domingo, 25 de janeiro de 2015

A vida no mundo espiritual por um médico russo - Espíritos Felizes. O Céu e o Inferno - Allan Kardec

UM MÉDICO RUSSO

M. P..., de Moscou, era um médico tão eminente pelo saber como pelas qualidades morais. Quem o evocou apenas o conhecia por tradição, não havendo tido com ele relações sequer indiretas. A original comunicação foi dada em idioma russo. - P. (Depois da evocação.) Estais presente?
- R. Sim. No dia da minha morte vos persegui com a minha presença, e resististes às tentativas que fiz para escreverdes. As palavras, que a meu respeito dissestes, deram ocasião a que vos reconhecesse, e daí o desejo de me entreter convosco para vosso benefício.

- P. Bom como éreis, por que sofrestes tanto?
- R. Porque ao Senhor aprouve fazer-me sentir duplamente por esse meio o preço da minha libertação, querendo ao mesmo tempo que na Terra progredisse o mais possível.

- P. A ideia da morte causou-vos terror?
- R. Tinha bastante fé em Deus para que tal não sucedesse.

- P. O desprendimento foi doloroso?
- R. Não. Isso que denominais últimos momentos, nada é. Eu apenas senti um rápido abalo, para encontrar-me logo feliz, inteiramente desembaraçado da mísera carcaça.

- P. E que sucedeu depois?
- R. Tive o prazer de ver aproximarem-se inúmeros amigos, notadamente os que tive a satisfação de ajudar, dando-me todos as boas-vindas.

- P. Que regiões habitais? Acaso algum planeta?
- R. Tudo que não seja planeta, constitui o que chamais Espaço e é neste que permaneço. O homem não pode, contudo, calcular, fazer uma ideia, sequer, do número de gradações desta imensidade. Que infinidade de escalas nesta escada de Jacob que vai da Terra ao Céu, isto é, do aviltamento da encarnação em mundo inferior, como esse, até à depuração completa da alma! Ao lugar em que ora me encontro não se chega senão depois de uma série enorme de provas, ou, por outra, de encarnações.

- P. Logo, deveis ter tido multas existências?
- R. Nem podia ser de outra maneira. Nada há excepcional na ordem imutável do Universo, estabelecida por Deus. A recompensa só pode vir depois da luta vencida: assim, se grande for aquela é que também esta o foi e necessariamente. Mas a vida humana é tão curta que a luta apenas se trava por intervalos, que são as diferentes e sucessivas encarnações. É fácil, pois, concluir que, estando eu num dos graus elevados, o atingi depois de uma série de combates, nos quais Deus me permitiu saísse vitorioso algumas vezes.

- P. Em que consiste a vossa felicidade?
- R. Isso é mais difícil de vos fazer compreender. Essa ventura que gozo é uma espécie de contentamento extremo de mim mesmo, não pelos meus merecimentos - o que seria orgulho - e este é predicado de Espíritos atrasados - mas contentamento como que saturado, imerso no amor de Deus, no reconhecimento da sua infinita bondade. Em suma, é a alegria que nos infunde o bem, podendo supor-se ter a seu arbítrio contribuído para o progresso de outros, que se elevaram até o Criador. Ficamos como que identificados com esse bem-estar, que é uma espécie de fusão do Espírito com a bondade divina. Temos o dom de ver os Espíritos mais adiantados, de compreender-lhes a missão, de saber que também nós a tanto chegaremos; no infinito incomensurável, entrevemos as regiões em que rútilo esplende o fogo divino, a ponto de deslumbrar-nos, mesmo através do véu que as envolve.
Mas, que digo? Compreendeis as minhas palavras? Acreditais ser esse fogo, a que me refiro, comparável ao Sol, por exemplo? Não, nunca. É uma coisa indizível ao homem, uma vez que as palavras só exprimem para ele coisas físicas ou metafísicas que conhece de memória ou intuitivamente. Desde que o homem não pode guardar na memória o que absolutamente desconhece, como insinuar-se-lhe a percepção? Ficai porém ciente de que é já uma grande ventura o pensar na possibilidade de progredir infinitamente.

- P. Tivestes a bondade de exprimir o desejo de me ser útil: peço-vos me digais em quê.
- R. Posso ajudar-vos e amparar nos desfalecimentos, fortalecer nos momentos de desânimo, consolar nos de aflição. Se a vossa fé se abalar e qualquer comoção vos perturbar, evocai-me, porque Deus me permitirá vo-lo fazer lembrado, atraindo-vos para Ele. Se vos sentirdes prestes a sucumbir ao peso das más tendências, que a própria consciência acuse de culposas, chamai-me ainda, porque eu vos ajudarei a carregar a vossa cruz, tal como a Jesus ajudaram a carregar aquela donde tão solenemente deveria proclamar a verdade, a caridade. Se vacilardes ao peso dos próprios dissabores, quando o desespero de vós se apodere, ainda uma vez chamai-me para que venha arrancar-vos do abismo, falando-vos espiritualmente, lembrando deveres impostos, não por considerações sociais ou materiais, mas pelo amor que vos transfundirei na alma, amor por Deus a mim concedido em favor dos que por ele podem salvar-se.
Certo, na Terra tendes amigos, os quais, compartilhando das vossas angústias, talvez já vos tenham salvo. Em momentos aflitivos tratais de procurar esses amigos, que dão conselhos, apoio, carícias... Pois bem: ficai certo de que no Espaço também podeis ter amigos, úteis e prestantes.
É uma consolação poder-se dizer: Quando eu morrer, enquanto à cabeceira do leito os amigos da Terra chorarem e pedirem, os do Espaço, no limiar da vida, Irão sorridentes conduzir-me ao lugar adequado aos meus méritos e virtudes.

- P. Por que faço jus a essa proteção que quereis dispensar-me?
- R. Eis a razão: A vós me afeiçoei logo no dia da minha morte: - é que, como Espírito, vos vi do Espiritismo adepto sincero e bom médium. E como dentre tantos que aí deixei fostes vós que vi primeiramente, logo me propus contribuir para o vosso progresso. O proveito não é apenas vosso, mas também dos que deveis instruir no conhecimento da verdade.
Na vossa missão podeis ver uma prova eloquente do amor de Deus para convosco. Os que a vós se chegarem, pouco a pouco se tornarão crentes, e aos mais refratários, em vos ouvindo, também chegará, embora mais tarde, a vez de crer. Desanimar, nunca; caminhar sempre, apesar dos pedregulhos. Tomai-me por apoio nos momentos de desânimo.

- P. Não me julgo digno de tão grande favor.

- R. Mas por certo que bem longe estais da perfeição. Não obstante o vosso ardor na prática das sãs doutrinas; o cuidado em manter a fé dos que vos ouvem; em aconselhar a caridade, a bondade e a benevolência, mesmo para os que convosco mal se conduzem; a resistência aos instintos de cólera, que aliás facilmente poderíeis descarregar nos que vos afligem, por ignorantes das vossas intenções; tudo isso atenua a maldade que ainda possuís. Convém que o diga: o perdão das ofensas é, de tantas, uma das mais poderosas atenuantes do mal. Deus vos cumula de graças pela faculdade que vos concedeu, e que deveis desenvolver pelo esforço próprio, a fim de cooperardes na salvação do próximo. Vou deixar-vos, porém contai sempre comigo. Preciso se faz modereis as idéias terrenas, vivendo o mais possível com os amigos do Espaço. P ...

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Estudos sobre reencarnação - Revista Espírita, fevereiro de 1864



(Sociedade Espírita de Paris. Médium, senhorita A. C.)
Publicado na Revista Espírita - Jornal de Estudos Psicológicos - 7º ano - Nº 1 - Janeiro de 1864

I - Limites da reencarnação.
A reencarnação é necessária enquanto a matéria domina o Espírito; mas do momento em que o Espírito encarnado chegou a dominar a matéria e anular os efeitos de sua reação sobre o moral, a reencarnação não tem mais nenhuma utilidade nem razão de ser. Com efeito, o corpo é necessário ao Espírito para o trabalho progressivo até que, tendo chegado a manejar esse instrumento à sua maneira, a lhe imprimir a sua vontade, o trabalho está realizado. É-lhe preciso, então, um outro campo para a sua caminhada, para o seu adiantamento no infinito; lhe é preciso um outro círculo de estudos onde a matéria grosseira das esferas inferiores seja desconhecida. Tendo sobre a Terra, ou em globos análogos, depurado e experimentado suas sensações, está maduro para a vida espiritual e seus estudos. Tendo se elevado acima de todas as sensações corpóreas, não tem mais nenhum desses desejos ou necessidades inerentes à corporeidade: ele é Espírito e vive pelas sensações espirituais que são infinitamente mais deliciosas do que as mais agradáveis sensações corpóreas.

II - A reencarnação e as aspirações do homem.
As aspirações da alma ocasionam a sua realização, e esta realização se cumpre na reencarnação enquanto o Espírito está no trabalho material; eu me explico. Tomemos o Espírito em seu início na carreira humana; estúpido e bruto, sente, no entanto, a centelha divina nele, uma vez que adora um Deus, que ele materializa segundo a sua materialidade. Nesse ser, ainda vizinho do animal, há uma aspiração instintiva, quase inconsciente, rumo a um estado menos inferior. Começa por desejar satisfazer seus apetites materiais, e inveja aqueles que vê num estado melhor do que o seu; também, numa encarnação seguinte, ele mesmo escolhe, ou antes, é arrastado a um corpo mais aperfeiçoado; e sempre, em cada uma de suas existências, deseja uma melhoria material; não se achando jamais feliz, quer sempre subir, porque a aspiração à felicidade é a grande alavanca do progresso.

À medida que suas sensações corpóreas se tornam maiores, mais refinadas, suas sensações espirituais despertam e crescem também. Então o trabalho moral começa, e a depuração da alma se une à aspiração do corpo para chegar ao estado superior.

Esse estado de igualdade das aspirações materiais e espirituais não é de longa duração; logo o Espírito se eleva acima da matéria, e suas sensações não podem ser satisfeitas por ela; é-lhe preciso mais; lhe é preciso o melhor; mas aí o corpo, tendo sido levado à sua perfeição sensitiva, não pode seguir o Espírito, que então o domina e dele se desliga cada vez mais, como um instrumento inútil. Volta todos os seus desejos, todas as suas aspirações, para um estado superior; sente que as necessidades corpóreas, que lhe eram um objeto de felicidade em suas satisfações, não são mais do que uma tortura, um rebaixamento, do que uma triste necessidade da qual aspira se libertar para gozar, sem entraves, de todas as felicidades espirituais que ele pressente.

III - Ação dos fluidos na reencarnação.

Sendo os fluidos os agentes que colocam em movimento o nosso aparelho corpóreo, são eles também que são os elementos de nossas aspirações, porque há fluidos corpóreos e fluidos espirituais, que todos tendem a se elevarem e se unirem aos fluidos da mesma natureza. Esses fluidos compõem o corpo espiritual do Espírito que, no estado encarnado, age por eles sobre a máquina humana que está encarregado de aperfeiçoar, porque tudo é trabalho na criação, tudo concorre para o adiantamento geral.

O Espírito tem seu livre arbítrio, e procura sempre o que lhe é agradável e o satisfaz. Se é um Espírito inferior e material, procura suas satisfações na materialidade, e então dará um impulso aos seus fluidos corpóreos que dominarão, mas tenderão sempre a crescer e a se elevar materialmente; portanto, as aspirações desse encarnado são materiais, e, retornado ao estado de Espírito, procurará uma nova encarnação onde satisfará as suas necessidades e seus desejos materiais; porque, notai bem, a aspiração corpórea não pode pedir, como realização, senão uma nova corporeidade, ao passo que a aspiração espiritual não se prende senão às sensações do Espírito. Ela será solicitada por seus fluidos que deixou se materializarem; e como no ato da reencarnação os fluidos agem para atrair o Espírito ao corpo que foi formado, houve, pois, atração e união dos fluidos, a reencarnação se opera em condições que darão satisfação às aspirações de sua existência precedente.

Ocorre o mesmo com os fluidos espirituais com os fluidos materiais, se são eles que dominam; mas então, quando o espiritual se sobrepôs sobre o material, o Espírito, que julga diferentemente, escolhe ou é atraído por simpatias diferentes; como lhe é necessária a depuração, e que não é senão pelo trabalho que a alcança, as encarnações escolhidas são mais penosas para ele, porque, depois de haver dado a supremacia à matéria e aos seus fluidos, lhe é necessário constrangê-la, lutar com ela e dominá-la. Daí essas existências tão dolorosas e que parecem, frequentemente, tão injustas, infligidas a Espíritos bons e inteligentes. Aqueles fazem sua última etapa corpórea e entram, saindo deste mundo, nas esferas superiores onde suas aspirações superiores acharão a sua realização.

IV - As afeições terrestres e a reencarnação.

O dogma da reencarnação indefinida encontra oposições no coração do encarnado que ama, porque em presença dessa infinidade de existências, produzindo cada uma delas novos laços, pergunta-se com medo o que se tornam as afeições particulares, e se elas não se fundem num único amor geral, o que destruiria a persistência da afeição individual. Pergunta-se se essa afeição individual não é somente um meio de adiantamento, e então o desencorajamento se insinua em sua alma, porque a verdadeira afeição sente a necessidade de um amor eterno, sentindo que não se deixará jamais de amar. O pensamento de milhares dessas afeições idênticas lhe parece uma impossibilidade, mesmo admitindo faculdades maiores para o amor.

O encarnado que estuda seriamente o Espiritismo, sem tomar partido por um sistema antes que por um outro, se encontra arrastado para a reencarnação pela justiça que decorre do progresso e do adiantamento do Espírito em cada nova existência; mas quando o estuda do ponto de vista das afeições do coração, duvida e se atemoriza apesar dele. Não podendo colocar de acordo esses dois sentimentos, se diz que ali ainda tem um véu a levantar, e seu pensamento nesse trabalho atrai as luzes dos Espíritos para concordar seu coração e sua razão.

Eu disse precedentemente: a encarnação se detém lá onde a materialidade é anulada. Mostrei como o progresso material havia de início refinado as sensações corpóreas do Espírito encarnado; como o progresso espiritual, tendo vindo em seguida, havia contrabalançado a influência da matéria, depois a havia, enfim, subordinado à sua vontade, e, que chegado a esse grau de domínio espiritual, a corporeidade não tinha mais razão de ser, o trabalho estando realizado.

Examinemos agora a questão da afeição sob esses dois aspectos, material e espiritual.

De início, o que é a afeição, o amor? Ainda a atração fluídica atraindo dois seres um para o outro, e unindo-os num mesmo sentimento. Essa atração pode ser de duas naturezas diferentes, uma vez que os fluidos são de duas naturezas. Mas para que a afeição persista eternamente, é preciso que ela seja espiritual e desinteressada; é preciso a abnegação, o devotamento, e que nenhum sentimento pessoal seja o móvel desse arrastamento simpático. Do momento em que haja, nesse sentimento, personalidade, há materialidade; ora, nenhuma afeição material persiste nos domínios do Espírito. Portanto, toda afeição que não seja senão o resultado do instinto animal ou do egoísmo, se destrói à morte terrestre. Também, que seres supostamente amados são esquecidos depois de pouco tempo de separação! Vós os haveis amado por vós e não por eles, aqueles que não são mais, uma vez que os esquecestes e substituístes; procurastes a consolação no esquecimento; eles se vos tornam indiferentes, porque não tendes mais amor.

Contemplai a Humanidade, e vede o quanto há pouca afeição verdadeira sobre a Terra! Também não se deve tanto se amedrontar com a multiplicidade das afeições contraídas nesse mundo; elas são em minoria relativa, mas existem, e as que são reais persistem e se perpetuam sob todas as formas, sobre a Terra, de início, depois continuam no estado de Espírito numa amizade ou um amor inalterável, que não faz senão crescer em se elevando mais.

Vamos estudar esta verdadeira afeição: a afeição espiritual.

A afeição espiritual tem por base a afinidade fluídica espiritual, que, agindo sozinha, determina a simpatia. Quando ocorre assim, é a alma que ama a alma, e essa afeição não toma força senão pela manifestação dos sentimentos da alma. Dois Espíritos unidos espiritualmente se procuram e tendem sempre a se aproximarem; seus fluidos são atrativos. Que estejam num mesmo globo, serão levados um para o outro; que estejam separados pela morte terrestre, seus pensamentos se unirão na lembrança, e a união se fará na liberdade do sono; e quando a hora de uma nova encarnação soar para um deles, procurará se aproximar de seu amigo entrando nisso que é sua filiação material, e fá-lo-á com tanto mais facilidade quanto seus fluidos perispirituais materiais encontrarem afinidade na matéria corpórea dos encarnados que deram a luz ao novo ser. Daí um novo aumento da afeição, uma nova manifestação do amor. Tal Espírito amigo vos amou como pai, vos amará como filho, como irmão ou como amigo, e cada um desses laços aumentará de encarnação em encarnação, e se perpetuará de maneira inalterável quando, vosso trabalho estando feito, vivereis da vida do Espírito.

Mas essa verdadeira afeição não é comum sobre a Terra, e a matéria vem retardá-la, anulando-lhe os efeitos, segundo ela domine o Espírito. A verdadeira amizade, o verdadeiro amor sendo espiritual, tudo o que se relaciona com a matéria não é de sua natureza, nem concorre em nada para a identificação espiritual. A afinidade persiste, mas fica no estado latente até que o fluido espiritual se sobrepondo, o progresso simpático se efetue de novo. Para me resumir, a afeição espiritual é a única resistência no domínio do Espírito; sobre a Terra e nas esferas de trabalho corpóreo, ela concorre para o adiantamento moral do Espírito encarnado que, sob a influência simpática, cumpre milagres de abnegação e de devotamento pelos seres amados. Aqui, nas moradas celestes, ela é a satisfação completa de todas as aspirações, e a maior felicidade que o Espírito possa sentir.

V - O progresso entravado pela reencarnação indefinida. 

Até aqui a reencarnação foi admitida de um modo muito prolongado; não se pensou senão nessa prolongação da corporeidade, embora cada vez menos material, ocasionando, no entanto, necessidades que deviam entravar o voo do Espírito. Com efeito, admitindo a persistência da geração nos mundos superiores, atribui-se ao Espírito encarnado necessidades corpóreas, dão-lhe deveres e ocupações ainda materiais que constrangem e detêm o impulso dos estudos espirituais. Que necessidade desses entraves? O Espírito não pode gozar as felicidades do amor sem sofrer as enfermidades corpóreas? Sobre a própria Terra, esse sentimento existe por si mesmo, independente da parte material de nosso ser; os exemplos, embora sejam raros, estão aí, suficientes para provar que deve ser sentido mais geralmente entre os seres mais espiritualizados.

A reencarnação ocasiona a união dos corpos, o amor puro somente a união das almas. Os Espíritos se unem segundo suas afeições começadas nos mundos inferiores, e trabalham juntos para o seu adiantamento espiritual. Eles têm uma organização fluídica muito diferente daquela que era a consequência de seu aparelho corpóreo, e seus trabalhos se exercem sobre os fluidos e não sobre os objetos materiais. Vão em esferas que, também elas, cumpriram seu período material, em esferas cujo trabalho humano levou a desmaterialização, e que, chegados ao apogeu de seu aperfeiçoamento, também passaram por uma transformação superior, que os torna próprios para sofrer outras modificações, mas num sentido todo fluídico.

Compreendeis, desde hoje a força imensa do fluido, força que não podeis senão constatar, mas que não vedes nem apalpais. Num estado menos pesado do que aquele em que estais, teríeis outros meios de ver, de tocar, de trabalhar esse fluido que é o grande agente da vida universal. Porque, pois, o Espírito teria ainda necessidade de um corpo que está fora das apreciações corpóreas? Dir-me-eis que esse corpo está em relação com os novos trabalhos que o Espírito terá que cumprir; mas uma vez que esses trabalhos serão todo fluídicos e espirituais nas esferas superiores, por que dar-lhe o embaraço das necessidades corpóreas, porque a reencarnação ocasiona sempre, como eu o disse, geração e alimentação, quer dizer, necessidade da matéria a satisfazer, e, em compensação, entraves para o Espírito. Compreendeis que o Espírito deve ser livre em seu voo para o infinito; compreendeis que tendo saído dos cueiros da matéria, ele aspira, como a criança, a caminhar e correr sem ser contido pelas andadeiras maternas, e que essas primeiras necessidades da primeira educação da criança são supérfluas para a criança crescida, e insuportáveis ao adolescente. Não desejeis, pois, permanecer na infância; considerai-vos como alunos fazendo seus últimos estudos escolares, e se dispondo a entrar no mundo, e a ter nele seu lugar, e a começar os trabalhos de um outro gênero que seus estudos preliminares terão facilitado.
O Espiritismo é a alavanca que levantará de um pulo ao estado espiritual todo encarnado que, querendo bem compreendê-lo e pô-lo em prática, se ligará em dominar a matéria, a dela se tornar senhor, a aniquilá-la; todo Espírito de boa vontade pode se colocar em estado de passar, deixando este mundo, ao estado espiritual sem retorno terrestre; somente, lhe é preciso a fé ou vontade ativa. O Espiritismo a dá a todos aqueles que querem compreendê-lo em seu sentido moralizador.
Um espírito protetor do médium.

Nota.
- Esta comunicação não leva outra assinatura senão esta acima, o que prova que não há necessidade de haver tido um nome célebre sobre a Terra para ditar boas coisas.

Resumo:
A vida do Espírito, considerada do ponto de vista do progresso, apresenta três períodos principais, a saber:

1º- O período material onde a influência da matéria domina a do Espírito; é o estado dos homens dados às paixões brutais e carnais, à sensualidade; cujas aspirações são exclusivamente terrestres, que são apegados aos bens temporais, ou refratários às ideias espiritualistas.

2º - O período de equilíbrio; aquele em que as influências da matéria e do Espírito se exercem simultaneamente; onde o homem, embora submetido às necessidades materiais, pressente e compreende o estado espiritual; onde ele trabalha para sair do estado corpóreo.
Nesses dois períodos o Espírito está submetido à reencarnação, que se cumpre nos mundos inferiores e medianos.

3º - O período espiritual aquele em que o Espírito, tendo dominado completamente a matéria, não tem mais necessidade da encarnação nem do trabalho material, seu trabalho é todo espiritual; é o estado dos Espíritos nos mundos superiores.
A facilidade com a qual certas pessoas aceitam as ideias espíritas, das quais parecem ter a intuição, indica que pertencem ao segundo período; mas entre estas e as outras há uma multidão de graus que o Espírito atravessa tanto mais rapidamente quanto mais próximo estiver do período espiritual; é assim que, de um mundo material como a Terra, ele pode ir habitar um mundo superior, como Júpiter, por exemplo, se seu adiantamento moral e espiritual for suficiente para dispensá-lo de passar pelos graus intermediários. Depende, pois, do homem deixar a Terra sem retorno, como mundo de expiação e de prova para ele, ou não retornar a ela senão em missão.

Quando e porque a Reencarnação passou a ser condenada pela Igreja Católica
O Concílio de Constantinopla – 553 D.C

Até a metade do século VI, o Cristianismo aceitava a Reencarnação, fato que a cultura religiosa oriental já aceitava e proclamava, milênios antes da era cristã, como sendo incontestável, pois norteava os princípios da Justiça Divina, que sempre dá oportunidade ao homem para rever seus erros e recomeçar o trabalho de sua regeneração, em nova existência.
(Acaso tenho eu prazer na morte do perverso? diz o Senhor Deus. Não, desejo eu antes que ele se converta do seu caminho e viva. (Ezequiel, cap, XVIII, vs. 1 a 23.)
11) Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva. (Ezequiel, cap. XXXIII, v. 11)


Um fato marcou o Concílio de Constantinopla, atual Istambul, na Turquia, em decisão política, para atender exigências do Império Bizantino, resolveu abolir tal convicção, cientificamente justificada, substituindo-a pela ressurreição, que contraria todos os princípios da ciência, pois admite a volta do ser, por ocasião de um suposto juízo final, no mesmo corpo já desintegrado em todos os seus elementos constitutivos.
O motivo foi de Teodora, esposa do famoso Imperador Justiniano, escravocrata desumana e muito preconceituosa, temia retornar ao mundo, na pele de uma escrava negra e, por isso, desencadeou uma forte pressão sobre o papa da época, Virgílio, que subira ao poder através da criminosa intervenção do general Belisário, para quem os desejos de Teodora eram lei.
Desta forma, o Concílio realizado em Constantinopla, no ano de 553 D.C, resolveu eliminar, rejeitar, abolir todo o pensamento de Orígenes de Alexandria, um dos maiores Teólogos que a Humanidade tem conhecimento. Com as decisões do Concílio condenaram, inclusive, a reencarnação admitida, afirmada, comprovada pelo próprio Cristo, em várias passagens do Evangelho, particularmente, identificando em João Batista o Espírito do profeta Elias, morto séculos antes, e que deveria voltar como precursor do Messias (Mateus 11:14 e Malaquias 4:5).


quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

A REVISTA ESPÍRITA DE KARDEC, SOB A LENTE DE HERCULANO



Celebrar Kardec é sempre muito oportuno, especialmente por ocasião da data do natalício de Rivail (3 de outubro), sua identidade encarnatória mais recente. E entender Kardec, lendo a sua produção literária espirita por meio da lente do Professor Herculano (outro homenageado neste momento, em razão do seu centenário, comemorado em 25 de setembro de 2014) é extremamente útil para quem deseja entender melhor o seu papel de organizador e gerente do Espiritismo nascente.
Vale dizer que uma de suas principais obras, a Revue Spirite (Revista Espírita) é bastante desconhecida da porção majoritária dos que se dizem espíritas. Muitos sabem de sua existência, porque ela se inscreve no rol dos livros publicados por Kardec, mas não o compulsam, estudam ou sequer leem. A Revue, em verdade, é o periódico que ele editou em 12 volumes, de janeiro de 1858 (menos de um ano, portanto, do lançamento da primeira – e simplificada – edição de “O Livro dos Espíritos”, em 18 de abril de 1857, a qual continha 501 perguntas e respostas, diferentemente da versão revisada e definitiva, que é a segunda edição francesa, divulgada em 16 de março de 1860 que, por sua vez, contempla 1018, mais que o dobro da quantidade originária. O primeiro volume foi, assim, lançado no dia 1º de janeiro de 1858.
É na revista que Kardec empunha sua condição de gerenciador de todo o processo espírita, posto que utiliza as páginas dos, hoje, doze volumes anuais para apresentar suas experiências à frente do movimento de divulgação da Doutrina dos Espíritos (DE), marcantemente centrado nas viagens que empreendeu pela Europa àquele tempo, sua vasta correspondência com espíritas de várias partes do mundo, os diálogos travados, também por carta, com os críticos e os opositores da doutrina nascente e, mais do que isso, a verdadeira “experimentação” espiritista, cenário para a preparação e o surgimento de suas outras obras e a importante revisão das que ele havia publicado antes.
É por isso que, somando-nos a alguns estudiosos da missão do professor francês, já Codificador e Sistematizador da DE, cognominamos a Revue como O LABORATÓRIO DE KARDEC. No cadinho de suas páginas, meticulosa e carinhosamente compostas pelo Mestre – vale salientar, com as inúmeras dificuldades impostas pela limitação de equipamentos de seu tempo, a relativa precariedade econômica para um projeto editorial constante (como o vivenciado naqueles quase doze anos de publicação de obras) e a dependência da tração animal para o envio e recebimento de correspondências ou para o deslocamento físico daquele magistral homem pelas cercanias da França.
Kardec se revela na Revue em sua magnitude e excelência, caracterizadas pelo rigor metodológico (já por ele apresentado na composição da obra primeva, “O Livro dos Espíritos”, calcado no Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos – CUEE), verdade jornalística (pela transcrição verossímil das experiências e dos diálogos), postura dialógica (porquanto apresentava em resumo as ideias conflitantes ou antepostas ao Espiritismo para declinar, em seguida, o contraponto para permitir ao leitor a formação de sua convicção) e atitude corajosa (para lutar e defender os princípios que, pela lógica racional, havia abraçado). Acrescente-se a isso a vivência de valores genuinamente humanistas como o amor e o respeito ao próximo que se somam à sua vasta cultura de homem de letras e ciências, expressado em cada exemplar da Revue.
Nos seus milhares de páginas, Kardec descreve, uma a uma, suas lutas (dentro e fora do meio espírita) e suas vitórias, assim como sua resistência à calúnia, à mentira e à difamação, sobretudo por líderes religiosos católicos e protestantes (os seculares “inimigos” da filosofia espiritista), com destaque para a fé inabalável do Codificador (“só aquela que pode encarar frente a frente a razão em todas as épocas da Humanidade”). Todo o leitor que se debruça sobre os volumes daRevue tem a nítida impressão de estar vivendo ao lado do Codificador – e se indignando com muitas situações por ele enfrentadas e aplaudindo suas respostas e atitudes.
É com a Revue que Kardec assume a sua veia jornalística, pelo fato dele utilizar as páginas para explicar, à luz do conhecimento espiritista, os fatos que ocorriam à época, escrevia artigos doutrinários, refutava os detratores do Espiritismo e publicava novas mensagens mediúnicas. Costuma-se dizer que a coleção da Revue constitui a mais prodigiosa fonte de informações sobre o Espiritismo e o mais completo compêndio de instruções doutrinárias ao movimento.
Pode-se dizer com propriedade que a Revue foi um oportuno e essencial meio de divulgação da DE, utilizado como forma de expressão jornalístico-literária das novas ideias que vinham surgindo a partir da continuada pesquisa kardeciana, renovados ensinamentos e teorias, sempre colocados sob análise e discussão, antes de se constituírem em princípios ou axiomas.
Mais que sua mera leitura, tem-se como impossível o real conhecimento dos fundamentos espiritistas sem seu estudo, inclusive remissivo, já que em determinados momentos torna-se necessário compulsar as demais obras assinadas por Kardec para verificar em que pontos as mesmas foram organizadas ou revisadas. É aqui que devemos mencionar, novamente, o Professor Herculano Pires que, ao traduzir as obras kardecianas, diretamente do francês e com respeito ao pensamento do Professor Lionês, apõe observações, notas explicativas e textos complementares situando o leitor em relação à própria evolução, não só do pensamento, como da prática espírita de Monsieur Allan Kardec.
Acerca da Revue, assim ilustra o Professor Herculano (“A Pedra e o Joio”): “Só agora dispomos da coleção da Revista Espírita do tempo de Kardec, tão importante que ele mesmo a incluiu no rol das leituras necessárias para o bom conhecimento da doutrina”.
É o próprio Kardec quem indica, no capítulo 3º, de “O Livro dos Médiuns”, a Revue como obra indispensável para o estudo da doutrina, aconselhando como ordem sequencial para tal estudo: 1º) “O que é o Espiritismo”; 2º) “O Livro dos Espíritos”; 3º) “O Livro dos Médiuns”; e, 4º) A coleção da “Revista Espírita”.
Neste particular, o primeiro dos livros indicados como de verdadeira introdução ao conhecimento espírita, os dois seguintes como fundamentais e, por fim, a Revista como obra complementar, no estrito sentido desta palavra, isto é, aquela que é direcionada a completar o ensino básico contido em “O Livro dos Espíritos” e em “O Livro dos Médiuns”.
Nas próprias palavras do Codificador, temos que a Revue é “Variada coletânea de fatos, de explicações teóricas e de trechos destacados que completam a exposição das duas obras precedentes, e que representa de alguma maneira a sua aplicação. Sua leitura pode ser feita ao mesmo tempo que a daquelas obras, mas será mais proveitosa e sobretudo mais compreensível após a leitura do Livro dos Espíritos” (grifos nossos).
A expressão grifada confere à Revista Espírita uma posição excepcional no conjunto da Codificação, qual seja a de um vero documentário, com caráter de relatório científico e histórico, praticamente os “Anais da Pesquisa Espírita” ao tempo de Kardec. E não somos nós que “inventamos” isso, pois ele mesmo iria declarar mais tarde, no resgate contido em “Obras Póstumas”: “A Revista foi até agora, e não podia deixar de ser, uma obra pessoal, visto que fazia parte de nossas obras doutrinárias, constituindo os Anais do Espiritismo. Por seu intermédio é que todos os princípios novos foram elaborados e entregues ao estudo. Era, pois, necessário conservar o seu caráter individual, para que se estabelecesse a unidade”(Capítulo X, “Da Constituição do Espiritismo”).
Gostaríamos de salientar com muita ênfase esta referência do Codificador ao singular fato de que ele não recebeu a doutrina “pronta” do Mundo Espiritual, como muitos parecem supor – e, até, erroneamente, afirmam aqui ou alhures. A partir do contato com as mensagens espirituais recebidas em distintos momentos e por variados médiuns, cabendo o destaque, neste contexto, para a utilização de pessoas muito jovens, adolescentes até, como as Senhoritas Irmãs Baudin (Caroline e Julie), Ruth Celine Japhet e Ermance Dufaux, as quais se situavam dele fisicamente próximas, o mesmo foi estabelecendo racionalmente o conjunto de axiomas e princípios que depois ganharam o corpo de doutrina. Isto fica patente na expressão “todos os princípios novos foram elaborados e entregues ao estudo” para demonstrar a construção paulatina e sequencial do Espiritismo, a grande obra de Allan Kardec.
Merece menção a oportuníssima iniciativa da Federação Espírita Brasileira – que, a exemplo da Edicel detém direitos de publicação dos volumes da revista – em disponibilizar os arquivos digitais para download em seu site (www.febnet.org.br) toda a coleção (1858-1869) facilitando a disseminação desse importante conhecimento. No papel, isto é em edição física, são quase 7.000 páginas, o que torna sua aquisição, muitas vezes inviável economicamente para grande parte dos espíritas, já que se atesta este conjunto como conhecimento fundamental e indispensável à boa compreensão da Codificação Espírita.
Nestes nossos quase 32 anos de vivência espírita, posto que aderimos à Filosofia Espírita em 1981, já ouvimos de alguns companheiros atentos e estudiosos a seguinte expressão: “- Precisamos esclarecer essa questão. Nem que tenhamos de ler a Revista Espírita toda!”. Esta é a real dimensão da importância dos escritos kardecianos (uma produção genuína do Codificador, calcada em suas inúmeras reflexões sobre pontos tanto doutrinários como organizacionais, relativas ao – ainda incipiente – movimento espírita).
Durante mais de século, considerando que a introdução do Brasil no quadrante espírita se deu a partir de setembro de 1865 (com a publicação de artigos em jornal assinados por Teles de Menezes e a fundação, com a orientação deste, do primeiro centro espírita brasileiro, o “Grupo Familiar de Espiritismo”, no dia 17 desse mesmo mês) e a primeira edição da Revuecom a tradução para o nosso vernáculo ocorreu apenas em 1966, o conjunto desses doze volumes foi tratado como simples raridade bibliográfica, acessível apenas a poucos privilegiados que a possuíam no original francês e dominavam este idioma. Mas a pobreza cultural do espiritismo brasileiro não para por aí. A indigência do movimento espírita está centrada no fato de que poucos conhecem sequer as chamadas “obras básicas” (mesmo considerando inapropriada essa expressão para enquadrar os cinco “principais” livros considerados pelos espíritas em geral [1]. E, os que conhecem, acabam compondo particularmente uma sequência de “importância” dos livros totalmente diversa da classificação dada pelo Mestre lionês, já referida neste ensaio. Outros tantos, ainda, são “espíritas de Evangelho” posto que, sem qualquer demérito ou redução da importância desse livro para o contexto total da DE, não guardam o salutar hábito de ler e estudar constantemente nem “O Livro dos Espíritos” nem “O Livro dos Médiuns” – repetimos, considerados essenciais para quem pretende ser versado no conhecimento espírita e a quase totalidade sequer abriu as páginas de “O que é o Espiritismo”. Imaginemos que uma pessoa que tivesse ouvido falar da DE e estivesse numa livraria qualquer, ao visualizar a capa com tais dizeres não ficaria provocada a comprar a obra, justamente porque ela, como o próprio título assim o indica, seria para quem desejasse conhecer “o que seria” o Espiritismo. Recordo-me, ainda, de quando estudante de primeiro grau, por analogia, ter sido apresentado à coleção “Primeiros Passos” da Editora Brasiliense, livros de bolso e bem resumidos, cujos títulos, em profusão de temas e alcance, eram justamente “O que é...” e havia um justamente sobre o Espiritismo.
Também soa curioso e, até, inacreditável que o Brasil, país onde se encontra o maior contingente populacional de espíritas no Mundo, mesmo que nem todos se afirmem como tal nem se qualifiquem em diferentes cenários e documentos essa condição, “[...] só agora a Revista Espírita seja colocada ao alcance do público, em tradução para a nossa língua” (diria Herculano, lá pelos meados da década de 1960).
Para Júlio de Abreu, o tradutor da Revue para a Editora Edicel, ela “[...] foi o seu mais importante instrumento de pesquisa, verdadeira sonda para a captação das reações do público, ao mesmo tempo que instrumento de divulgação e defesa da Doutrina. Mais do que isso, porém, constitui- se numa espécie de laboratório em que as manifestações mediúnicas, colhidas por todo o mundo, eram examinadas à luz dos princípios de O Livro dos Espíritos e controladas pelas experiências da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e pelas novas manifestações espirituais recebidas”, o que corrobora o que já afirmamos no presente texto.
Para ele, nós que ainda hoje nos maravilhamos ante algumas manifestações mediúnicas podemos encontrar os registros precedentes feitos à época do Codificador, com as judiciosas interpretações e as soluções para algumas problemáticas interpretativas. Foram onze anos e quatro meses de trabalho intensivo, sobretudo na sede do primeiro centro espírita do mundo, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas – SPEE (mas não resumidas e subsumidas nela, já que o professor francês recebia documentos e informações tanto de grupos familiares quanto de centros e sociedades estrangeiras a ela ligadas) e Kardec nos ofertou a vivência diuturna que marca a História do Espiritismo, dentro do detalhado processo de seu desenvolvimento e propagação, ainda no século dezenove.
Retomando, ainda, à Abreu, podemos constatar a partir de sua explicação sobre o conjunto da Revue, que Kardec trata amplamente e de modo exaustivo várias das questões que haviam sido apenas “afloradas” nos livros iniciais da Codificação. E, pontua:
Problemas como os referentes à mediunidade curadora em seus vários aspectos; aos casos de obsessão e possessão; ao desenvolvimento mediúnico; aos métodos de trabalho prático e teórico; à legitimidade das comunicações e à prevenção das mistificações (que não são um problema espírita das atividades humanas na Terra); das vidas sucessivas e das formas de reencarnação consciente e inconsciente, neste e em outros mundos; da existência de espíritos não- humanos (que tem servido de arma para ataques de espiritualistas diversos contra o Espiritismo, simplesmente por desconhecerem a posição doutrinária no assunto) são todos esclarecidos de maneira viva na Revista”. [2]
Isto tanto pela transcrição de comunicações mediúnicas recebidas quanto pela análise ponderada e explicativa de Rivail, com inúmeros exemplos para as teses descortinadas.
Um valiosíssimo resgate que só o exame detalhado da Revista Espírita pode promover é o de que a prática genuinamente espírita, introduzida como sistemática e metódica pelo Codificador é a da EVOCAÇÃO de Espíritos, contrariando a “tese” do “espiritismo de senso comum” ou do “espiritismo de ouvi dizer” de que “o telefone só toca de lá (mundo espiritual) para cá”.
Kardec praticamente faz uma ATA das sessões da SPEE, registradas ao vivo por ele, resgatando as evocações experimentais, havendo registros minuciosos compostos por todas as perguntas e respostas no diálogo entre Kardec e cada Espírito manifestante, aduzindo todas as informações cruciais ao esclarecimento do assunto.
É por tudo isso que concitamos os espíritas para o resgate da Revue, justamente pelo manancial de informações que ela contém. Herculano, se vivo fosse, estaria escrevendo e palestrando sobre ela, alertando severamente os frequentadores e dirigentes espiritistas em face do abandono da coleção, com destacados prejuízos para o movimento espírita.
Nossa intenção, com este texto, é provocar o interesse dos espíritas sérios e dedicados para a eliminação desta lamentável lacuna. Esperamos atingir este objetivo e desejamos uma atenta leitura e investigação do conteúdo da Revue!


[1] “O Livro dos Espíritos”, “O Livro dos Médiuns”, “O Evangelho segundo o Espiritismo”, “O Céu e o Inferno” e “A Gênese”.
[2] Interessante apor que Júlio de Abreu resgata itens preciosos contidos na coleção, como “[...] as comunicações de Espíritos que se apresentam como Gênio das Flores, Anjo das Crianças, os chamados elementares da Teosofia e do ocultismo. Capítulo dos mais importantes e estreitamento ligado às pesquisas parapsicológicas atuais, é o das manifestações de pessoas vivas”.



 Escrito por Marcelo Henrique Pereira