sexta-feira, 15 de julho de 2011

DIVERSAS ENCARNAÇÕES DE UM ESPÍRITO.

VISÃO RETROSPECTIVA DE DIVERSAS ENCARNAÇÕES DE UM ESPÍRITO.
SONO DOS ESPÍRITOS - Pelo doutor Cailleux.
(Sociedade Espírita de Paris, 11 de maio de 1866. - Médium, Sr. Morin.)

Vossa boa acolhida e as boas preces que fizestes em minha intenção me fazem um dever agradecê-las vivamente e vos assegurar de meu eterno devotamento. Depois de minha entrada na verdadeira vida, bem depressa me familiarizei com todas as novidades, mas bem doces exigências de minha situação atual. De todos os lados, hoje, me chamam, não mais como outrora, para dar meus cuidados aos corpos doentes, mas para levar alívio aos doentes da alma. A tarefa é doce para ser cumprida, e com tanto maior rapidez quanto outrora punha-me a transportar-me à cabeceira dos enfermos; posso mesmo, e isto nada tem de espantoso para mim, transportar-me quase instantaneamente de um ponto a outro, com a mesma facilidade que o meu pensamento de passar de um assunto a um outro. Apenas o que me espanta é que posso fazê-lo, eu!...
Tenho, meus bons amigos, para vos entreter, um fato espiritual que me chega e que venho submeter ao vosso julgamento para que me ajudeis a reconhecer o meu erro, se estiver enganado em minhas apreciações a seu respeito. Médico, vós o sabeis, em minha última encarnação, dei-me com ardor aos estudos de minha profissão. Tudo o que nela me chegava era um assunto de observação. Devo dize-lo, sem orgulho, que adquiri alguns conhecimentos, talvez em razão de que não seguia sempre ao pé da letra a rota traçada por minha rotina. Eu procurava sempre, no moral, o que poderia trazer uma perturbação no físico; foi talvez por isto que conheci um pouco melhor meu ofício do que certos de meus colegas. Enfim, eis aqui: Há alguns dias, senti uma espécie de peso se apoderar de meu Espírito, embora conservando a consciência do meu eu, me senti transportado no espaço; cheguei a um lugar que não tem nome para vós, e me achava numa reunião de Espíritos que, quando vivos, tinham adquirido alguma celebridade pelas descobertas que fizeram.
Lá, não fiquei surpreso de reconhecer nesses anciãos de todas as idades, nesses nomes de todas as épocas, uma semelhança espiritual comigo. Perguntei-me o que tudo isto queria dizer; lhes dirigi perguntas que minha posição me sugeria, mas meu espanto foi maior ainda, em me ouvindo responder eu mesmo. Voltei-me, então, para eles e me achava só.
Eis as minhas deduções..... Dr. CAILLEUX.

NOTA. - O Espírito, tendo parado aí, continuou na sessão seguinte.

A questão dos fluidos que são o fundo de vossos estudos desempenhou um papel muito grande no fato que vos assinalei na última sessão. Posso, hoje, vos explicar melhor o que se passou, e, em lugar de vos dizer que eram minhas conjecturas, posso vos dizer o que me relevaram os bons amigos que me guiam no mundo dos Espíritos.
Quando meu Espírito sofreu uma espécie de entorpecimento, eu estava, por assim dizer, magnetizado pelo fluido de meus amigos espirituais; por uma permissão de Deus, deveria resultar disto uma satisfação moral que, dizem eles, é a minha recompensa, e além disso o encorajamento para caminhar num caminho que meu Espírito segue há um bom número de existências.
Estava, pois, adormecido por um sono magnético-espiritual; vi o passado se formar em um presente fictício; reconheci as individualidades desaparecidas em conseqüência dos tempos, ou antes que não tinham sido senão um único indivíduo. Vi um ser começar uma obra médica; um outro, mais tarde, continuar a obra deixada esboçada pelo primeiro, e assim por diante. Nisso cheguei a ver em menos tempo do que emprego para vo-lo dizer, de idade em idade, se formar, crescer e tornar-se ciência, o que, no princípio, não era senão as primeiras tentativas de um cérebro ocupado de estudos para o alívio da Humanidade sofredora. Vi tudo isto, e quando cheguei ao último desses seres que, sucessivamente, tinham levado um complemento à obra, então me reconheci. Ali, tudo se desvanecendo, revivi o Espírito ainda atrasado de vosso pobre doutor. Ora, eis a explicação. Não vo-la dou para disso tirar vaidade, longe disto, mas antes para vos fornecer um assunto de estudo, em vos falando do sono espiritual, que, sendo elucidado por vossos guias, não pode senão me ser útil, porque assisto a todos os vossos trabalhos.
Vi, nesse sono, os diferentes corpos que meu Espírito animou há um certo número de encarnações, e todos trabalharam a ciência médica sem jamais se afastar dos princípios que o primeiro tinha elaborado. Esta última encarnação não era para aumentar o saber, mas simplesmente para praticar o que a minha teoria ensinava.
Com tudo isto permaneço sempre vosso devedor; mas se o permitirdes, virei vos pedir lições, e algumas vezes vos dar a minha opinião pessoal sobre certas questões. Dr. CAILLEUX.

ESTUDO.
Há aqui um duplo ensinamento: primeiro, é o fato da magnetização de um Espírito por outros Espíritos, e do sono que lhe foi a conseqüência; e, em segundo lugar, da visão retrospectiva dos diferentes corpos que animou.
Há, pois, para os Espíritos, uma espécie de sono, o que é um ponto de contato a mais entre o estado corpóreo e o estado espiritual. Trata-se aqui, é verdade, do sono magnético, mas existiria para eles um sono natural semelhante ao nosso? Isto não teria nada de surpreendente, quando se vêem ainda Espíritos de tal modo identificados com o estado corpóreo, que tomam seu corpo fluídico por um corpo material, que crêem trabalhar como o faziam sobre a Terra, e que lhe sentem a fadiga. Se eles sentem a fadiga, devem sentir a necessidade do repouso, e podem acreditar se deitar e dormir, como crêem trabalhar, e ir em estrada de ferro. Dizemos que o crêem, para falar do nosso ponto de vista; porque tudo é relativo, e com relação à sua natureza fluídica, a coisa é inteiramente tão real quanto as coisas materiais o são para nós.
Não são senão os Espíritos de uma ordem inferior que têm semelhantes ilusões; quanto menos são avançados, mais seu estado se aproxima do estado corpóreo. Ora, esse não pode ser o caso do doutor Cailleux, Espírito avançado que se dá perfeitamente conta de sua situação. Mas nisso não é menos verdadeiro que teve a consciência de um entorpecimento análogo ao sono durante o qual viu suas diversas individualidades. Um membro da sociedade explica esse fenômeno desta maneira: No sono humano, só o corpo repousa, mas o Espírito não dorme. Deve ser o mesmo no estado espiritual; o sono magnético ou outro não deve afetar senão o corpo espiritual ou perispírito, e o Espírito deve se encontrar num estado relativamente análogo ao do Espírito encarnado durante o sono do corpo, quer dizer, conservar a consciência de seu ser. As diferentes encarnações do Sr. Cailleux, que seus guias espirituais queriam fazê-lo ver para sua instrução, puderam se apresentar a ele, como lembrança, da mesma maneira que as imagens se oferecem nos sonhos.
Esta explicação é perfeitamente lógica; foi confirmada pelos Espíritos que, provocando o relato do doutor Cailleux, quiseram nos fazer conhecer uma nova fase da vida de além-túmulo.

VISÃO RETROSPECTIVA DAS EXISTÊNCIAS DOS ESPÍRITOS.
A propósito do doutor Cailleux.
Um dos nossos correspondentes, de Lyon, nos escreveu o que segue:

"Fiquei surpreso que o espírito do doutor Cailleux tenha sido colocado num estado magnético para ver se desenrolar, diante dele, o quadro de suas existências passadas. (Revista de junho de 1866, página 175.) Isto parece indicar que o Espírito em questão não as conhecia; porque vejo em O Livro dos Espíritos que: "Depois da morte, a alma vê e abarca de um golpe de olhar suas emigrações passadas." (Cap. VI, n- 243.) Este fato não parece implicar uma contradição?"

Não há ali nenhuma contradição, uma vez que o fato vem, ao contrário, confirmar a possibilidade, para o Espírito, de conhecer suas existências passadas. O Livro dos Espíritos não é um tratado completo do Espiritismo; não faz senão colocar-lhe as bases e os pontos fundamentais, que devem se desenvolver sucessivamente pelo estudo e pela observação. Ele diz, em princípio, que depois da morte a alma vê suas emigrações passadas, mas não diz nem quando, nem como isto se faz: estão aí os detalhes da aplicação que estão subordinados às circunstâncias. Sabe-se que, entre os Espíritos atrasados, a visão é limitada ao presente, ou quase, como sobre a Terra; ela se desenvolve com a inteligência, e à medida que eles adquirem a consciência de sua situação. Não seria preciso crer, aliás, que, mesmo entre os Espíritos avançados, como o Sr. Cailleux, por exemplo, logo entrados no mundo espiritual, todas as coisas lhe aparecessem subitamente como numa mudança de decoração à vista, nem que têm constantemente sob os olhos o panorama do tempo e do espaço; quanto às suas existências anteriores, eles as vêem em lembrança, como vemos, pelo pensamento, o que éramos e o que fazíamos nos anos anteriores, as cenas de nossa infância, as posições sociais que ocupamos; essa lembrança é mais ou menos precisa ou confusa, algumas vezes é nula, segundo a natureza do Espírito, e segundo o que a Providência julga a propósito de a apagar ou reavivá-la, como recompensa, punição ou instrução. É um grande erro crer que as aptidões, as faculdades e as percepções são as mesmas em todos os Espíritos; como na encarnação, eles têm as percepções morais e as que se podem chamar materiais, que variam segundo os indivíduos.
Se o doutor Cailleux tivesse dito que os Espíritos não podem ter conhecimento de suas existências passadas, aí estaria a contradição, porque isso seria a negação de um princípio admitido; longe disso afirma o fato; somente, as coisas não se passam nele de maneira diferente que em outros, sem dúvida, por motivos de utilidade para ele, e para nós é um objeto de ensino, uma vez que isso nos mostra um dos lados do mundo espiritual. O Sr. Cailleux estava morto há pouco tempo; suas existências passadas
poderiam, pois, se retratarem ainda nitidamente em sua memória. Observamos, além disso, que aqui não era uma simples lembrança; era a própria visão das individualidades que tinha animado, a imagem de suas antigas formas perispirituais que se apresentava a ele; ora, o estado magnético no qual se encontrou, era provavelmente necessário à produção do fenômeno.
O Livro dos Espíritos foi escrito na origem do Espiritismo, numa época em que se estava longe de ter feito todos os estudos práticos que se fizeram depois; as observações ulteriores vieram desenvolver e completar os princípios dos quais havia colocado os germes, e é mesmo digno de nota que, até este dia, elas não fizeram senão confirmá-los, sem jamais contradizê-los nos pontos fundamentais.





Nota: Mensalmente a Sociedade Espírita Caminho da Paz realiza estudo específico sobre a Revista Espírita de Allan Kardec

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Uma reflexão sobre a pena de talião

A pena de talião.
Fonte :OQE- Kardec – preâmbulo


Para responder, desde agora e sumariamente, à questão formulada no título deste estudo, nós diremos que:
O Espiritismo é ao mesmo tempo uma
ciência de observação e uma doutrina filosófica.

 Como ciência prática, ele consiste nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos;
 como filosofia, ele compreende todas as conseqüências morais que decorrem dessas relações.

Pode-se defini-lo assim:
O Espiritismo é uma ciência que trata:
1. da natureza,
2. da origem
3. e da destinação dos Espíritos, e das suas relações com o mundo corporal.

Analisando um caso real - (Sociedade, 9 de agosto de 1861. Médium Sr. d'Ambel.) RE 1861 - AK

Um correspondente da Sociedade lhe transmite a nota seguinte: O Sr. Antônio B..., um de meus parentes, escritor de mérito, estimado por seus concidadãos, tendo cumprido com distinção e integridade funções públicas na Lombardia, caiu, há mais ou menos dez anos, em conseqüência de um ataque de apoplexia, num estado de morte aparente que se toma, infelizmente, como isso ocorre algumas vezes, pela morte real. O erro era tanto mais fácil quanto se havia acreditado perceber sobre o corpo sinais de decomposição. Quinze dias depois do sepultamento, uma circunstância fortuita determinou a família a pedir a exumação; tratava-se de um medalhão esquecido por inadvertência no caixão; mas o estupor dos assistentes foi grande quando, na abertura, reconheceu-se que o corpo tinha mudado de posição, que estava virado e, coisa horrível! que uma das mãos estava em parte comida pelo defunto. Foi então manifestado que o infeliz Antônio B... havia sido enterrado vivo; devera sucumbir sob os apertos do desespero e da fome. Seja como for, desse triste acontecimento e de suas conseqüências morais, não seria interessante, do ponto de vista espírita e psicológico, fazer, a esse respeito, uma investigação no mundo dos Espíritos?"

1. Evocação de Antônjo B... - R. Que quereis de mim?

2. Um de vossos parentes nos pediu para vos evocar; fazemo-lo com prazer, e seremos felizes se quiserdes bem nos responder. - R. Sim, eu quero bem vos responder.

3. Lembrai-vos das circunstâncias de vossa morte? - R. Ah! certamente sim! Eu as lembro; por que despertar essa lembrança de castigo?

4. É certo que fostes enterrado vivo por engano? - R. Isso deveria ser assim, porque a morte aparente teve todos os caracteres de uma morte real; eu estava quase exangue. Não se deve imputar a ninguém um fato previsto desde de antes de meu nascimento.

5. Se estas perguntas são de natureza a vos causar pena, é preciso cessá-las? - R. Não, continuai.

6. Gostaríamos de vos saber feliz, porque deixastes a reputação de um homem honesto. - R. Eu vos agradeço muito, sei que orareis por mim. Vou tratar de responder, mas se eu fracassar um de vossos guias habituais isso suprirá.

7. Poderíeis descrever as sensações que experimentastes nesse terrível momento? - R. Oh! que dolorosa prova! Sentir-se encerrado entre quatro tábuas, de maneira a não poder mexer, nem mudar de lugar! Não poder chamar; a voz não ressoando mais num meio privado de ar.
Oh! que tortura senão a de um infeliz que se esforça em vão para respirar numa atmosfera insuficiente e desprovida da parte respirável! Ai de mim! Estava como um condenado na goela de um forno, salvo o calor. Oh! não desejo a ninguém semelhantes torturas! Não, não desejo a ninguém um fim como o meu! Ai! cruel punição de uma cruel e feroz existência! Não me pergunteis em que eu pensava, mas mergulhava no passado e entrevia vagamente o futuro.

7. Dissestes: cruel punição de uma feroz existência; mas vossa reputação, até este dia intacta, não fazia nada supor de semelhante. Podereis nos explicar isto? - R. O que é a duração de uma existência na eternidade! Certamente, tratei de agir bem em minha última encarnação; mas esse fim fora aceito por mim antes de reentrar na humanidade. Ah! por que me interrogar sobre esse passado doloroso que só eu conhecia, assim como os Espíritos, ministros do Todo-Poderoso? Sabei, pois, uma vez que falta vo-lo dizer, que numa existência anterior, eu emparedara uma mulher, a minha! Toda viva numa sepultura! Foi a pena de talião que devi me aplicar! Dente por dente, olho por olho.

8. Nós vos agradecemos por ter consentido em responder às nossas perguntas, e rogamos a Deus para vos perdoar o passado em favor do mérito de vossa última existência. - R. Retornarei mais tarde; de resto, o Espírito de Erasto quererá bem completar.

Reflexões de Lamennais sobre essa evocação.
Deus é bom! Mas o homem para chegar à perfeição, deve suportar provas mais cruéis. Esse infeliz viveu vários séculos durante a sua agonia desesperada, e embora sua vida tenha sido honrosa, essa prova deveria ocorrer, uma vez que a escolhera.
Reflexões de Erasto.

O que deveis tirar deste ensinamento é que todas as vossas existências se ligam, e que nenhuma é independente das outras; os cuidados, os aborrecimentos, como as grandes dores que magoam os homens, são sempre as conseqüências de uma vida anterior criminosa ou mal empregada. No entanto, devo dize-lo, os fins semelhantes ao de Antônio B... são raros, e se esse homem, cuja última existência foi isenta de censura, acabou desse modo, foi porque ele mesmo solicitou uma morte semelhante, a fim de abreviar o tempo de sua erraticidade e alcançar mais rapidamente as esferas elevadas. Com efeito, depois de um período de perturbação, para expiar ainda seu crime espantoso, ele será perdoado e se elevará para um mundo melhor, onde encontrará a sua vítima que o espera e que já há muito tempo o perdoou. Sabei, pois, tirar o vosso proveito desse exemplo cruel, para suportar com paciência, ó meus caros Espíritas, os sofrimentos corporais, os sofrimentos morais, e todas as pequenas misérias da vida.

Perg. Que proveito pode a Humanidade retirar de semelhantes punições? –
R. Os castigos(resgates) não são feitos para desenvolver a Humanidade, mas para o indivíduo culpado. Com efeito, a Humanidade não tem nenhum interesse em ver um dos seus sofrer. Aqui a punição (resgate) está apropriada à falta. Por que os loucos? Por que os cretinos? Por que as pessoas paralíticas? Por que aqueles que morrem no fogo? Por que aqueles que vivem anos nas torturas de uma longa agonia, não podendo nem viver, nem morrer? Ah! Crede-me, respeitai a vontade soberana e não procureis sondar as razões dos decretos providenciais; sabei-o! Deus é justo e faz bem o que faz. (ERASTO).

Nota. Não há neste fato um grande e terrível ensinamento? Assim a justiça de Deus alcança sempre o culpado, e por ser algumas vezes tardia, não segue menos o seu curso. Não é eminentemente moral saber que, se grandes culpados terminam a sua existência pacificamente e, freqüentemente, na abundância de bens terrestres, a hora da expiação soará cedo ou tarde? Penas dessa natureza se compreendem, não somente porque, de alguma sorte, estão sob os nossos olhos, mas porque são lógicas; crê-se nelas porque a razão as admite; ora, perguntamos se esse quadro que o Espiritismo faz desenrolar, a cada instante, diante de nós, não é mais próprio para impressionar e deter sobre a borda do abismo, do que o medo das chamas eternas, nas quais não se crê. Que se releiam somente as evocações que publicamos nesta Revista, e ali ver-se-á que não há um vício que não tenha o seu castigo, e não há uma virtude que não tenha a sua recompensa proporcionada ao mérito ou ao grau de culpabilidade, porque Deus leva em conta todas as circunstâncias que podem atenuar o mal ou aumentar o prêmio do bem.


Também poderemos encontrar este caso no O Céu e o Inferno – Expiações Terrestres.


Penas tais são compreensíveis, não só por estarem mais ou menos ao alcance das nossas vistas, como por serem lógicas. Cremos, porque a razão admite. Uma existência honrosa não exclui, portanto, as provações da vida, que são escolhidas e aceitas como complemento de expiação — o restante do pagamento de uma dívida saldada antes de receber o preço do progresso realizado.
Considerando quanto nos séculos passados eram freqüentes, mesmo nas classes mais elevadas e esclarecidas, os atos de barbaria que hoje repugnam; quantos assassínios cometidos nesses tempos de menosprezo pela vida de outrem, esmagado o fraco pelos poderosos sem escrúpulo; então compreenderemos que muitos dos nossos contemporâneos têm de expungir máculas passadas, e tampouco nos admiraremos do número considerável de pessoas que sucumbem vitimadas por acidentes isolados ou por catástrofes coletivas. O despotismo, o fanatismo, a ignorância e os prejuízos da Idade Média e dos séculos que se seguiram, legaram às gerações futuras uma dívida enorme, que ainda não está saldada. Muitas desgraças nos parecem imerecidas, somente porque apenas vemos o presente.

764. Disse Jesus: Quem matou com a espada, pela espada perecerá. Estas palavras não consagram a pena de talião e, assim, a morte dada ao assassino não constitui uma aplicação dessa pena?

“Tomai cuidado! Muito vos tendes enganado a respeito dessas palavras, como acerca de outras. A pena de talião é a justiça de Deus. É Deus quem a aplica. Todos vós sofreis essa pena a cada instante, pois que sois punidos naquilo em que haveis pecado, nesta existência ou em outra. Aquele que foi causa do sofrimento para seus semelhantes virá a achar-se numa condição em que sofrerá o que tenha feito sofrer. Este o sentido das palavras de Jesus. Mas, não vos disse ele também: Perdoai aos vossos inimigos? E não vos ensinou a pedir a Deus que vos perdoe as ofensas como houverdes vós mesmos perdoado, isto é, na mesma proporção em que houverdes perdoado, compreendei-o bem?”

Mais informações: Quais os ensinamentos que o fato acima faz-nos refletir um pouco mais:

Sobre a Justiça Divina e como o Espírito em contraste com a Lei deve agir para o seu realinhamento:
Fonte: CI – AK - Enfoques da pena
VII -
6º — O bem e o mal que fazemos decorrem das qualidades que possuímos. Não fazer o bem quando podemos é, portanto, o resultado de uma imperfeição. Se toda imperfeição é fonte de sofrimento, o Espírito deve sofrer não somente pelo mal que fez como pelo bem que deixou de fazer na vida terrestre.

16º — O arrependimento, conquanto seja o primeiro passo para a regeneração, não basta por si só; são precisas a expiação e a reparação.
Arrependimento, expiação e reparação constituem, portanto, as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e suas conseqüências. O arrependimento suaviza os travos da expiação, abrindo pela esperança o caminho da reabilitação; só a reparação, contudo, pode anular o efeito destruindo-lhe a causa. Do contrário, o perdão seria uma graça, não uma anulação.

7º — O Espírito sofre pelo mal que fez, de maneira que,sendo a sua atenção constantemente dirigida para as conseqüências desse mal, melhor compreende os seus inconvenientes e trata de corrigir-se.

132. Qual o objetivo da encarnação dos Espíritos?
“Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los chegar à perfeição. Para uns, é expiação; para outros, missão.
Mas, para alcançarem essa perfeição, têm que sofrer todas as vicissitudes da existência corporal: nisso é que está a expiação. Visa ainda outro fim a encarnação: o de pôr o Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da criação. Para executá-la é que, em cada mundo, toma o Espírito um instrumento, de harmonia com a matéria essencial desse mundo, a fim de aí cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus. É assim que, concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta.”


ESCOLHA DAS PROVAS
258. Quando na erraticidade, antes de começar nova existência corporal, tem o Espírito consciência e previsão do que lhe sucederá no curso da vida terrena?
“Ele próprio escolhe o gênero de provas por que há de passar e nisso consiste o seu livre-arbítrio.”

264. Que é o que dirige o Espírito na escolha das provas que queira sofrer?
“Ele escolhe, de acordo com a natureza de suas faltas, as que o levem à expiação destas e a progredir mais depressa.
 Uns, portanto, impõem a si mesmos uma vida de misérias e privações, objetivando suportá-las com coragem;
 outros preferem experimentar as tentações da riqueza e do poder, muito mais perigosas, pelos abusos e má aplicação a que podem dar lugar, pelas paixões inferiores que uma e outros desenvolvem;
 muitos, finalmente, se decidem a experimentar suas forças nas lutas que terão de sustentar em contacto com o vício.”

266. Não parece natural que se escolham as provas menosdolorosas?
“Pode parecer-vos a vós; ao Espírito, não. Logo que este se desliga da matéria, cessa toda ilusão e outra passa a ser a sua maneira de pensar.”

269. Pode o Espírito enganar-se quanto à eficiência da prova que escolheu?
“Pode escolher uma que esteja acima de suas forças e sucumbir. Pode também escolher alguma que nada lhe aproveite,
como sucederá se buscar vida ociosa e inútil. Mas, então,voltando ao mundo dos Espíritos, verifica que nada ganhou e pede outra que lhe faculte recuperar o tempo perdido.”

998. A expiação se cumpre espiritual?
“A expiação se cumpre durante a existência corporal, mediante as provas a que o Espírito se acha submetido e, na vida espiritual, pelos sofrimentos morais, inerentes ao estado de inferioridade do Espírito.”

999. Basta o arrependimento durante a vida para que as faltas do Espírito se apaguem e ele ache graça diante de Deus?
“O arrependimento concorre para a melhoria do Espírito, mas ele tem que expiar o seu passado.”

a) — Se, diante disto, um criminoso dissesse que, cumprindo-lhe, em todo caso, expiar o seu passado, nenhuma necessidade tem de se arrepender, que é o que daí lhe resultaria?
“Tornar-se mais longa e mais penosa a sua expiação, desde que ele se torne obstinado no mal.”

sábado, 2 de julho de 2011

Estudo sobre a Mediunidade - parte 5 - finalizando

6. O exercício da mediunidade
Na seção 2 deste trabalho vimos que se deve fazer uma distinção clara entre a mediunidade, enquanto faculdade, e o seu uso ou exercício. Se a faculdade em si é neutra, o mesmo não vale para o seu uso, que pode ser bom ou mau, dependendo da condição moral do médium.
Na Introdução de O Livro dos Médiuns Kardec destaca entre os objetivos da obra a orientação para que a mediunidade seja empregada de modo útil. Um requisito essencial para isso é a compreensão de sua natureza e mecanismos, no que o Espiritismo tem contribuído de forma decisiva. Respeitando a liberdade humana, ele não poderia prescrever normas de conduta para os médiuns de maneira cega, impositiva, sem um esclarecimento racional da sua necessidade. Éfacil constatar a justeza da afirmação de Kardec, nessa mesma Introdução, de que "as dificuldades e os desenganos com que muitos topam na prática do Espiritismo se originam na ignorância dos princípios desta ciência".
A preocupação com a compreensão e o exercício corretos da mediunidade vem sendo partilhada pelos espíritas sérios, que se conscientizaram da necessidade do crescimento espiritual do médium para que sua faculdade seja bem empregada. Muitos dos grandes autores espíritas dos dois planos da vida nos têm legado estudos e lições preciosas sobre a mediunidade e seu objetivo. Procuraremos, no que se vai seguir, compilar alguns desses ensinamentos.
Comecemos, no entanto, com O Livro dos Médiuns, em cujo parágrafo 226 Kardec pergunta aos Espíritos (no 3):
Os médiuns que fazem mau uso de suas faculdades, que não se servem delas para o bem, ou que não as aproveitam para se instruírem, sofrerão as conseqüências dessa falta?
"Se delas fizerem mau uso, serão punidos duplamente, porque têm um meio a mais de se esclarecerem e não o aproveitam. Aquele que vê claro e tropeça é mais censurável do que o cego que cai no fosso."
A questão da responsabilidade moral do uso da mediunidade é semelhante à das demais faculdades do homem. Aquele que emprega mal a inteligência, a palavra, os dotes artísticos ou a força física arcará com as conseqüências desse emprego, devendo expiar e reparar as faltas cometidas. No caso da mediunidade há um agravante, conforme se salienta na resposta dada, pois ela é poderoso recurso iluminativo.
É por meio da mediunidade que nos certificamos de nossa natureza imortal, fato de suma importância, em torno do qual gira todo o Espiritismo e sua doutrina moral. É ela que nos desvenda a vida futura, possibilitando-nos conhecer de modo abrangente os efeitos de nossas ações. Ajuizaremos então com mais acerto sobre o que nos convém ou não fazer, com vistas à nossa felicidade integral.
Para nós, os encarnados, a mediunidade constitui advertência contra o equívoco de tudo considerarmos do ponto de vista de nossos interesses materiais e imediatos, incentivando-nos a lutar contra o egoísmo, o embrutecimento dos prazeres, a estagnação do conhecimento.
Para os desencarnados sofredores, revoltados ou aturdidos, representa muitas vezes a via preferencial de despertamento, possibilitando-lhes retomar o progresso espiritual. A maioria das instituições espíritas em nosso país hoje em dia centraliza sua atuação mediúnica precisamente nessa tarefa, tão louvável pelos benefícios que espalha, mas também tão delicada em sua condução, exigindo muito preparo da equipe, quer no que concerne ao conhecimento doutrinário e à disciplina, quer quanto ao espírito fraterno e à devoção incondicional ao bem do próximo.
A esse respeito adverte Emmanuel no capítulo "Examinando a mediunidade" do livro Encontro Marcado:
O exercício da mediunidade nas tarefas espíritas exige larga disciplina mental, moral e física, assim como grande equilíbrio das emoções.
Na obra Educação e Vivência, lição "Mediunidade e problemas", o Espírito Camilo tece as seguintes considerações, ainda dentro desse tópico:
Tristemente, porém, muitas dessas criaturas que se sabem ou se imaginam médiuns não são bafejadas pelos recursos de amadurecido estudo, a fim de que compreendam o que é que se passa nesse vasto território dos fenômenos psíquicos.
Seria de esperar que os indivíduos que se embrenham pelos bosques das percepções mediúnicas fossem caindo em si, aprendendo que todos terão que dar conta desses talentos formidáveis que lhes são concedidos, nas experiências terrenas, na condição de empréstimo, proporcionando liberdade e ventura íntimas, logrando evadir-se dos tormentosos episódios do pretérito culposo ou negligente.
E em Cintilação das Estrelas (capítulo 32) esse lúcido Espírito prossegue no assunto:
Em mediunidade é importante que o médium se aplique em melhorar-se a si próprio, ampliando as percepções, iluminando-se a cada hora, nas lutas que deve enfrentar, na pauta do cotidiano.
O desenvolvimento da mediunidade marcha ladeando o desenvolvimento do médium. Quanto melhor o indivíduo, maior a sua fulgência mediúnica no bem.
Aprimore-se o homem para que se lhe ampliem as posições de sensibilidade mediúnica.
Têm-se infelizmente observado muitos agrupamentos mediúnicos descuidados quanto às superiores finalidades da mediunidade, bem como quanto às diretrizes doutrinárias que devem guiar sua prática. Não raro desenvolvem suas atividades de forma ritualística, tratando os médiuns como simples máquinas de comunicação. No momento do intercâmbio, os trabalhadores assumem posturas formais, como que denotando concentração e devoção ao bem, mas que nem sempre se fazem acompanhar das atitudes íntimas correspondentes. Manoel Philomeno de Miranda comentou esse tópico no capítulo intitulado "Mediunidade e viciação", do livro Sementeira da Fraternidade (p. 123):
O médium é filtro por cuja mente transitam as notícias da vida além-da-vida.
Nesse sentido, consideramos a concentração mental de modo diverso dos que a comparam a interruptor de fácil manejo que, acionado, oferece passagem à energia comunicante, sem mais cuidados... A concentração, por isso mesmo, deve ser um estado habitual da mente em Cristo, e não uma situação passageira junto ao Cristo.
Já analisamos na seção 3 a situação na qual o aparecimento da faculdade mediúnica se dá juntamente com desequilíbrios físico-espirituais variados, destacando o erro dos que consideram tais distúrbios como uma conseqüência da mediunidade em si. Em Educação e Vivência (p. 111), Camilo enfoca outro ângulo dessa questão:
A decantada "mediunidade de provas" não passa de episódio no qual alguém em provas e sérias expiações recebeu da Divina Misericórdia as excelênicas da sensibilidade mediúnica, através de cujas portas será chamado ou convocado à assunção de responsabilidades, bem como ao cumprimento dos deveres para com Deus, através do próximo.
Dessa forma a mediunidade, mesmo quando se apresente assinalada por impertinentes padecimentos dos médiuns, representa para eles a mão da Celeste Providência evitando dores maiores e tormentos mais acerbos.
A origem do nosso sofrimento, da nossa aflição, não reside na mediunidade, mas a bagagem de desacertos que ainda trazemos, acumulada nesta e em vidas pregressas. É por isso que nossos recursos mediúnicos, neutros em si memos, amiúde ainda se ligam aos mundos de sombra. Mal empregada, a mediunidade significará o cultivo da ignorância, a disseminação da dúvida e da mentira, o insuflamento do egoísmo e do orgulho, da vaidade e do personalismo, o verbo e o texto degradantes, a manipulação de forças mentais deletérias, a porta aberta às obsessões.
No capítulo 39 do livro Sementeira da Fraternidade, Vianna de Carvalho descreve a mediunidade como "canal cósmico por onde transitam seguras as consolações e esperanças para o atribulado espírito humano" (p. 179), destacando outro aspecto da mediunidade: o consolo que prodigaliza ao homem em sua vida de incertezas e de dores. Que de mais belo existe do que saber que o abismo que se imagina existir entre nós e os entes queridos que já partiram não é intransponível; que os sofrimentos que não conseguimos evitar têm causas justas ligadas ao nosso passado!...
Dádiva com que a misericórdia divina nos favorece, informando-nos de nossa natureza de seres imortais, a mediunidade bem empregada reveste as formas de esclarecimento acerca da vida além-túmulo, de consolo para os que perderam a esperança, de advertência salvadora para os equivocados, de amparo para os que cambaleiam, de recursos terapêuticos para os que enfermaram, de despertamento para os sofredores e os trânsfugas do dever que já cruzaram a aduana da morte. Daí a necessidade de desenvolvermos esse abençoado talento, nos trabalhos da caridade, nos exercícios constantes de benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições dos outros, de perdão das ofensas, conforme a questão 886 de O Livro dos Espíritos.
Reconheçamos, acima de tudo, que mais importante do que sermos bons médiuns, no que toca à faculdade, é sermos médiuns bons, a serviço de Jesus.


Referências bibliográficas
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VIANNA DE CARVALHO. "Hipnose e mediunidade", in: Sementeira da Fraternidade. (Ditado por Espíritos diversos a Divaldo Pereira Franco.) 3a ed., Salvador, Livraria Espírita Alvorada Editora, 1979. Capítulo 39, pp. 177-81.
(Artigo publicado em Reformador de agosto de 1987, pp. 240-43 e 253-55.)

Estudo sobre a Mediunidade - parte 4

5. As modalidades mediúnicas
Um aspecto importante dos esclarecimentos de André Luiz é que permitem compreender não somente como se dá o fenômeno mediúnico, mas também o porquê da existência de diferentes modalidades de mediunidade. Observamos, pelos trechos citados, que a faculdade mediúnica será deste ou daquele tipo conforme a região do organismo em que as células do perispírito apresentem maiores possibilidades de desvinculação das que lhe correspondem no corpo físico. Desse modo, segundo o exemplo dado, se for nos órgãos da visão que ocorre a maior liberdade das células do perispírito, a mediunidade assumirá a forma de vidência; se nos órgãos da audição, a de audiência; se nos da fala, a de psicofonia, e assim por diante.
Devemos notar, no entanto, que os órgãos a que se refere André Luiz são, conforme se depreende de outras passagens de sua obra, não tanto os órgãos periféricos olhos, ouvidos, mãos etc. , mas fundamentalmente as regiões do cérebro responsáveis por seu comando. De fato, a ciência mostrou que há no cérebro grupos de neurônios (células nervosas) mais ou menos especializados para as diversas faculdades sensoriais e motoras. No caso da visão, por exemplo, tais neurônios recebem, através do nervo óptico, os impulsos elétricos gerados na retina do olho, sinais esses que a alma interpreta como imagens. O mesmo se dá, mutatis mutandis, com os demais sentidos. No caso das funções motoras, ao comando da alma determinados centros cerebrais enviam, através dos diferentes nervos, impulsos elétricos aos músculos, resultando daí os movimentos corporais.
Kardec dividiu os médiuns em duas grandes categorias: os de efeitos físicos e os de efeitos intelectuais. Os primeiros são "aqueles que têm o poder de provocar efeitos materiais, ou manifestações ostensivas"; os segundos, "os que são mais especialmente próprios a receber e a transmitir comunicações inteligentes" (O Livro dos Médiuns, parágrafo 187). Para fins didáticos, é conveniente subdividir a categoria de efeitos inteligentes em dois grupos: efeitos sensoriais (percepção da realidade espiritual na forma de uma impressão dos sentidos) e efeitos intelectuais propriamente ditos (transmissão de uma mensagem inteligente pela palavra escrita, oral, por gestos etc.).

Estudo sobre a Mediunidade - parte 3

4. Os mecanismos da mediunidade
Na presente seção procuraremos reunir alguns informes sobre os mecanismos da faculdade mediúnica, ou seja, sobre como se dá o fenômeno mediúnico. A fonte básica continuará sendo Allan Kardec. Iniciemos com este trecho, já parcialmente transcrito, do capítulo "Manifestações dos Espíritos" de Obras Póstumas (§ 6, no 34; o destaque é nosso):
O fluido perispirítico é o agente de todos os fenômenos espíritas, que só se podem produzir pela ação recíproca dos fluidos que emitem o médium e o Espírito. O desenvolvimento da faculdade mediúnica depende da natureza mais ou menos expansível do perispírito do médium e da maior ou menor facilidade da sua assimilação pelo dos Espíritos.
Esmiuçando as informações aqui contidas, notamos:
1. O perispírito desempenha papel de capital importância no processo mediúnico.
2. Sendo o perispírito "o agente de todos os fenômenos espíritas", e estes só podendo produzir-se pela ação recíproca dos fluidos que emitem o médium e o Espírito, temos como regra sem exceções que, ocorrendo um fenômeno de comunicação com o mundo espiritual, necessariamente haverá a participação de um médium. Em alguns casos, como em certas manifestações de efeitos físicos, não se nota a presença do médium, mas podemos estar certos de que haverá alguém, em algum lugar, servindo de médium, ainda mesmo que este não esteja consciente do papel que desempenha. Também percebemos que serão vãos os esforços de certos pesquisadores que, desprezando a riquíssima contribuição do Espiritismo para o estudo daquilo que (impropriamente) denominam "paranormalidade", tentam detectar o Espírito unicamente por meio de aparelhos. Se algum instrumento chegar a registrar um espírito, é porque houve a participação oculta de algum médium. Neste caso, seria mais confiável analisar a manifestação diretamente, sem o recurso indireto de instrumentos, que sempre constituem fonte adicional de incertezas.
3. A presença da faculdade mediúnica em alguém liga-se à possibilidade de seu perispírito "expandir-se". Veremos logo mais que essa "expansão" do corpo espiritual pode ser entendida como a sua parcial desvinculação do corpo físico.
4. A efetivação da comunicação exige, além da "expansão" do perispírito do médium, a assimilação deste com o perispírito do Espírito comunicante, ou seja, tem de haver sintonia entre ambos. Esse fato importante, de que o médium em geral não é capaz de comunicar-se indiscriminadamente com todos os Espíritos, é exposto em Obras Póstumas imediatamente após o trecho que acabamos de transcrever (§ 6, no 35; os grifos são nossos):
As relações entre os Espíritos e os médiuns se estabelecem por meio dos respectivos perispíritos, dependendo a facilidade dessas relações do grau de afinidade existente entre os dois fluidos. Alguns há que se combinam facilmente, enquanto outros se repelem, donde se segue que não basta ser médium para que uma pessoa se comunique indistintamente com todos os Espíritos. Há médiuns que só com certos Espíritos podem comunicar-se ou com Espíritos de certas categorias, e outros que não o podem a não ser pela transmissão do pensamento, sem qualquer manifestação exterior.
No exame do assunto do item 3, podemos colher subsídios em André Luiz, o autor espiritual que tanto tem contribuído para a extensão de nosso conhecimento científico acerca da mediunidade. Em sua obra Evolução em Dois Mundos, ao analisar a fase evolutiva em que se elaborava a faculdade de desprendimento do veículo perispiritual durante o sono (capítulo 17, item "Mediunidade espontânea"), adianta esta valiosa informação (grifamos):
Consolidadas semelhantes relações com o Plano Espiritual [...], começaram na Terra os movimentos de mediunidade espontânea, porquanto os encarnados que demonstrassem capacidades mediúnicas mais evidentes, pela comunhão menos estreita entre as células do corpo físico e do corpo espiritual, em certas regiões do campo somático, passaram das observações durante o sono às da vigília, a princípio fragmentárias, mas acentuáveis com o tempo [...].
Vemos, assim, que o respeitado cientista deixa entrever a correlação íntima entre a possibilidade de contato com a realidade espiritual durante a vigília (mediunidade) e um certo "afrouxamento" das ligações entre as células do perispírito e as suas correspondentes do corpo material. Prosseguindo, André Luiz explicita mais essa correlação:
Quanto menos densos os elos de ligação entre os implementos físicos e espirituais, nos órgãos da visão, mais amplas as possibilidades na clarividência, prevalecendo as mesmas normas para a clariaudiência e modalidades outras, no intercâmbio entre as duas esferas [...].
Refletindo um pouco sobre as assertivas de André Luiz, verificamos, inicialmente, que não conflitam com a explicação dada por Kardec, em termos da capacidade de expansão do perispírito do médium. Há, pelo contrário, até um reforço, já que a noção de "expansão" é aqui suficientemente abrangente e flexível para permitir ulteriores elaborações e detalhamentos, dentro da natureza eminentemente progressiva do Espiritismo. Podemos compreender, deste modo, a "expansibilidade" do perispírito como a sua faculdade de desvinculação parcial e temporária do corpo físico, passando, nesse estado especial, a partilhar da realidade do mundo espiritual para nela colher impressões diversas, sem no entanto perder a possibilidade de atuação sobre o corpo denso.
É fundamental deixar claro que o que acabamos de expor não corrobora de modo algum a idéia popular de que no processo mediúnico o Espírito do médium "sai" e "dá lugar" ao Espírito comunicante, que passaria então a servir-se diretamente do corpo do médium. Os Instrutores Espirituais já esclareceram a Kardec, no importante capítulo "Do papel do médium nas comunicações espíritas" de O Livro dos Médiuns que essa idéia não corresponde à realidade. A mensagem sempre passa pelo Espírito do médium, mesmo quando ele não guarda disso a consciência ao despertar do transe. Vejamos o que dizem no item sexto do parágrafo 223:
O Espírito que se comunica por um médium transmite diretamente o seu pensamento, ou este tem por intermediário o Espírito do médium?
"É o Espírito do médium que é o intérprete, porque está ligado ao corpo que serve para falar e por ser necessária uma cadeia entre vós e os Espíritos que se comunicam, como é preciso um fio elétrico para comunicar à grande distância uma notícia e, na extremidade do fio, uma pessoa inteligente que a receba e transmita."
Compreendemos então que, em última instância, o comando do veículo físico só pode ser feito pelo seu próprio "dono". Poderíamos dizer que o corpo material é feito "sob medida" para cada Espírito, e que não "serve" para nenhum outro. O Espírito estranho não tem como agir diretamente sobre as células materiais formadas sob a influência de outro Espírito e para o seu próprio uso.
É interressante notar que nas questões seguintes à transcrita os Espíritos frisam mesmo enfrentando uma oposição inicial de Kardec que essa é uma regra absoluta, sem exceções, nem mesmo na mediunidade dita "mecânica", ou ainda nos casos de efeitos físicos onde uma mensagem inteligente é transmitida (tiptologia, escrita por meio de pranchetas etc). Vemos, na questão 10 do referido parágrafo, que os Espíritos expressam indiretamente sua desaprovação a esse modo de denominar a mediunidade na qual o médium não guarda consciência do conteúdo da cominicação: o médium jamais atua como máquina, mecanicamente.
Resumindo o conteúdo desta seção:
O perispírito desempenha papel essecial em todos os processos mediúnicos.
A faculdade mediúnica liga-se à possibilidade de o perispírito desvincular-se parcialmente do corpo físico durante a vigília.
A comunicação não se efetiva sem que haja sintonia entre os perispíritos do médium e do Espírito.
A comunicação espiritual, ainda que de efeitos físicos, sempre passa pelo Espírito do médium.