História fantástica, por Théophile Gautier
Fonte: Allan Kardec - Revista Espírita março de 1866
Na Revista de dezembro último
dissemos algumas palavras sobre esse romance, aparecido em folhetins no
Moniteur universel e que hoje está publicado em um volume. Lamentamos que o
espaço não nos permita fazer-lhe uma análise mais detalhada e, sobretudo, citar
algumas de suas passagens, cujas ideias são incontestavelmente bebidas na
própria fonte do Espiritismo; como, certamente, a maior parte dos nossos
leitores já o leu, o relato detalhado seria supérfluo. Diremos apenas que a
parte consagrada ao fantástico é certamente um pouco grande e que não se deve
tomar todos os fatos ao pé da letra; não se trata, absolutamente, de um tratado
de Espiritismo. A verdade está no fundo das ideias e pensamentos, que são
essencialmente espíritas e narrados com uma delicadeza e uma graça encantadoras,
muito mais que nos fatos, cuja possibilidade por vezes é contestável. Embora
romance, esta obra não deixa de ter grande importância, primeiro pelo nome do
autor, e porque é a primeira obra capital saída dos escritores da imprensa,
onde a ideia espírita é afirmada sem rodeios, e surgida no momento em que
parecia um desmentido lançado na onda de ataques dirigidos contra esta ideia. A
forma mesma do romance tinha sua utilidade; certamente era preferível, como
transição, à forma doutrinária, de estilo severo. Graças a uma leveza aparente,
penetrou em toda parte e, com ele, a ideia.
Embora Théophile Gautier seja um dos
autores favoritos da imprensa, esta foi, contrariamente a seus hábitos, de uma
sobriedade parcimoniosa a respeito desta última obra. Não sabia se devia
louvá-lo ou censurá-lo. Censurar Théophile Gautier, um amigo, um confrade, um
escritor amado do público; dizer que tinha feito uma obra absurda era coisa
difícil; louvar a obra era enaltecer a ideia; guardar silêncio a respeito de um
nome popular teria sido uma afronta. A forma romanesca levantou o embaraço;
permitiu dizer que o autor tinha feito uma bela obra de imaginação, e não de
convicção. Falaram, mas falaram pouco. É assim que com a própria incredulidade
há acomodações. Notou-se uma coisa muito singular: no dia em que a obra
apareceu em volume, havia em todos os livreiros cartazes expostos no exterior;
alguns dias depois todos os cartazes haviam desaparecido.
Nos discretos e raros noticiários dos
jornais, encontram-se confissões significativas, sem dúvida saídas por descuido
da pena do escritor. No Courrier du Monde illustré de 16 de dezembro de 1865,
lê-se o seguinte:
“É preciso crer, sem duvidar, sem
professar a doutrina, sem mesmo ter sondado muito essas insondáveis questões de
Espiritismo e sonambulismo, que o poeta Théophile Gautier, só pela intuição de
seu gênio poético, acertou na mosca, fugiu com o dinheiro do caixa e encontrou
o abre-te Sésamo das evocações misteriosas, porque o romance que publicou em
folhetins no Moniteur, sob o título de Espírita, agitou violentamente todos os
que se ocupam dessas perigosas questões. A emoção foi imensa e, para lhe
avaliar todo o alcance, somos obrigados a percorrer, como o fazemos, os jornais
da Europa inteira.
“Toda a Alemanha espírita levantou-se
como um só homem, e como todos os que vivem na contemplação de uma ideia só têm
olhos e ouvidos para ela, um dos órgãos mais sérios da Áustria pretende que o
imperador encomendou a Théophile Gautier esse prodigioso romance, a fim de
desviar a atenção da França das questões políticas. Primeira asserção, cujo
alcance não exagero. A segunda asserção chocou-me por causa de seu lado
fantástico.
“Segundo a folha alemã, o poeta da
Comédie de la Mort, muito agitado em consequência de uma visão, teria adoecido
gravemente e sido levado para Genebra. Ali, dominado pela febre, teria sido
forçado a guardar o leito durante várias semanas, vítima de estranhos
pesadelos, de alucinações luminosas, joguete constante de Espíritos errantes.
Pela manhã teriam encontrado ao pé da cama as folhas esparsas de seu manuscrito
Espírita.
“Sem atribuir à inspiração que guiou
a pena do autor de Avatar uma fonte tão fantástica, cremos firmemente que uma
vez entrado em seu assunto, o escritor do Roman de la Momie ter-se-ia extasiado
com essas visões, e que no paroxismo terá traçado essa descrição admirável do
céu, que é uma de suas mais belas páginas.
“A correspondência que deu origem à
publicação de Espírita é extremamente curiosa. Lamentamos que um sentimento de
conveniência não nos tenha permitido pedir cópia de uma das cartas recebidas
pelo poeta dos Émaux et camées.”
Aqui não fazemos crítica literária,
senão poderíamos achar de duvidoso bom-gosto a espécie de catálogo de que se
prevalece o autor para colocar em seu artigo, que, aliás, nos parece pecar um
pouco por falta de clareza. Confessamos não ter compreendido a frase sobre o
dinheiro do caixa; contudo ela é citada textualmente. Isto talvez se deva à
dificuldade de explicar onde o célebre romancista hauriu semelhantes ideias, e
como ousou apresentá-las sem rir. Mas o que é mais importante é a confissão da
sensação produzida por essa obra na Europa inteira. É preciso, pois, que a ideia
espírita esteja bem vivaz e bem espalhada; não é, pois, um aborto frustrado.
Quantas pessoas são colocadas pelos nossos adversários, de uma penada, na
categoria dos cretinos e dos idiotas! Felizmente seu julgamento não é
definitivo. Os Srs. Jaubert, Bonnamy e muitos outros recorrem da sentença.
O autor qualifica essas questões de
perigosas. Mas, segundo ele e seus irmãos de cepticismo, são quimeras
ridículas. Ora, o que uma quimera pode ter de perigoso para a sociedade? De
duas, uma: há ou não há no fundo de tudo isto algo de sério. Se nada há, onde o
perigo? Se no princípio se tivesse dado ouvidos a todos os que declararam
perigosas a maior parte das grandes verdades que hoje brilham, onde o
progresso? A verdade não tem perigos senão para os poltrões, que não ousam
encará-la de frente, e para os interesseiros.
Um fato menos grave, que vários
jornais se apressaram em reproduzir, como se fosse provado, é que o imperador
teria encomendado esse prodigioso romance para desviar a atenção da França das
questões políticas. Evidentemente não passa de uma suposição, porquanto,
admitindo a realidade dessa origem, não é presumível que a tivessem divulgado.
Mas essa própria suposição é uma confissão da força da ideia espírita, pois
reconhecem que um soberano, o maior político de nossos dias, pôde julgá-la adequada
para produzir semelhante resultado. Se tal pudesse ter sido o pensamento que
presidiu à execução dessa obra, parece-nos que a coisa seria supérflua, porque
apareceu justamente no momento em que os jornais disputavam a primazia de
chamar atenção, pelo barulho que faziam a propósito dos irmãos Davenport.
O que há de mais claro em tudo isto é
que os detratores do Espiritismo não podem explicar a prodigiosa rapidez do
progresso da ideia, a despeito de tudo quanto fazem para o deter. Não podendo
negar o fato, que cada dia se torna mais evidente, empenham-se em procurar a
causa em toda parte onde não está, na esperança de lhe atenuar o alcance.
Num artigo intitulado: Livros de hoje
e de amanhã, assinado por Émile Zola, o Evénement de 16 de fevereiro dá um
resumo muito exíguo do assunto da obra em questão, acompanhado das seguintes
reflexões:
“Ultimamente o Moniteur deu uma
novela fantástica de Théophile Gautier: Espírita, que a livraria Charpentier
acaba de publicar em um volume.
“A obra é para a maior glória dos
Davenport. Ela nos faz passear no país dos Espíritos, mostra-nos o invisível,
revela-nos o desconhecido. O jornal oficial deu os boletins do outro mundo.
“Mas eu desconfio da fé de Théophile
Gautier. Ele tem uma bonomia irônica que cheira a incredulidade a uma légua.
Suspeito que ele entrou no invisível pelo único prazer de descrever a seu modo
horizontes imaginários.
“No fundo, ele não acredita numa palavra das
histórias que conta, mas se deleita em contá-las e os leitores gostarão de ler.
Tudo é, pois, para o melhor, na melhor das incredulidades possíveis.
“Não importa o que escreva, Théophile
Gautier é sempre escritor pitoresco e poeta original. Se acreditasse no que
diz, seria perfeito, e isto talvez fosse uma pena.
Quantas
pessoas repelem as crenças espíritas, não pelo temor de se tornarem perfeitas,
mas simplesmente pelo de serem obrigadas a emendar-se! Os Espíritos lhes causam
medo porque falam do outro mundo e este tem terrores para elas. É por isto que
tapam os olhos e os ouvidos.
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