Autor: Léon Denis

Nas camadas inferiores da
criação, o ser não tem ainda consciência; apenas a fatalidade do instinto o
impele, e não é senão nos tipos superiores da animalidade que surgem,
timidamente, os primeiros sintomas das faculdades humanas. A alma, jungida ao
ciclo humano, desperta para a liberdade moral, o juízo e a consciência
desenvolvem-se cada vez mais no curso de sua imensa parábola: colocada entre o
bem e o mal, ela faz o confronto e escolhe livremente, tornada sábia pelas
quedas e pela dor; e na prova, sua experiência forma-se e sua força mental se
afirma.
A alma humana, livre e
consciente, não pode mais recair na vida inferior: suas encarnações sucedem-se
na dos mundos, até que, ao fim de seu longo trabalho, tenha conquistado a
sabedoria, a ciência e o amor, cuja posse a emancipará para sempre das
encarnações e da morte, abrindo-lhe a porta da vida celeste.
A alma alcança seus
destinos, prepara suas alegrias ou dores, exercendo sua liberdade, porém, no
curso de sua jornada, na prova amarga e na ardente luta das paixões, a ajuda
superior não lhe será negada e, se ela mesma não a afasta, por parecer indigna
dela, quando a vontade se afirma para retomar o caminho do bem, o bom caminho,
a providência intervém e propicia-lhe ajuda e apoio, Providência é o espírito
superior, o anjo que vigia na desventura, o Consolador invisível cujas
inspirações aquecem o coração enregelado pelo desespero, cujos fluidos
vivificadores fortalecem o peregrino cansado; providência é o farol aceso na
noite para salvação daqueles que erram no oceano proceloso da existência;
providência é, ainda e sobretudo, o amor divino que se derrama sobre suas
criaturas. E quanta solicitude, quanta previdência neste amor. Não suspendeu os
mundos no espaço, acendeu os sois, formou os continentes, os mares, para servir
de teatro à alma, de campo aos seus progressos? Esta grande obra de criação
cumpre-se somente para a alma, para ela combinam-se as forças naturais, os
mundos deixam as nebulosas.
A alma é nascida para o bem,
mas para que ela possa apreciá-lo na justa medida, para que possa conhecer-lhe
todo o valor, deve conquistá-lo desenvolvendo livremente as próprias
potencialidades: a liberdade de ação e a responsabilidade aumentam com sua
elevação, pois quanto mais ela se ilumina mais pode e deve conformar a sua obra
pessoal às leis que regem o universo.
A liberdade do ser é
exercida, pois, em um círculo limitado, parte pelas exigências da lei natural
que não sobre violações ou desordens neste mundo, parte pelo passado do próprio
ser, cujas consequências se refletem sobre ele através dos tempos, até a
completa reparação.
Assim o exercício da
liberdade humana não pode obstar, em caso algum, a execução do plano divino,
sem o que a ordem das coisas seria continuamente perturbada: acima de nossas
vistas limitadas e variáveis, permanece e continua a ordem imutável do universo.
Somos quase sempre maus juízes daquilo que é nosso verdadeiro bem; se a ordem
natural das coisas devesse dobrar-se aos nossos desejos, que espantosas
perturbações não resultariam disto?
A primeira coisa que o homem
faria, se possuísse liberdade absoluta, seria afastar de si todas as causas de
sofrimento, e assegurar para si uma vida plena de felicidade: ora, se existem
males que a inteligência humana tem o dever e os meios de conjurar e destruir,
como os que provêm do ambiente terrestre, outros existem que são inerentes à
nossa natureza, como os vícios, que somente a dor e a repressão podem domar.
Neste caso a dor torna-se uma escola, ou antes, um remédio indispensável, pelo qual as
provas são apenas uma repartição equânime da infalível justiça: é por ignorar
os fins desejados por Deus, que nos tornamos rebeldes à ordem do mundo e às
suas leis, e se elas são suscetíveis de nossas críticas, é apenas porque
ignoramos o seu oculto poder.
O destino é consequência de
nossos atos e de nossas livres resoluções: no suceder-se das
existências, na vida espiritual, mais esclarecidos sobre nossas imperfeições e
preocupações com os meios de eliminá-las, aceitamos a vida material sob a forma
e nas condições que nos parecem adequadas a atingir esta finalidade. Os
fenômenos do hipnotismo e da sugestão mental explicam-nos o que acontece em
tais casos, sob a influência de nossos protetores espirituais; no estado de
sonambulismo, a alma empenha-se a realizar uma certa ação em certo momento, por
sugestão do magnetizador, e, despertada, sem recordar aparentemente a promessa,
executa com exatidão o ato imposto.
Assim o homem não conserva
lembrança das resoluções que tomou antes de renascer, mas, chegada a hora,
afronta os acontecimentos previstos, e participa deles na medida necessária ao
seu progresso, ou ao cumprimento da lei inexorável.
Livro: Depois da Morte
Um comentário:
Boa leitura e estudos.
Postar um comentário