Muitos
acham bonito ser médium e veem os médiuns envoltos numa auréola de prestígio e
de energia. Há médiuns que não apenas gostam disso, mas até estimulam
admirações boquiabertas, como se fossem verdadeiros gurus. É inevitável que a
mediunidade exercida com segurança, conhecimento, responsabilidade, humildade
é, de fato, coisa admirável de se observar em operação, seja pela qualidade dos
fenômenos, seja pela limpidez das comunicações escritas ou faladas. Não é uma
beleza ler um soneto de Bilac ou um poema de Castro Alves que acaba de ser
recebido pelas mãos de um Chico Xavier? Ou um livro como Memórias de um
Suicida, pela Yvonne Pereira? Claro que é. É também emocionante assistir um
atleta bater um recorde mundial, a um virtuoso do piano ou do violino, uma bela
sonata, mas poucos são os que pensam nos anos e anos de disciplina e renúncia,
de estudo e aplicação que estão por trás de tais desempenhos.
Mediunidade é dom
inato, mas, como qualquer outra faculdade, pode (e precisa) ser desenvolvida e
treinada. O bom corredor nasce com pernas fortes e longas, bom sistema
respiratório, coração resistente, mas não nasce corredor; ele precisa fazer-se,
e só o consegue quando se aplica com dedicação ao desenvolvimento de suas
metas. O médium em potencial não pode fazer por menos, se é que deseja chegar a
dominar a sua instrumentação, ao invés de cedê-la aos espíritos, ao mesmo tempo
que mantém sobre ela sua atenta vigilância. Isto se aprende, se cultiva e se
exerce.
Desejo, a seguir,
demonstrar, ao vivo, o que entendo por um médium responsável que, longe de
entregar-se, às cegas, ao exercício da mediunidade, procura estudá-la,
observá-la, esmiuçá-la nas suas mais sutis características a fim de orientar-se
devidamente, com um mínimo de riscos, pelos seus meandros, segredos e
mistérios. Transcrevo, para isso, o depoimento escrito ao meu pedido, por esse
médium.
"Se a
psicografia apresenta variantes na sua mecânica" - escreve ele - "a
psicofonia, muito mais”. O problema começa com a palavra incorporação, de vez
que incorporar significa 'dar forma corpórea, juntar num só corpo, dar unidade,
introduzir, embeber, entrar a fazer parte, juntar-se', entre outras conotações
que encontramos no Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de
Holanda. Por isso, muita gente acha que o espírito comunicante 'entra' no
médium para falar ou agir. A palavra, portanto, não está bem empregada. O que
acontece, então, na chamada incorporação?
"Segundo
informações de que dispomos, vindas de amigos espirituais e orientadores
(Silver Birch é um deles), e da minha própria experiência, as coisas se passam
da seguinte maneira”:
"A entidade
comunicante aproxima-se do aparelho mediúnico e as duas auras - a dele e a do
instrumento - se unem e, então, a entidade passa a comandar os centros nervosos do
aparelho. Esse controle é exercido, obviamente, através do cérebro físico do
médium, via perispírito, já que o espírito manifestante não pode comandar
diretamente um corpo que não é o seu”.
"O que acontece,
portanto, é que o espírito do médium cede o controle parcial do corpo, ao qual
está ligado e pelo qual é responsável, ao comunicante que, através do seu
próprio perispírito, assume tais controles, enquanto o perispírito do médium se
coloca ao lado. É, pelo menos, o tipo de 'incorporação' que ocorre comigo.
"Agora, vejamos
bem: o espírito do médium não perde sua autonomia tem sua autoridade e
soberania sobre o corpo emprestado à outra individualidade que o manipula. O
corpo é de sua inteira responsabilidade e somente através de seu perispírito
pode a entidade desencarnada atuar sobre o mesmo. O espírito do médium empresta
sua aparelhagem física, mas continua dono dela, vigilante, de olho o tempo todo
para certificar-se de que nada lhe aconteça. Tanto é assim que, se julgar
necessário, poderá interromper a comunicação a qualquer momento. Não há, a
rigor, mediunidade inconsciente. O espírito está sempre consciente e atento. A
diferença está em que a consciência não se expressa pelo cérebro físico (que,
naquele momento, está sendo manipulado por uma mente estranha), mas sim no
perispírito do médium, usualmente desdobrado e presente, à curta distância. Por
isso se torna difícil ao médium registrar a comunicação transmitida por
intermédio do seu cérebro físico, mas gerada por outra mente que não a sua. Ao
retornar ao corpo, ele encontra vagas impressões do que por ali flui, vindo da
mente do espírito comunicante. Coisa semelhante acontece com o sonho, do qual
nem sempre podemos nos lembrar, porque as atividades desenvolvidas pelo
sonhador não ficaram registradas no cérebro físico, e sim na sua contraparte
espiritual. Isso não quer dizer que a pessoa ficou inconsciente enquanto
sonhava. Apenas não guardou a lembrança do que aconteceu e pensou:
"Isto se dá com
certos tipos de mediunidades (como é o meu caso). Observe-se, contudo, que,
quando digo passividade, não quero dizer inatividade e sim entrega vigiada, cessão, empréstimo
temporário.
"Sei, por
informação de companheiros, também médiuns, que a psicofonia pode assumir
características outras, bem diferentes da minha”. Em alguns deles, depreendo
que a comunicação ocorre em nível mental, isto é, o médium 'ouve' antes o que o
espírito tem a dizer, podendo, assim, interferir diretamente na comunicação
dizendo muitas vezes o que ele, médium, quer e ache o que deva dizer, e não
exatamente aquilo que ouviu do espírito. Nesses casos o médium cerceia a
liberdade do comunicante, censurando e modificando a comunicação, quando e onde
achar conveniente, a seu inteiro arbítrio.
"Há médiuns nos
quais a comunicação vai se formando palavra por palavra embora inaudíveis,
alinhando-se em frases que, lentamente, vão sendo comunicadas" .
Fecho, neste ponto, a
citação. E a comento de maneira sumária.
Em primeiro lugar, a técnica do
processo que, segundo Kardec, se promove pela "mistura dos fluidos"
perispirituais do manifestante com os médium. Em seguida, a nítida definição de
atribuições, responsabilidade e limitações e, finalmente, o fato de que, como
vimos há pouco, em Kardec o médium audiente não deve ser confundido com o psicofônico.
Um repete que ouve, o outro empresta seu corpo para que o próprio manifestante
fale por ele, manipulando centros que comandam a fala. Num caso, há (ou pode
haver censura prévia, uma interferência deliberada e voluntária do médium no
teor da comunicação. No outro, a censura também pode (e deve) ocorrer, mas pelo
processo de seleção direta de palavras mas por um bloqueio psicológico e mais
sutil. Diríamos que, no primeiro caso, é uma peneiragem, no segundo o processo
é de filtragem. Em ambos o médium dispõe de recursos para policiar o que flui
através da sua instrumentação.
A interpenetração de
fluidos a que alude Kardec, ocorre, segundo Boddington, quando a aura do médium
e a do espírito se tocam - conceito semelhante ao formulado por Regina, que diz
que "as auras se unem". Em verdade, a aura é uma extensão do
perispírito, irradiando-se até uma distância de alguns centímetros além dos
limites do corpo físico encarnado. No seu excelente livro The Human Aura, hoje
injustamente esquecido, o dr. Killner estuda com minúcias a aura, os fenômenos
que produz e as modificações que apresenta, em conjunção com as eventuais
disfunções orgânicas da pessoa.
Escreve Boddington:
É fato bem
estabelecido que, a não ser que o magnetismo se misture harmoniosamente com o
dos sensitivos, eles não podem fazer sentir suas presenças. (Boddington. Harry.
1948).
Mais adiante em seu
livro, Boddington volta ao assunto. Aliás, a aura é um de seus temas
prediletos, a julgar pelas inúmeras referências esparsas, além de um capítulo
especialmente dedicado ao assunto na sua obra University of spiritualism. Acha
ele que até o tipo da mediunidade é determinado pela qualidade específica da
aura e esta, pelo tipo psicológico do indivíduo, bem como por suas emoções.
Vejamos:
Indivíduos sujeitos a
estados de transe profundo são as pessoas mais práticas e objetivas, sem a
menor ambição por se projetarem dessa maneira, O transe inconsciente ocorre com
menor frequencia àqueles que pensam rápido e que, aparentemente, não possuem a
qualidade especial de aura através da qual o estado de transe se torne
possível. (Idem)
Isto faz sentido,
quando nos lembramos de que certas faculdades mediúnicas acham-se conjugadas
com outras tantas disposições orgânicas, como os médiuns de efeitos físicos
(cura, materialização, transporte, etc.), são os que têm condições de produzir
e movimentar maiores quantidades de ectoplasma.