segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Deus na Natureza


Clássico do Espiritismo e a sua obra-prima, nele Camille Flammarion apóia-se nos princípios da natureza para demonstrar a existência de Deus. (ano de lançamento 1866)

O prisma através do qual nos permitimos concluir a nossa demonstração geral é antes síntese que peroração; e se é verdade que a Ciência e a Poesia estão intimamente associadas na contemplação da Natureza, não podemos, judiciosamente, impedir o sentimento poético de se manifestar nestas últimas impressões que o panorama do mundo nos sugere.

Apenas, necessário fôra nos consagrássemos, agora, a um estudo especial da causa divina, visto que por essa causa temos combatido de início, neste longo arrazoado, e todas as conclusões atingiram esse alvo supremo. Contudo, vale enfechá-las numa conclusão geral. Assim como o naturalista, o botânico, o geômetra, o lavrador, o operário ou o poeta, depois de examinar as particularidades de uma paisagem e galgar a colina de cujo cimo se abrange os pontos estudados, volta-se por contemplar de conjunto a distribuição, o plano e a beleza do panorama, assim também, após o estudo particularizado das leis da matéria e da vida, apraz-nos a ele voltar e calmamente admirá-lo.

Aos olhos da alma apraz embevecer-se na radiação celeste, que inunda toda a Natureza. Aqui, já não é a discussão, mas a contemplação recolhida da luz e da vida resplandecentes na atmosfera, que brilham no cromatismo das flores e refulgem nos seus matizes; que circulam na folhagem dos bosques e envolvem num beijo universal os inumeráveis seres palpitantes no seio da Natureza. Depois da potência, da sabedoria, da inteligência, é a bondade inefável o que se faz sentir; é a universal ternura de um ser misterioso sempre, fazendo sucederem-se na superfície do globo as formas inumeráveis de uma vida que se perpetua por amor, e que jamais se extingue.

A correlação das forças físicas nos mostrou a unidade de Deus, sob todas as formas transitórias do movimento. Pela síntese, o espírito se eleva à noção de uma lei única -- lei e fonça universais, que valem por expressão ativa do pensamento divino. Luz, calor, eletricidade, magnetismo, atração, afinidade, vida vegetal, instinto, inteligência, tudo deriva de Deus. O sentimento do belo, a estesia das ciências, a harmonia matemática, a geometria, iluminam essas forças múltiplas e lhes dão o perfume do ideal. Seja qual for o prisma pelo qual o pensador observe a Natureza, encontra uma trilha conducente a Deus - força viva, cujas palpitações, através de todas as formas, ele as sentirá no estremecer da sensitiva, como no canto matinal dos passarinhos.
Tudo é número, correspondência, harmonia, revelação de uma causa inteligente, agindo universal e eternamente.

Deus não é, pois, como dizia Lutero, "um quadro vazio, sem outra inscrição além da que lhe apomos". Deus é, ao contrário, a força inteligente, universal e invisível, que constrói sem cessar a obra da Natureza. E' sentindo-lhe a presença eterna que compreendemos as palavras de Leibnitz: "há metafísica, geometria e moral por toda a parte - bem como o velho aforismo de Platão, que poderemos assim traduzir: Deus é o geômetra que opera eternamente.

E' fora dos tumultos da sociedade mundana, é no silêncio das profundas meditações que a alma pode rever-se, em face da glória do invisível, manifestada pelo visível.

E' nessa visualização da presença de Deus na Terra, que a alma se eleva à noção do verdadeiro. O ruído longínquo do oceano, a paisagem solitária, as águas cujos murmúrios valem sorrisos, o sono das florestas entre cortado de anseios, suspirosas, a altivez impassível das montanhas, tudo abrangendo de alto, são manifestações sensíveis da força que vela no âmago de todas as coisas. Abandonei-me, algumas vezes, a contemplar-vos, ó esplendores vívidos da Natureza! e sempre vos senti envoltos e banhados de inefável poesia! Quando meu espírito se deixava seduzir pela magia da vossa beleza, ouvia acordes desconhecidos escapando-se do vosso concerto.

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