segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O Menino Jesus no meio dos doutores - fonte: Revista Espírita, junho de 1862

O Menino Jesus no meio dos doutores
menino_jesus_entre_os_doutores_-_ingreRevista Espírita, junho de 1862

Ultimo quadro do Sr. Ingres. (1)

A senhora Dozon, nossa colega da Sociedade, recebeu em sua casa, em 9 de abril de 1862, a comunicação espontânea seguinte:
"O Menino Jesus encontrado por seus pais pregando no Templo, no meio dos doutores”. (São Lucas, Natividade.)

Tal é o assunto de um quadro inspirado a um dos nossos maiores artistas. Nesta obra do homem se mostra mais do que o gênio; ali se vê brilhar essa luz que Deus dá às almas para esclarecê-las e conduzi-las às regiões celestes. Sim, a religião iluminou o artista. Essa claridade é visível? O trabalhador viu o raio partindo do céu e descendo nele? Viu se divinizar, sob seus pincéis, a cabeça do Menino-Deus? Ajoelhou-se diante dessa criação de inspiração divina, e exclamou, como o santo velho Simeão: Senhor, vós deixareis morrer em paz o vosso servidor, segundo a vossa palavra, uma vez que meus olhos viram o Salvador, que nos dais agora, e que destinastes para ser exposto à visão de todos os povos."

"Sim, o artista pode se dizer servidor do Mestre, porque vem executar uma ordem de sua suprema vontade”. Deus quis que, no tempo em que reina o ceticismo, a multidão se detenha diante dessa figura do Salvador! e mais de um coração se afastará levando uma lembrança que o conduzirá ao pé da cruz, onde esse divino Menino deu sua vida para a Humanidade, para vós, multidão negligente.

"Contemplando o quadro de Ingres, a visão se afasta, com pesar, para retornar a essa figura de Jesus, onde há uma mistura de divindade, de infância e também alguma coisa da flor; essas roupagens, essa veste de cores frescas, jovens, delicadas, lembram esses suaves coloridos sobre os caules perfumados. Tudo merece ser admirado na obra-prima de Ingres. Mas a alma ama, sobretudo, nela contemplar os dois tipos adoráveis de Jesus e de sua divina Mãe. Ainda uma vez, sente-se a necessidade de saudá-la pelas angélicas palavras: "Eu vos saúdo, Maria, cheia de graças." Mal se ousa levar o olhar artístico sobre essa nobre e divinizada figura, tabernáculo de um Deus, esposa de um homem, virgem pela pureza, mulher predestinada às alegrias do paraíso e às agonias da Terra. Ingres compreendeu tudo isto e não se passará diante da Mãe de Jesus sem dizer-lhe: "Maria, muito doce virgem, em nome de vosso filho, orai por nós!" Vós a estudareis um dia; mas eu vi as primeiras pinceladas dadas sobre essa tela bendita. Vi nascer uma a uma as figuras, as poses dos doutores; vi o anjo protetor de Ingres lhe inspirando para fazer cair os pergaminhos das mãos de um desses doutores; porque ali, meu Deus, está toda uma revelação! essa voz de criança destruirá também, uma a uma, as leis que não são suas.

"Não quero fazer aqui da arte como ex-artista; eu sou Espírito, e, para mim, só a arte religiosa me toca. Também vi nesses ornamentos graciosos das cepas de vinha a alegoria   da vinha de Deus, onde todos os humanos devem chegar a se consolar, e disse a mim com uma alegria profunda que Ingres vinha de fazer amadurecer um de seus belos cachos. Sim, mestre! teu Jesus vai falar também diante dos doutores que negam sua lei, diante daqueles que a combatem. Mas quando se encontrarem sós com a lembrança do Menino divino, ah! mais de um rasgará seus rolos de pergaminho sobre os quais a mão de Jesus terá escrito:
Erro.

"Vede, pois, como todos os trabalhadores se reencontram! uns vindo voluntariamente e por caminhos já conhecidos; outros conduzidos pela mão de Deus, que vai procurá-los sobre os lugares e lhes mostra onde devem ir. Outros ainda chegam, sem saber onde estão, atraídos por um encanto que lhes faz semear também as flores de vida para levantar o altar sobre o qual o menino Jesus vem, ainda hoje, para alguns, sob a roupagem de cor de safira ou sob a túnica do crucificado é sempre um mesmo, o único Deus.
"DAVID, pintor."


A senhora Dozon nem seu marido haviam ouvido falar desse quadro; tendo nós mesmos dele nos informado junto a vários artistas, nenhum tinha conhecimento, e começamos a crer numa mistificação. O melhor meio de esclarecer essa dúvida era dirigir-se diretamente ao artista, para se informar se tratara esse assunto; foi o que a senhora Dozon fez. 

Entrando no atelier, viu o quadro, terminado há somente alguns dias e, consequentemente, desconhecido do público. Esta revelação espontânea é tanto mais notável quanto a descrição que dela dá o Espírito é de uma exatidão perfeita. Tudo está ali: cepo de vinha, pergaminhos caídos no chão, etc. Este quadro está ainda exposto na sala do bulevar dos Italianos, onde fomos vê-lo, e ficamos, como todo mundo, admirados diante dessa página sublime, uma das mais belas, sem contradita, da pintura moderna. Do ponto de vista da execução, é digna do grande artista que, o cremos, nada fez de superior, apesar de seus oitenta e três anos; mas o que dela faz uma obra-prima, fora de linha, é o sentimento que a domina, a expressão, o pensamento que faz jorrar, de todas esses rostos sobre os quais lê-se a surpresa, a estupefação, a emoção, a dúvida, a necessidade de negar, a irritação de se ver abater por um menino; tudo isto é tão verdadeiro, tão natural, que se põe a colocar as palavras em cada boca. Quanto ao menino, é de um ideal que deixa longe, atrás dele,
tudo o que foi feito sobre o mesmo assunto; não é um orador que fala aos seus ouvintes: não os olha mesmo; adivinha-se nele o órgão de uma voz celeste.

Em toda esta concepção, sem dúvida, há do gênio, mas há, incontestavelmente, da inspiração. O Sr. Ingres, ele mesmo, disse que não havia composto esse quadro nas condições comuns; começou, disse ele, pela arquitetura, o que não é de seus hábitos; em seguida vieram os personagens, por assim dizer, colocarem-se eles mesmos sob seu pincel, sem premeditação de sua parte. Temos motivos para pensar que esse trabalho se prende a coisas das quais ter-se-á a chave mais tarde, mas sobre as quais devemos ainda guardar o silêncio, como sobre muitas outras.

Tendo o fato acima sido narrado na Sociedade, o Espírito de Lamennais, ditou espontaneamente, nessa ocasião, a comunicação seguinte.

Sobre o quadro do Sr, Ingres.
(Sociedade Espírita de Paris, 2 de maio de 1862. - Médium, Sr. A. Didier.)

Falei-vos, recentemente, de Jesus menino no meio dos doutores, e fazia ressaltar sua iluminação divina no meio das sábias trevas dos sacerdotes judeus. Temos um exemplo a mais de que a espiritualidade e os movimentos da alma constituem a fase mais brilhante na arte. Sem conhecer a Sociedade Espírita, pode-se ser um grande artista espiritualista, e Ingres nos mostra, em sua nova obra, o estudo do artista, mas também sua inspiração mais pura e a mais ideal; não esse falso ideal, que engana tanta gente e que é uma hipocrisia da arte sem originalidade, mas o ideal haurido na natureza simples, verdadeira e, consequentemente, bela em toda a acepção da palavra. Nós outros, Espíritos, aplaudimos as obras espiritualistas tanto quanto censuramos a glorificação dos sentimentos materiais e do mau gosto. É uma virtude sentir a beleza moral e a beleza física nesse ponto; é a marca certa de sentimentos harmoniosos no coração e na alma, e quando o sentimento do belo está desenvolvido nesse ponto, é raro que o sentimento moral não o esteja também. É um grande exemplo o desse velho de oitenta anos, que representa, no meio da sociedade corrompida, o triunfo do Espiritualismo, com o gênio sempre jovem e sempre puro da fé.

LAMENNAIS.

(1) Jean-Auguste Dominique Ingres - de 1780Montauban – 14 de Janeiro de 1867Paris), mais conhecido simplesmente por Ingres, foi um celebrado pintor e desenhista francês, atuando na passagem do Neoclassicismo para o Romantismo. Foi um discípulo de David e em sua carreira encontrou grandes sucessos e grandes fracassos, mas é considerado hoje um dos mais importantes nomes da pintura do século XIX.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

ESTRANHA VIOLAÇÃO DE SEPULTURA. (Estudo psicológico.) - Revista Espírita jan/1868



O Observateur, de Avesnes (vinte de abril de 1867) relata o fato seguinte:

"Há três semanas, um operário de Louvroil, chamado Magnan.com a idade de vinte e três anos, teve a infelicidade de perder sua mulher atingida de uma doença do peito. O desgosto profundo que disto sentiu foi logo acrescido pela morte de seu filho, que não sobreviveu senão alguns dias à sua mãe. Magnan falava sem cessar de sua mulher, não podendo acreditar que ela o tivesse deixado para sempre e imaginando que ela não tardaria a voltar; foi em vão que seus amigos procuraram lhe oferecer algumas consolações, ele as repelia todas e se fechava em sua aflição.

"Quinta-feira última, depois de muitas dificuldades, seus camaradas da oficina decidiram acompanhar, até a estrada de ferro, um amigo comum, militar em licença que retornava ao seu regimento. Mas apenas chegaram à estação e Magnan se esquivou e retornou só à cidade, mas preocupado ainda do que de hábito. Ele tomou num cabaré alguns copos de bebida que acabaram por perturbá-lo, e foi nestas disposições que retornou à sua casa pelas nove horas da noite. Ele se achava só, o pensamento de que sua mulher não estava mais lá o super excitava ainda, e sentiu um desejo insuperável de revê-la. Então, tomou uma velha pá e um mau sulcador, foi ao cemitério, e, apesar da obscuridade e da chuva horrível que caía nesse momento, ele começou logo a tirar a terra que recobria sua querida defunta.

Não foi senão várias horas depois de um trabalho sobre-humano que ele chegou a retirar o caixão de sua fossa. Unicamente com as suas mãos, e quebrando todas as unhas, arrancou a tampa, depois, tomando em seus braços o corpo de sua pobre companheira, ele levou-a à sua casa e deitou-a em seu leito. Deveria ser, então, em torno de três horas da manhã. Depois de ter aceso um bom fogo descobriu o rosto da morta, depois, quase feliz, correu à casa da vizinha que a tinha enterrado, para lhe dizer que sua mulher tinha voltado, como ele o havia predito.

"Sem dar nenhuma importância às palavras de Magnan, que, dizia ela, tinha visões, levantou-se e o acompanhou até sua casa, a fim acalmá-lo e fazê-lo deitar. Que se julgue de sua surpresa e de seu pavor vendo o corpo exumado. O infeliz operário falava a morta como se ela pudesse ouvi-lo e procurava, com uma tenacidade tocante obter uma resposta, dando à sua voz a doçura e toda a persuasão da qual era capaz; essa afeição além do túmulo oferecia um espetáculo doloroso.

"No entanto, a vizinha teve a presença de espírito de convidar o pobre alucinado a levar de novo sua mulher e seu caixão, o que prometeu vendo o silêncio obstinado daquela que ele acreditava ter voltado à vida; foi sob a fé dessa promessa que ela reentrou em sua casa mais morta do que viva.
Mas Magnan não se conservou lá e correu a despertar dois vizinhos que se levantaram, como a enterradora, para procurar tranqüilizar o infortunado. Como ela também, o primeiro momento de estupefação passado, convidaram-no a repor a morta no cemitério, e desta vez este, sem hesitar, tomou sua mulher em seus braços e retornou a depositá-lo no caixão mortuário de onde a havia tirado, colocou-a na fossa e cobriu-a de terra.

"A mulher de Magnan foi enterrada há dezessete dias; no entanto, ela se encontrava ainda num estado perfeito de conservação, porque a expressão de seu rosto era exatamente a mesma do momento em que foi enterrada. "Quando se interrogou Magnan, no dia seguinte, ele pareceu não se lembrar do que havia feito nem do que tinha se passado algumas horas antes; disse somente que acreditava ter visto sua mulher durante a noite." (Siecle, 20 de abril de 1867.)

INSTRUÇÕES SOBRE O FATO PRECEDENTE.

(Sociedade de Paris, 10 de maio de 1867; médium, Sr. Morin, em sonambulismo espontâneo.)

Os fatos se mostram de toda parte, e tudo o que se produz parece ter uma direção especial que leva aos estudos espirituais. Observai bem, e vereis, a cada instante, coisas que parecem, à primeira vista, anomalias na vida humana, e das quais se procuraria inutilmente a causa em outra parte do que na vida espiritual. Sem dúvida, para muitas pessoas, são simplesmente fatos curiosos nos quais não pensam mais, a página virada; mas outros pensam mais seriamente; procuram uma explicação, e, à força de ver a vida espiritual se levantar diante deles, serão muito obrigados em reconhecer que só lá está a solução do que não podem compreender. Vós que conheceis a vida espiritual, examinai bem os detalhes do fato que acaba de vos ser lido, e vede se ela não se mostra ali com evidência.

Não penseis que os estudos que fazeis sobre esses assuntos da atualidade e outros estejam perdidos para as massas, porque, até o presente, elas não vão pouco senão aos Espíritas, àqueles que já estão convencidos; não. Primeiro, estejais certos que os escritos Espíritas vão a outra parte do que a casa dos adeptos; há pessoas muito interessadas na questão para não se manterão corrente de tudo o que fazeis e da marcha da Doutrina.

Sem que isto pareça, a sociedade, que é o centro onde se elaboram os trabalhos, é um ponto de mira, e as soluções sábias e racionais que dela saem fazem refletir mais do que não credes. Mas um dia virá em que esses mesmos escritos serão lidos, comentados, analisados publicamente; ali se haurirá a mancheias os elementos sobre os quais devem assentaras novas idéias, porque ali se encontrará a verdade. Ainda uma vez, estejais convencidos de que nada do que fazeis está perdido, mesmo para o presente, com mais forte razão para o futuro.

Tudo é assunto de instrução para o homem que reflete. No fato que vos ocupa, vedes um homem possuindo suas faculdades intelectuais, suas forças materiais, e que parece, por um momento, completamente despojado das primeiras; ele faz um ato que parece, de início, insensato. Pois bem! há nisso um grande ensinamento.
Isto aconteceu? dirão algumas pessoas. O homem estava num estado de sonambulismo natural ou sonhou? O Espírito da mulher está por alguma coisa lá dentro?

Tais são as perguntas que se podem fazer a esse respeito. Pois bem! o Espírito da senhora Magnan foi por muito nesse negócio, e por muito mais do que poderiam supô-lo mesmo os Espíritas.
Seguindo-se o homem com atenção, desde o momento da morte de sua mulher, é visto mudar pouco a pouco; desde as primeiras horas da partida de sua mulher, vê-se seu Espírito tomar uma direção que se acentua, cada vez mais, para chegar ao ato de loucura da exumação do cadáver.

 Há neste ato outra coisa que o desgosto; e, como o ensina O Livro dos Espíritos, como ensinam todas as comunicações: o que não está na vida presente, está no passado, onde lhe é preciso procurar a causa. Não estamos neste mundo senão para cumprir uma missão ou pagar uma dívida; no primeiro caso realiza-se uma tarefa voluntária; no segundo, fazei a contrapartida dos sofrimentos que sentis e tereis a causa desses sofrimentos.
Quando a mulher morreu, ela lá ficou em Espírito, e como o casamento dos fluidos espirituais e os do corpo era difícil de se romper em razão da inferioridade do Espírito, foi lhe necessário um certo tempo para retomar sua liberdade de ação, um novo trabalho para a assimilação dos fluidos; depois, quando estava preparada, ela se apoderou do corpo do homem e o possuiu. É, pois, aqui, um verdadeiro caso de possessão.

O homem não é mais ele, e notai: não é mais ele senão quando a noite vem. Seria preciso entrarem explicações muito longas para vos fazer compreender a causa dessa singularidade; mas, em duas palavras: a mistura de certos fluidos, como em química o ou de certos gases, não pode suportar o brilho da luz. Eis porque certos fenômenos espontâneos ocorrem mais freqüentemente à noite do que de dia.

Ela possui esse homem; manda-o fazer o que ela quer; é ela quem o conduz ao cemitério para lhe mandar fazer um trabalho sobre-humano e fazê-lo sofrer; e no dia seguinte, quando se pergunta ao homem o que se passou, ele está todo estupefato e não se lembra senão de ter sonhado com sua mulher. O sonho era a realidade; ela tinha prometido retornar, e retornou; retornará e o arrastará.

Numa outra existência, houve um crime de empregado; aquele que tinha do que se vingar, deixou o primeiro se encarnar e escolheu uma existência que, pondo-se em relação com ele, lhe permitia realizar sua vingança. Perguntareis por que essa permissão? mas Deus não concede nada que não seja justo e lógico. Um quer se vingar é
preciso que haja, como prova, a ocasião de superar seu desejo de vingança, e o outro deve sentir e pagar o que fez sofrer ao primeiro. O caso aqui é o mesmo; somente os fenômenos não estando terminados, não se estende por mais longo tempo: existirá outra coisa ainda.

POSSESSOS
473. Pode um Espírito tomar temporariamente o invólucro corporal de uma pessoa viva, isto é, introduzir-se num corpo animado e obrar em lugar do outro que se acha encarnado neste corpo?

“O Espírito não entra em um corpo como entras numa casa. Identifica-se com um Espírito encarnado, cujos defeitos e qualidades sejam os mesmos que os seus, a fim de obrar conjuntamente com ele. Mas, o encarnado é sempre quem atua, conforme quer, sobre a matéria de que se acha revestido. Um Espírito não pode substituir-se ao que está encarnado, por isso que este terá que permanecer ligado ao seu corpo até ao termo fixado para sua existência material.”

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

As Aristocracias - Extrato de Obras Póstumas - Allan Kardec

Todas as aristocracias tiveram sua razão de ser; nasceram do estado da Humanidade; assim há de acontecer com o que se tornará uma necessidade. Todas preencheram ou preencherão seu tempo, conforme os países, porque nenhuma teve por base o princípio moral; só este princípio pode constituir uma supremacia durável, porque terá a animá-la sentimentos de justiça e caridade. A essa aristocracia chamaremos: aristocracia intelecto-moral.

Mas, semelhante estado de coisas será possível com o egoísmo, o orgulho, a cupidez que reinam soberanos na Terra? Responderemos terminantemente: sim, não só é possível, como se implantará, por ser inevitável.

Já hoje a inteligência domina; é soberana, ninguém o pode contestar. É tão verdade isto, que já se vê o homem do povo chegar aos cargos de primeira ordem. Essa aristocracia não será mais justa, mais lógica, mais racional, do que a da força bruta, do nascimento, ou do dinheiro? Por que, então, seria impossível que se lhe juntasse a moralidade?
— Porque, dizem os pessimistas, o mal domina sobre a Terra.
— Quem ousará dizer que o bem nunca o sobrepujará?

Os costumes e, por conseguinte, as instituições sociais, não valem cem vezes mais hoje do que na Idade Média? Cada século não se assinala por um progresso? Por que, então, a Humanidade pararia, quando ainda tem tanto que fazer?
Por instinto natural, os homens procuram o seu bem-estar; se não o acharem completo no reino da inteligência, procurá-lo-ão algures, e onde poderão encontrá-lo, senão no reino da moralidade? Para isso, torna-se preciso que a moralidade sobrepuje numericamente. Não há contestar que muitíssimo se tem que fazer; mas, ainda uma vez, fora tola pretensão dizer-se que a Humanidade chegou ao apogeu, quando é vista a avançar continuamente pela senda do progresso.

Digamos, antes de tudo, que os bons, na Terra, não são absolutamente tão raros como se julga; os maus são numerosos, é infelizmente verdade; o que, porém, faz pareçam eles ainda mais numerosos é que têm mais audácia e sentem que essa audácia lhes é indispensável ao bom êxito.
De tal modo, entretanto, compreendem a preponderância do bem, que, não podendo praticá-lo, com ele se mascaram.

Os bons, ao contrário, não fazem alarde das suas boas qualidades; não se põem em evidência, donde o parecerem tão pouco numerosos. Pesquisai, no entanto, os atos íntimos praticados sem ostentação e, em todas as camadas sociais, deparareis com criaturas de natureza boa e leal em número bastante a vos tranquilizar o coração, de maneira a não desesperardes da Humanidade.

Depois, cumpre também dizê-lo, entre os maus, muitos há que apenas o são por arrastamento e que se tornariam bons, desde que submetidos a uma influência boa. Admitamos que, em 100 indivíduos, haja 25 bons e 75 maus; destes últimos, 50 se contam que o são por fraqueza e que seriam bons, se observassem bons exemplos e, sobretudo, se tivessem sido bem encaminhados desde a infância; dos 25 maus, nem todos serão incorrigíveis.

No estado atual das coisas, os maus estão em maioria e ditam a lei aos bons. Suponhamos que uma circunstância qualquer opere a conversão de 50 por cento deles: os bons ficarão em maioria e a seu turno ditarão a lei; dos 25 outros, francamente maus, muitos sofrerão a influência daqueles, restando apenas alguns incorrigíveis sem preponderância.

Tomemos um exemplo, para ilustrar o que acabamos de dizer: Há povos no seio dos quais o assassínio e o roubo são a normalidade, constituindo exceção o bem. Nos povos mais adiantados e mais bem governados da Europa, o crime é a exceção; acuado pelas leis, ele nenhuma influência exerce sobre a sociedade. O que nesses povos ainda predomina são os vícios de caráter: o orgulho, o egoísmo, a cupidez com seus cortejos.
Por que, progredindo esses povos, os vícios não se tornariam a exceção, como o são hoje os crimes, ao passo que os povos inferiores galgariam o nosso nível? Negar a possibilidade dessa marcha ascendente fora negar o progresso.
Certamente, chegar a tal estado de coisas não pode ser obra de um dia, mas, se há uma causa capaz de apressar-lhe o advento, essa causa é, sem nenhuma dúvida, o Espiritismo. Fator, por excelência, da fraternidade humana, por mostrar que as provas da vida atual são a consequência lógica e racional dos atos praticados nas existências anteriores, por fazer de cada homem o artífice voluntário da sua própria felicidade, a vulgarização universal do Espiritismo dará em resultado, necessariamente, uma elevação sensível do nível moral da atualidade.
Apenas elaborados e coordenados, já os princípios gerais da nossa filosofia hão congregado, em imponente comunhão de idéias, milhões de adeptos espalhados por toda a Terra.

Os progressos realizados pela sua influência, as transformações individuais e locais que eles têm provocado em menos de quinze anos, permitem apreciemos as modificações imensas e radicais que operarão no futuro.
Mas, se, graças ao desenvolvimento e à aceitação geral dos ensinos dos Espíritos, o nível moral da Humanidade tende constantemente a elevar-se, singularmente se iludiria quem supusesse que a moralidade preponderará sobre a inteligência. O Espiritismo, com efeito, não quer que o aceitem cegamente; reclama a discussão e a luz.

“Em vez da fé cega, que aniquila a liberdade de pensar, diz ele: Não há fé inabalável, senão a que possa encarar face a face a razão, em todas as épocas da Humanidade.
A fé necessita de base e esta base consiste na inteligência perfeita daquilo em que se haja de crer. Para crer, não basta ver, é, sobretudo, preciso compreender.”(O Evangelho segundo o Espiritismo.) Com bom direito, pois, podemos considerar o Espiritismo como um dos mais fortes precursores da aristocracia do futuro, isto é, da aristocracia intelecto-moral.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Refletindo sobre as Curas.


CURAS – A Gênese capítulo XIV ( 31 a 34)

·         . Como se há visto, o fluido universal é o elemento primitivo do corpo carnal e do perispírito, os quais são simples transformações dele. Pela identidade da sua natureza, esse fluido, condensado no perispírito, pode fornecer princípios reparadores ao corpo; o Espírito, encarnado ou desencarnado, é o agente propulsor que infiltra num corpo deteriorado uma parte da substância do seu envoltório fluídico. A cura se opera mediante a substituição de uma molécula malsã por uma molécula sã. O poder curativo estará, pois, na razão direta da pureza da substância inoculada; mas,depende também da energia da vontade que, quanto maior for, tanto mais abundante emissão fluídica provocará e tanto maior força de penetração dará ao fluido. Depende ainda das intenções daquele que deseje realizar a cura, seja homem ou Espírito. Os fluidos que emanam de uma fonte impura são quais substâncias medicamentosas alteradas.

·         . São extremamente variados os efeitos da ação fluídica sobre os doentes, de acordo com as circunstâncias. Algumas vezes é lenta e reclama tratamento prolongado, como no magnetismo ordinário; doutras vezes é rápida, como uma corrente elétrica. Há pessoas dotadas de tal poder, que operam curas instantâneas nalguns doentes, por meio apenas da imposição das mãos, ou, até, exclusivamente por ato da vontade. Entre os dois pólos extremos dessa faculdade, há infinitos matizes. Todas as curas desse gênero são variedades do magnetismo e só diferem pela intensidade e pela rapidez da ação. O princípio é sempre o mesmo: o fluido, a desempenhar o papel de agente terapêutico e cujo efeito se acha subordinado à sua qualidade e a circunstâncias especiais.

·          A ação magnética pode produzir-se de muitas maneiras:

1º pelo próprio fluido do magnetizador; é o magnetismo propriamente dito, ou magnetismo humano, cuja ação se acha adstrita à força e, sobretudo, à qualidade do fluido;

2º pelo fluido dos Espíritos, atuando diretamente e sem intermediário sobre um encarnado, seja para o curar ou acalmar um sofrimento, seja para provocar o sono sonambúlico espontâneo, seja para exercer sobre o indivíduo uma influência física ou moral qualquer. É o magnetismo espiritual, cuja qualidade está na razão direta das qualidades do Espírito; (1)

3º pelos fluidos que os Espíritos derramam sobre o magnetizador, que serve de veículo para esse derramamento. É o magnetismo misto, semi espiritual, ou, se o preferirem, humano-espiritual. Combinado com o fluido humano, o fluido espiritual lhe imprime qualidades de que ele carece.
            Em tais circunstâncias, o concurso dos Espíritos é amiúde espontâneo, porém, as                      mais das vezes,  provocado por um apelo do magnetizador.
·         É muito comum a faculdade de curar pela influência fluídica e pode desenvolver-se por meio do exercício; mas, de curar instantaneamente, pela imposição das mãos, essa é mais rara e o seu grau máximo se deve considerar excepcional.

No entanto, em épocas diversas e no seio de quase todos os povos, surgiram indivíduos que a possuíam em grau eminente. Nestes últimos tempos, apareceram muitos exemplos notáveis, cuja autenticidade não sofre contestação. Uma vez que as curas desse gênero assentam num princípio natural e que o poder de operá-las não constitui privilégio, o que se segue é que elas não se operam fora da Natureza e que só são miraculosas na aparência. (1)

1 Casos de curas instantâneas relatados na Revue Spirite: “O príncipe de Hohenlohe”, dezembro de 1866; — “Jacob”, outubro e novembro de 1866; outubro e novembro de 1867; — “Simonet”, agosto de 1867; — “Caid Hassan”, outubro de 1867; — “O cura Gassner”, novembro de 1867.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da doçura...

Em uma de nossas viagens à Cataguases, MG, sempre encontro familiares e pessoas queridas. Neste registro temos Sr. Ayres Nascimento, com seus mais 93 anos. Outro ícone do Movimento Espírita de Cataguases. O texto que ora divulgamos expressa bem o caráter de nosso irmão, uma pessoa sensata que tive a oportunidade de conviver diretamente, sempre ouvindo seus conselhos e incentivo. Juntamente com outros companheiros e companheiras fundaram o C.E. Bezerra de Menezes em 28/02/1958), o Albergue Noturno Francisco de Assis, a APAE, tendo participado ativamente em outras instituições.
                           


OBEDIÊNCIA E RESIGNAÇÃO – Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. IX

  
Obediência – do lat. oboedientia – significa submeter-se à vontade, às ordens de outrem, e executá-las. Resignação – Do lat. resignatione, é o ato ou o efeito de resignar-se; renúncia espontânea de um cargo; submissão paciente aos sofrimentos da vida.


8. A doutrina de Jesus ensina, em todos os seus pontos, a obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da doçura e muito ativas, se bem os homens erradamente as confundam com a negação do sentimento e da vontade. A obediência é o consentimento da razão; a resignação é o consentimento do coração, forças ativas ambas, porquanto carregam o fardo das provações que a revolta insensata deixa cair. O pusilânime não pode ser resignado, do mesmo modo que o orgulhoso e o egoísta não podem ser obedientes. Jesus foi a encarnação dessas virtudes que a antiguidade material desprezava. Ele veio no momento em que a sociedade romana perecia nos desfalecimentos da corrupção. Veio fazer que, no seio da Humanidade deprimida, brilhassem os triunfos do sacrifício e da renúncia carnal.


Cada época é marcada, assim, com o cunho da virtude ou do vício que a tem de salvar ou perder. A virtude da vossa geração é a atividade intelectual; seu vício é a indiferença moral. Digo, apenas, atividade, porque o gênio se eleva de repente e descobre, por si só, horizontes que a multidão somente mais tarde verá, enquanto que a atividade é a reunião dos esforços de todos para atingir um fim menos brilhante, mas que prova a elevação intelectual de uma época. Submetei-vos à impulsão que vimos dar aos vossos espíritos; obedecei à grande lei do progresso, que é a palavra da vossa geração. Ai do espírito preguiçoso, ai daquele que cerra o seu entendimento! Ai dele! porquanto nós, que somos os guias da Humanidade em marcha, lhe aplicaremos o látego e lhe submeteremos a vontade rebelde, por meio da dupla ação do freio e da espora. Toda resistência orgulhosa terá de, cedo ou tarde, ser vencida. Bem-aventurados, no entanto, os que são brandos, pois prestarão dócil ouvido aos ensinos. – Lázaro. (Paris, 1863.)

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Mediunidade nos Animais



236. A questão da mediunidade dos animais se acha completamente resolvida na dissertação seguinte, feita por um Espírito cuja profundeza e sagacidade os leitores hão podido apreciar nas citações, que temos tido ocasião de fazer, de instruções suas. Para bem se apreender o valor da sua demonstração, essencial é se tenha em vista a explicação por ele dada do papel do médium nas comunicações, explicação que atrás reproduzimos
Esta comunicação deu-a ele em seguida a uma discussão, que se travara, sobre o assunto, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas:

“Explanarei hoje a questão da mediunidade dos animais, levantada e sustentada por um dos vossos mais fervorosos adeptos. Pretende ele, em virtude deste axioma: Quem pode o mais pode o menos, que podemos ‘mediunizar’ os pássaros e os outros animais e servir-nos deles nas nossas comunicações com a espécie humana. É o que chamais, em filosofia, ou, antes, em lógica, pura e simplesmente um sofisma. ‘Podeis animar, diz ele, a matéria inerte, isto é, uma mesa, uma cadeira, um piano; a fortiori, deveis poder animar a matéria já animada e particularmente pássaros.

Pois bem! no estado normal do Espiritismo, não é assim, não pode ser assim.“Primeiramente, entendamo-nos bem acerca dos fatos.

Que é um médium? É o ser, é o indivíduo que serve de traço de união aos Espíritos, para que estes possam comunicar-se facilmente com os homens: Espíritos encarnados. Por conseguinte, sem médium, não há comunicações tangíveis, mentais, escritas, físicas, de qualquer natureza que seja.

“Há um princípio que, estou certo, todos os espíritas admitem, é que os semelhantes atuam com seus semelhantes e como seus semelhantes. Ora, quais são os semelhantes dos Espíritos, senão os Espíritos, encarnados ou não?

Será preciso que vô-lo repitamos incessantemente? Pois bem! repeti-lo-ei ainda: o vosso perispírito e o nosso procedem do mesmo meio, são de natureza idêntica, são, numa palavra, semelhantes. Possuem uma propriedade de assimilação mais ou menos desenvolvida, de magnetização mais ou menos vigorosa, que nos permite a nós, Espíritos desencarnados e encarnados, pormo-nos muito pronta e facilmente em comunicação. Enfim, o que é peculiar aos médiuns, o que é da essência mesma da individualidade deles, é uma afinidade especial e, ao mesmo tempo, uma força de expansão particular, que lhes suprimem toda refratariedade e estabelecem, entre eles e nós, uma espécie de corrente, uma espécie de fusão, que nos facilita as comunicações. É, em suma, essa refratariedade da matéria que se opõe ao desenvolvimento da mediunidade, na maior parte dos que não são médiuns.

“Os homens se mostram sempre propensos a tudo exagerar; uns, não falo aqui dos materialistas, negam alma aos animais, outros de boa mente lhes atribuem uma, igual, por assim dizer, à nossa. Por que hão de pretender deste modo confundir o perfectível com o imperfectível? Não, não, convencei-vos, o fogo que anima os irracionais, o sopro que os faz agir, mover e falar na linguagem que lhes é própria, não tem, quanto ao presente, nenhuma aptidão para se mesclar, unir, fundir com o sopro divino, a alma etérea, o Espírito em uma palavra, que anima o ser essencialmente perfectível: o homem, o rei da criação. Ora, não é essa condição fundamental de perfectibilidade o que constitui a superioridade da espécie humana sobre as outras espécies terrestres? Reconhecei, então, que não se pode assimilar ao homem, que só ele é perfectível em si mesmo e nas suas obras, nenhum indivíduo das outras raças que vivem na Terra.


“O cão que, pela sua inteligência superior entre os animais, se tornou o amigo e o comensal do homem, será perfectível por si mesmo, por sua iniciativa pessoal? Ninguém ousaria afirmá-lo, porquanto o cão não faz progredir o cão. O que, dentre eles, se mostre mais bem-educado, sempre o foi pelo seu dono. Desde que o mundo é mundo, a lontra sempre construiu sua choça em cima d’água, seguindo as mesmas proporções e uma regra invariável; os rouxinóis e as andorinhas jamais construíram os respectivos ninhos senão do mesmo modo que seus pais o fizeram.

Um ninho de pardais de antes do dilúvio, como um ninho de pardais dos tempos modernos, é sempre um ninho de pardais, edificado nas mesmas condições e com o mesmo sistema de entrelaçamento das palhinhas e dos fragmentos apanhados na primavera, na época dos amores. As abelhas e formigas, que formam pequeninas repúblicas bem administradas, jamais mudaram seus hábitos de abastecimento, sua maneira de proceder, seus costumes, suas produções. A aranha, finalmente, tece a sua teia sempre do mesmo modo.
“Por outro lado, se procurardes as cabanas de folhagens e as tendas das primeiras idades do mundo, encontrareis, em lugar de umas e outras, os palácios e os castelos da civilização moderna. Às vestes de peles brutas sucederam os tecidos de ouro e seda. Enfim, a cada passo, achais a prova da marcha incessante da Humanidade pela senda do progresso.

“Desse progredir constante, invencível, irrecusável, do Espírito humano e desse estacionamento indefinido das outras espécies animais, haveis de concluir comigo que, se é certo que existem princípios comuns a tudo o que vive e se move na Terra: o sopro e a matéria, não menos certo é que somente vós, Espíritos encarnados, estais submetidos a inevitável lei do progresso, que vos impele fatalmente para diante e sempre para diante. Deus colocou os animais ao vosso lado como auxiliares, para vos alimentarem, para vos vestirem, para vos secundarem. Deu-lhes uma certa dose de inteligência, porque, para vos ajudarem, precisavam compreender, porém lhes outorgou inteligência apenas proporcionada aos serviços que são chamados a prestar. Mas, em sua sabedoria, não quis que estivessem sujeitos à mesma lei do progresso. Tais como foram criados se conservaram e se conservarão até à extinção de suas raças.

“Dizem: os Espíritos ‘mediunizam’ a matéria inerte e fazem que se movam cadeiras, mesas, pianos. Fazem que se movam, sim, ‘mediunizam’, não! porquanto, mais uma vez o digo, sem médium, nenhum desses fenômenos pode produzir-se. Que há de extraordinário em que, com o auxílio de um ou de muitos médiuns, façamos se mova a matéria inerte, passiva, que, precisamente em virtude da sua passividade, da sua inércia, é apropriada a executar os movimentos e as impulsões que lhe queiramos imprimir? Para isso, precisamos de médiuns, é positivo; mas, não é necessário que o médium esteja presente, ou seja consciente, pois que podemos atuar com os elementos que ele nos fornece, a seu mau grado e ausente, sobretudo para produzir os fatos de tangibilidade e o de transportes. O nosso envoltório fluídico, mais imponderável e mais sutil do que o mais sutil e o mais imponderável dos vossos gases, com uma propriedade de expansão e de penetrabilidade inapreciável para os vossos sentidos grosseiros e quase inexplicável para vós, unindo-se, casando-se, combinando-se com o envoltório fluídico, porém animalizado, do médium, nos permite imprimir movimento a móveis quaisquer e até quebrá-los em aposentos desabitados.

“É certo que os Espíritos podem tornar-se visíveis e tangíveis aos animais e, muitas vezes, o terror súbito que eles denotam, sem que lhe percebais a causa, é determinado pela visão de um ou de muitos Espíritos, mal-intencionados com relação aos indivíduos presentes, ou com relação aos donos dos animais. Ainda com mais frequência vedes cavalos que se negam a avançar ou a recuar, ou que empinam diante de um obstáculo imaginário. Pois bem! tende como certo que o obstáculo imaginário é quase sempre um Espírito ou um grupo de Espíritos que se comprazem em impedi-los de mover-se. Lembrai-vos da mula de Balaão que, vendo um anjo diante de si e temendo-lhe a espada flamejante, se obstinava em não dar um passo. É que, antes de se manifestar visivelmente a Balaão, o anjo quisera tornar-se visível somente para o animal. Mas, repito, não mediunizamos diretamente nem os animais, nem a matéria inerte. É-nos sempre necessário o concurso consciente, ou inconsciente, de um médium humano, porque precisamos da união de fluidos similares, o que não achamos nem nos animais, nem na matéria bruta.
“O Sr. T..., diz-se, magnetizou o seu cão. A que resultado chegou? Matou-o, porquanto o infeliz animal morreu, depois de haver caído numa espécie de atonia, de langor, consequentes à sua magnetização. Com efeito, saturando-o de um fluido haurido numa essência superior à essência especial da sua natureza de cão, ele o esmagou, agindo sobre o animal à semelhança do raio, ainda que mais lentamente.

Assim, pois, como não há assimilação possível entre o nosso perispírito e o envoltório fluídico dos animais, propriamente ditos, aniquila-los-íamos instantaneamente, se os mediunizássemos.
“Isto posto, reconheço perfeitamente que há nos animais aptidões diversas; que certos sentimentos, certas paixões, idênticas às paixões e aos sentimentos humanos, se desenvolvem neles; que são sensíveis e reconhecidos, vingativos e odientos, conforme se procede bem ou mal com eles. É que Deus, que nada fez incompleto, deu aos animais, companheiros ou servidores do homem, qualidades de sociabilidade, que faltam inteiramente aos animais selvagens, habitantes das solidões. Mas, daí a poderem servir de intermediários para a transmissão do pensamento dos Espíritos, há um abismo: a diferença das naturezas.

“Sabeis que tomamos ao cérebro do médium os elementos necessários a dar ao nosso pensamento uma forma que vos seja sensível e apreensível; é com o auxílio dos materiais que possui, que o médium traduz o nosso pensamento em linguagem vulgar. Ora bem! que elementos encontraríamos no cérebro de um animal? Tem ele ali palavras, números, letras, sinais quaisquer, semelhantes aos que existem no homem, mesmo o menos inteligente? Entretanto, direis, os animais compreendem o pensamento do homem, adivinham-no até. Sim, os animais educados compreendem certos pensamentos, mas já os vistes alguma vez reproduzi-los? Não. Deveis então concluir que os animais não nos podem servir de intérpretes.

“Resumindo: os fatos mediúnicos não podem dar-se sem o concurso consciente, ou inconsciente, dos médiuns; e somente entre os encarnados, Espíritos como nós, podemos encontrar os que nos sirvam de médiuns. Quanto a educar cães, pássaros, ou outros animais, para fazerem tais ou tais exercícios, é trabalho vosso e não nosso.”
ERASTO. (O Livro dos Médiuns, 236)

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

História de uma múmia.

Revista Espírita, novembro de 1862  

Em uma das adegas da torre Saint-Michel, em Bordeaux, vê-se um certo número de cadáveres mumificados que não parecem remontar a mais de dois ou três séculos, e que, sem dúvida, foram levados a esse estado pela natureza do solo. É uma das curiosidades da cidade, e que os estrangeiros não deixam de ir visitar. Todos esses corpos têm a pele completamente pergaminhada;  a maioria está num estado de conservação que permite distinguir os traços do rosto e a expressão da fisionomia; vários têm as unhas de um frescor notável; alguns têm ainda fragmentos das vestes, e mesmo de rendas muito finas.
Entre essas múmias, há uma que fixa particularmente a atenção; é a de um homem cujas contrações do corpo, do rosto e dos braços levados à boca, não deixam nenhuma dúvida sobre o seu gênero de morte; é evidente que foi enterrado vivo, e que morreu nas convulsões de uma agonia terrível.

Um novo jornal de Bordeaux publicou um romance-folhetim sob o título de Mistérios da torre Saint-Michel. Não conhecemos essa obra senão de nome, e pelas grandes imagens em cartazes sobre todas as paredes da cidade e representando a adega da torre.
Consequentemente, não sabemos em que espírito foi concebido, nem a fonte onde o autor hauriu os fatos que conta. O que vamos contar tem pelo menos o mérito de não ser o fruto da imaginação humana, uma vez que vem diretamente de além-túmulo, o que talvez fará muito rir o autor em questão. O que quer que seja, cremos que este relato não é um dos episódios menos impressionantes dos dramas que deveram se passar nesses lugares; será lido com tanto mais interesse por todos os Espíritas, porque encerra em si um grande ensinamento; é a história do homem enterrado vivo e de duas outras pessoas que a ele se ligam, obtido numa série de evocações feitas na Sociedade Espírita de Saint-Jean d'Angély, no mês de agosto último, e que nos foram comunicadas quando de nossa passagem. Pelo que concerne à autenticidade dos fatos, a isso nos referiremos na nota colocada no fim deste artigo.

(Saint-Jean d'Angély, 9 de agosto de 1862. - Médium, Sr. Del.....pela tiptologia.)

1.   Pergunta ao guia protetor: Podemos evocar o Espírito que animou o corpo que se vê na adega da torre Saint-Michel de Bordeaux, e que parece ter sido enterrado vivo? - R. Sim, e que isso sirva para o vosso ensinamento.
2.   Evocação. - (O Espírito manifesta a sua presença.)

3. Poderíeis nos dizer qual foi o vosso nome quando animáveis o corpo de qual falamos? - R - Os mistérios da torre Saint-Michel de Bordeaux.

4. Vossa morte foi uma expiação ou uma prova que havíeis escolhido com o objetivo de vosso adiantamento? - R. Meu Deus, porque, em tua bondade, prossegue a tua justiça sagrada? Sabeis que a expiação é sempre obrigatória, e que aquele que comete um crime não pode evitá-la. Estava eu nesse caso, é tudo vos dizer. Depois de muitos sofrimentos,
cheguei a reconhecer meus erros, e deles senti todo o arrependimento necessário para a minha reentrada em graça diante do Eterno.

5. Podeis nos dizer qual foi o vosso crime? - R. Tinha assassinado minha mulher em seu leito.

(10 de agosto. - Médium, senhora Guérin, pela escrita.)
6. Quando, antes de vossa encarnação, escolhestes vosso gênero de provas, sabíeis que serieis enterrado vivo? - Não; sabia somente que deveria cometer um crime odioso que encheria minha vida de remorsos cruciantes, e que essa vida, eu a acabaria em dores atrozes. Vou ser logo reencarnado; Deus tomou em piedade minha dor e meu arrependimento.
Nota. Esta frase: Sabia que deveria cometer um crime, está explicada adiante, perguntas 30 e 31.

7. A justiça perseguiu alguém por ocasião da morte de vossa mulher? - R. Não; acreditaram numa morte súbita; eu a havia sufocado.

8. Que motivo vos levou a esse ato criminoso? - R. O ciúme.
9. Foi por descuido que vos enterraram vivo? - R. Sim.

10. Lembrai-vos dos instantes de vossa morte? - R. É alguma coisa de terrível, impossível de descrever. Figurai-vos estar numa fossa com dez pés de terra sobre vós, querer respirar e faltar ar, querer gritar: "Estou vivo!" e sentir sua voz abafada; ver-se morrer e não poder chamar por socorro; sentir-se cheio de vida e riscado da lista dos vivos; ter sede e não poder se dessedentar; sentir as dores da fome e não poder fazê-la cessar; morrer, numa palavra, numa raiva de condenado.

11. Nesse momento supremo, pensastes que era o momento de vossa punição? - R. Não pensei em nada; morri como um enraivecido, ferindo-me nas paredes de meu caixão mortuário, querendo dele sair vivo a todo preço.
Nota. Esta resposta é lógica e se acha justificada pelas contorções na quais se vê, examinando o cadáver, que o indivíduo deve ter morrido.

12. Vosso Espírito liberto reviu o corpo de Guillaume Remone? - R. Logo depois de minha morte, eu me via ainda na terra.

13. Quanto tempo ficastes nesse estado, quer dizer, tendo o vosso Espírito ligado ao corpo embora não o animasse mais? - R. Em torno de quinze a dezoito dias.

14. Quando pudestes deixar vosso corpo, onde vos encontrastes? - R. Vi-me cercado de uma multidão de Espíritos como eu cheios de dor, não ousando elevar para Deus seu coração preso à Terra, e desesperançado de receber seu perdão.

Nota. O Espírito ligado ao seu corpo e sofrendo ainda as torturas dos últimos instantes, pois se achando no meio de Espíritos sofredores, desesperançosos de seu perdão não é o inferno com seus prantos e seu ranger de dentes? É necessário fazer dele uma fornalha com as chamas e as forcas? Essa crença na perpetuidade dos sofrimentos é, como se sabe, um dos castigos infligidos aos Espíritos culpados. Esse estado dura tanto quanto o Espírito não se arrepende, e durará sempre se não se arrepende jamais, porque Deus não perdoa senão ao pecador arrependido. Desde que o arrependimento entre em seu coração, um raio de esperança lhe faz entrever a possibilidade de um fim para os seus males; mas só o arrependimento não basta; Deus quer a expiação e a reparação, e é pelas reencarnações sucessivas que Deus dá aos Espíritos imperfeitos a possibilidade de se melhorarem. Na erraticidade eles tomam resoluções que procuram executar em sua vida corporal; é assim que, a cada existência, deixando alguma impureza, chegam gradualmente a se aperfeiçoarem, e dão um passo adiante para a felicidade eterna. A porta da felicidade, portanto, jamais lhes é fechada, mas a alcançam num tempo mais ou menos longo, segundo a sua vontade e o trabalho que fazem, sobre si mesmos, para merecê-lo.
Não se pode admitir a onipotência de Deus sem a presciência; desde então, pergunta-se por que Deus, criando uma alma, sabendo que ela deverá falir sem poder se levantar, a tirou do nada para votá-la aos tormentos eternos? Quis, pois, criar almas infelizes? Esta proposição é insustentável com a ideia da bondade infinita, que é um dos seus atributos essenciais. De duas coisas uma, ou ele sabia, ou não o sabia; se não sabia não é todo poderoso; se o sabia, não é nem justo e nem bom; ora, tirar uma parcela do infinito dos atributos de Deus, é negar a Divindade. Tudo se concilia, ao contrário, com a possibilidade deixada ao Espírito de reparar suas faltas. Deus sabia que, em virtude de seu livre arbítrio, o Espírito faliria, mas sabia também que se reabilitaria; sabia que tomando o mau caminho retardaria sua chegada ao objetivo, mas que chegaria cedo ou tarde, e é para fazê-lo chegar mais depressa que multiplica as advertências sobre seu caminho; se não as escuta, não é senão mais culpável, e merece a prolongamento de suas provas. Dessas duas doutrinas, qual é a mais racional? A.K.

Importante: sugerimos aos leitores pesquisarem na Revista Espírita novembro 1862 a continuidade deste trabalho de pesquisa de Allan Kardec sobre este fato.