perdoou. Aproveitai este exemplo cruel, queridos espíritas, a fim de suportardes, com paciência, os sofrimentos morais e físicos, todas as pequenas misérias da Terra.

P. – Que proveito pode a Humanidade auferir de semelhantes punições? (Erasto)
Resp. – As penas não existem para desenvolver a Humanidade, porém para punição dos que erram. De fato, a Humanidade não pode ter nenhum interesse no sofrimento de um dos seus membros. Neste caso, a punição foi apropriada à falta. Por que há loucos, idiotas, paralíticos? Por que morrem estes queimados, enquanto aqueles padecem as torturas de longa agonia entre a vida e a morte? Ah! crede-me; respeitai a soberana vontade e não procureis sondar a razão dos decretos da Providência! Deus é justo e só faz o bem. 
Erasto


Observação – Este fato não encerra um ensinamento terrível? Às vezes tardia, nem por isso a justiça de Deus deixa de atingir o culpado, prosseguindo em seu aviso. É altamente moralizador o saber-se que, se grandes culpados acabam, pacificamente, na abundância de bens terrenos, nem por isso deixará de soar cedo ou tarde, para eles, a hora da expiação. Penas tais são compreensíveis, não só por estarem mais ou menos ao alcance das nossas vistas, como por serem lógicas. Ora, perguntamos se esse quadro, que o Espiritismo desdobra a cada instante diante de nós, não é mais apropriado a impressionar, para reter à beira do abismo, do que o medo das chamas eternas, em que já não acreditamos? Se apenas relermos as evocações publicadas nesta Revista, veremos que não há um vício que não determine o seu castigo, nem uma virtude que não suscite a sua recompensa, proporcionados ao mérito ou ao grau de culpabilidade, porquanto Deus leva em conta todas as circunstâncias que possam atenuar o mal ou aumentar o prêmio do bem.