A teledoutrinação
Os corações amorosos, em todos os tempos, apelaram à oração
para socorrer à distância os entes queridos. Das práticas mágicas primitivas,
nascidas na selva, nas regiões polares, nos desertos e na vastidão dos mares, o
homem passou, nas civilizações agrárias e pastoris, às rogativas dirigidas aos
deuses. Da forma de ação direta da magia selvagem – principalmente a simpática
ou simpatética, baseada na ideia das relações por semelhança, a mente mais
experiente e desenvolvida passava à ação indireta das rogativas.
A ação direta é mágica. Não pertence ao campo da Religião,
mas ao da Magia.
O Homo Faber, ou seja, o homem que confia na sua
capacidade de fazer,
havendo descoberto relações de semelhança (simpáticas) entre coisas e seres, acreditava
poder agir diretamente à distância sobre inimigos e amigos através das relações
de semelhança.
O Homo Sapiens, ou seja, o homem interessado em
saber, buscava conhecer um tipo
superior de relações – o mental e emocional, ligando seus deuses (bons
Espíritos) aos quais dirigia suas rogativas. Assim nasceram as Religiões,
arrancadas pelo espírito das entranhas materiais da Magia.
Nos povos mais adiantados da Antiguidade – entre os quais se
destacaram, nesse campo, os egípcios, os gregos, os judeus, os arianos da
Índia, os chineses e os celtas – a utilização da mediunidade nas práticas
oraculares acelerou o desenvolvimento espiritual da Humanidade.
Essa aceleração produziu o refinamento intelectual, restrito
às elites culturais, e transformou o acervo de experiências das práticas
mágicas em formulações teológicas e elaborações litúrgicas e rituais, doiradas
com a purpurina dos sofismas e das pretensões teológicas.
As ordenações e as sagrações encheram o mundo civilizado de
instituições supostamente sagradas, em que permanecem até hoje os resíduos mágicos
das selvas. Essas Religiões e Ordens Ocultistas estão carregadas de conceitos
absurdos sobre a vida e a morte, com cerimoniais especialmente preparados para
influir na credulidade das criaturas ingênuas ou sensíveis.
A Idade Média europeia, acompanhada dos períodos medievais
diferenciados em outras partes do mundo, gerou o fanatismo religioso e as
guerras de religião, as mais impiedosas e brutais, feitas em nome de Deus, cujo
conceito era recortado do modelo bíblico de Iavé, o deus dos Exércitos das
bárbaras conquistas judaicas.
O Cristianismo se transformou numa superestrutura
cultural fundamentada na magia primitiva do sangue, com todas as consequências
falsas e desumanas de uma Ciência do Absurdo – a Teologia, Ciência dos homens
que tinham Deus como objeto. A reação dialética era inevitável e o aceleramento
cultural, regido pelas leis do espírito, gerou a revolta científica do
Renascimento, da Era da Razão.
Só nos Séculos XVIII e XIX abriram-se as perspectivas para
uma compreensão racional, e portanto humana, das relações espirituais entre
Deus e o homem.
E só a pesquisa espírita e sacrificial de Kardec conseguiu
romper o nevoeiro restante das pesadas trevas teológico-medievais. Espantado o
nevoeiro, Kardec pôde oferecer ao mundo o conceito da telegrafia humana, no
qual o problema da oração, tomado no sentido mais simples da palavra prece,
restabelecia a verdade sobre a natureza humana e suas relações com Deus.
Ao mesmo tempo, descobria-se a existência das relações humanas
à distância, da telegrafia humana, tão simples e natural como as que então
ocorriam através do telégrafo elétrico. Nesse processo telegráfico
aparentemente mental os homens podiam comunicar-se entre si através de todas as
distâncias, inclusive as até então insuperáveis distâncias da morte.
E o problema da morte,
em que até hoje as Igrejas se confundem e se embaralham, tornava-se claro à compreensão
de qualquer criatura de bom senso.
Essa expressão comum – o bom senso –, plebeia, popularesca,
transformada pelo vulgo em medidazinha de bolso dos moralistas de esquina,
Kardec transformou em critério de verdade. Era um escândalo falar em bom senso
entre as alucinações teológicas da época e a loucura fecunda dos cientistas.
Descartes o fizera num
desafio de espadachim, num golpe de ironia contra os teólogos, mas Kardec o
fazia numa tomada de posição no campo da Verdade. O bom senso, que até então só
servira como recurso de acomodação dos medíocres às regras banais da moral
burguesa, entre os flocos de algodão da hipocrisia, transformava-se em bússola
de navegantes audaciosos em mares nunca dantes navegados.
E Kardec mostrou sem alardes, com a tranquilidade do sábio,
que essa expressão humilde e desprezada era a própria chave do futuro.
Não era através de golpes de imaginação, de inspirações e
intuições maravilhosas, mas da observação e da pesquisa científica dos
fenômenos que se podia arrancar a verdade sobre o homem, a vida e a morte; o
destino da civilização é obter uma concepção lógica de Deus.
A realidade total só nos era acessível através desse point
d’optique, desse centro visual em que todo o Cosmos se refletia; a descoberta
da telegrafia humana não havia sido um golpe de gênio, nem um relâmpago da
sabedoria infusa dos teólogos, mas um resultado de pesquisas minuciosas e
teimosas, na carne e no espírito de criaturas ingênuas e simples.
Hoje as pesquisas parapsicológicas e biofísicas, em plena era
cósmica, comprovam a realidade da telegrafia humana com a expressão científica
da telepatia, que diz exatamente o que Kardec proclamava no seu tempo, há mais
de um século.
Telepatia não é apenas transmissão do pensamento, mas de todo
o pathus individual da criatura, que se define também como projeção do eu. É graças a essa projeção espiritual que
podemos falar em teledoutrinação, ou seja, em doutrinação à distância. Kardec
relata na Revista Espírita a cura de uma jovem obsedada, cuja família católica
não permitia sua frequência a sessões espíritas; à revelia da família e da
própria jovem, formou-se um pequeno grupo de amigos que passou a reunir-se
todos os dias, em hora determinada, emitindo pensamentos de ajuda e orientação
espiritual a ela e às entidades perturbadoras. A moça foi curada sem tomar
conhecimento desse fato.
Experiências atuais de telepatia, realizadas por pesquisadores
ingleses, como os professores universitários C. G. Soal, Wathely Carrington e
Price, bem como por pesquisadores norte americanos, como Rhine, Pratt e
Puharicch, e pesquisadores soviéticos como Prof. Vassiliev e o grupo de
pesquisas da Universidade de Kirov, confirmaram plenamente o êxito dessas
intervenções à distância.
Chegaram mesmo a comprovar a possibilidade de ação
hipnótica à distância, por meio da telepatia. A Ciência Espírita tem hoje a
sanção da Parapsicologia, através de experiências e pesquisas realizadas nos
maiores e mais importantes Centros Universitários do mundo.
Dessa maneira, o costume aparentemente ingênuo de se colocar
o nome e endereço de pessoas necessitadas na mesa de sessões espíritas, para
que sejam beneficiadas à distância, não só pelos métodos espirituais de cura,
mas também pelo afastamento de entidades perturbadoras e obsessoras, integra-se
hoje no campo das realidades científicas comprovadas.
O Espiritismo se firma como a primeira Ciência do paranormal,
de cujos flancos chicoteados pela sapiência arrogante e falsa do materialismo e
do religiosismo
fanáticos, nasceram as disciplinas científicas modernas e
contemporâneas da Parapsicologia, da Psicofísica e da Metapsíquica de Richet.
As práticas de ação à distância podem ser individuais ou em
grupos, dependendo a sua eficácia unicamente da boa vontade e da intenção real
e firme de auxiliar os necessitados.
As pessoas que hoje ainda consideram essas práticas de solidariedade
humana como utópicas ou supersticiosas, por mais credenciadas que sejam
culturalmente, revelam falta de atualização científica ou, o que é pior,
preconceitos inadmissíveis em nosso tempo.
As pessoas que pretendem reduzir a fenomenologia paranormal a
manifestações de faculdades humanas sem intervenção de entidades espirituais
contrariam a realidade científica mundialmente comprovada, pretendendo colocar
suas opiniões pessoais e seus preconceitos acima das rigorosas comprovações
científicas atuais. Trata-se de pretensão evidentemente exagerada.
As que se apoiam em crenças e dogmas religiosos para se
oporem a essa realidade são espíritos sistemáticos.
O Espiritismo, como Kardec afirmou, é contrário ao espírito
de sistema, fundamentando seus princípios na observação e na pesquisa. Fatos
são fatos e só podem ser negados por pesquisas científicas rigorosas, realizadas
por cientistas qualificados.