Mussaenda |
Desde cento e cinquenta e oito anos (a partir do surgimento
do Espiritismo) se tem
estabelecido uma intima e frequente comunicação entre o nosso mundo e o dos
Espíritos. Soergueram-se os véus da morte e, em lugar de uma face lúgubre, o
que nos apareceu foi um risonho e benévolo semblante. Falaram
as almas; sua palavra consolou muitas tristezas, acalmou bastantes dores,
fortaleceu muita coragem vacilante. O destino foi revelado, não já
cruel, implacável como o pretendiam antigas crenças, mas atraente, equitativo,
para todos esclarecido pelas fulgurações da misericórdia divina.
O Espiritismo propagou-se, invadiu o
mundo. Desprezado, repelido ao começo, acabou por atrair a atenção e despertar
interesse. Todos quantos se não imobilizavam na esfera do preconceito e da
rotina e o abordaram desassombradamente, foram por ele conquistados. Agora
penetra por toda à parte, instala-se em todas as mesas, tem ingresso em todos
os lares. A sua voz, as velhas fortalezas seculares - a Ciência e a própria
Igreja, até aqui hermeticamente aferrolhadas, arrasam suas muralhas e
entreabrem suas portas. Dentro em pouco se imporá como soberano.
Que traz ele consigo? Será sempre e por
toda à parte a verdade, a luz e a esperança? Ao lado das consolações que caem
na alma como o orvalho sobre a flor, de par com o jorro de luz que dissipa as
angústias do investigador e ilumina a rota, não haverá também uma parte de
erros e decepções?
O
Espiritismo será o que o fizerem os homens. Similia similibus! Ao contato da Humanidade as mais altas
verdades às vezes se desnaturam e obscurecem. Pode constituir-se uma fonte de
abusos. A gota de chuva, conforme o lugar onde cai, continua sendo pérola ou se
transforma em lodo.
E
com desgosto que observamos a tendência de certos adeptos no sentido de
menosprezar a feição elevada do Espiritismo, a fonte dos puros ensinamentos e das altas inspirações,
para se restringirem ao campo da experimentação terra-a-terra, d investigação
exclusiva do fenômeno físico.
Pretender-se-ia acomodar o Espiritismo no
acanhado leito da ciência oficial; mas esta, inteiramente impregnada das
teorias materialistas, é refratária a essa aliança. O estudo da alma, já de si
difícil e profundo, lhe tem permanecido impenetrável. Os seus métodos, por
indigentes, não se prestam absolutamente ao estudo, muito mais vasto, do mundo
dos Espíritos. A ciência do invisível há de sempre ultrapassar os métodos
humanos. Há no Espiritismo uma zona - e não a menor - que escapa a análise, a
verificação: é a ação do Espírito livre no Espaço; é a natureza das forças de
que ele dispõe.
Com os estudos espíritas uma nova
ciência se vai formando lentamente, mas é preciso aliar ao espírito de
investigação científica a elevação de pensamento, o sentimento, os impulsos do
coração, sem o que a comunhão com os seres superiores se torna irrealizável, e
nenhum auxílio de sua parte, nenhuma proteção eficaz se obterá. Ora, isso é
tudo na experimentação. Não há possibilidade de êxito, nem garantia de
resultado sem à assistência e proteção do Alto, que se não obtém sendo mediante
a disciplina mental e uma vida pura e digna.
Deve todo adepto saber que a regra por
excelência das relações com o invisível é a lei das afinidades e atrações.
Nesse domínio, quem procura baixos objetivos os encontra, e com eles se
rebaixa: aquele que aspira às remontadas culminâncias, cedo ou tarde as atinge
e delas faz pedestal para novas ascensões. Se desejais manifestações de ordem
elevada, fazei esforços por elevar-vos a vós mesmos. O bom êxito da
experimentação, no que ela tem de belo e grandioso - a comunhão com o mundo
superior - não o obtém o mais sábio, mas o mais digno, o melhor, aquele que tem
mais paciência e consciência e mais moralidade.
Com o cercearem o Espiritismo,
imprimindo-lhe caráter exclusivamente experimental, pensam alguns agradar ao
espírito positivo do século, atrair os sábios ao que se denomina de Psiquismo.
Desse modo, o que sobretudo se consegue é pôr-se em relação com os elementos
inferiores do Além, com essa multidão de Espíritos atrasados, cuja nociva
influência envolve, oprime os médiuns, os impele a fraude e espalha sobre os
experimentadores eflúvios maléficos e, com eles, muitas vezes, o erro e a
mistificação.
Numa ânsia de proselitismo, sem dúvida louvável quanto ao sentimento
que a inspira, mas excessiva e perigosa em suas consequências, desejam-se os
fatos a todo o custo. Na agitação nervosa com que se busca o fenômeno, chega-se
a proclamar verdadeiros os fatos duvidosos ou fictícios. Pela disposição de
espírito mantida nas experiências, atraem-se os Espíritos levianos, que em
torno de nós pululam. Multiplicam-se as manifestações de mau gosto e as
obsessões das energias que supõem dominar. Muitíssimos espíritas e médiuns, em
consequência da falta de método e de elevação moral, se tornam instrumentos das
forças inconscientes ou dos maus Espíritos.
São numerosos os abusos, e neles acham
os adversários do Espiritismo os elementos de uma crítica pérfida e de uma
fácil difamação.
O interesse e a dignidade da causa
impõem, o dever de reagir contra essa experimentação banal, contra essa onda
avassaladora de fenômenos vulgares que ameaçam submergir as culminâncias da ideia.
*
O Espiritismo representa uma fase nova
da evolução humana. A lei que, através dos séculos, tem conduzido as diferentes
frações da Humanidade, longo tempo separadas, a gradualmente aproximar-se,
começa a fazer sentir no Além os seus efeitos. Os modos de correspondência que
entretêm na Terra os homens vão-se estendendo pouco a pouco aos habitantes do
mundo invisível, enquanto não atingem, mediante novos processos, as famílias
humanas que povoam as Terras do espaço.
Contudo, nas sucessivas ampliações do
seu campo de ação, a Humanidade tropeça em inúmeras dificuldades. As relações,
multiplicando-se, nem sempre trazem favoráveis resultados; também oferecem
perigos, sobretudo no que se refere ao mundo oculto, mais difícil que o nosso
de penetrar e analisar. Lá, como aqui, o saber e a ignorância, a verdade e o
erro, a virtude e o vício existem, com esta agravante: ao passo que fazem
sentir sua influência, permanecem encobertos aos nossos olhos; donde a
necessidade de abordar o terreno da experimentação com extrema prudência, de
longos e pacientes estudos preliminares.
E necessário aliar os conhecimentos
teóricos ao espírito de investigação e d elevação moral, para estar
verdadeiramente apto a discernir no Espiritismo o bem do mal, o verdadeiro do
falso, a realidade da ilusão. E preciso compenetrar-se do verdadeiro caráter da
mediunidade, das responsabilidades que acarreta, dos fins para que nos é
concedida.
O Espiritismo não é somente a
demonstração, pelos fatos, da sobrevivência; é também o veículo por que descem
sobre a Humanidade as inspirações do mundo superior. A esse título é mais que
uma ciência, é o ensino que o Céu transmite a Terra, reconstituição
engrandecida e vulgarizada das tradições secretas do passado, o renascimento
dessa escola profética que foi a mais célebre escola de médiuns do Oriente. Com
o Espiritismo, as faculdades, que foram outrora o privilégio de alguns, se
difundem por um grande número. A mediunidade se propaga; mas de par com as
vantagens que proporciona, é necessário estar advertido dos seus escolhos e
perigos.
fonte: extraído da introdução do livro de Leon Denis - No Invisìvel,