14. As Vidas Sucessivas. Provas Experimentais Renovação da
Memória.
(fonte: livro de Leon Denis – O problema do ser, do destino e
da dor)
A memória é o encadeamento, a associação das
ideias, dos fatos, dos conhecimentos. Quando esta associação desaparece, quando se rompe o fio das
lembranças, o passado parece apagar-se para nós. Mas, isto é só aparentemente.
Em um discurso pronunciado em 6 de fevereiro de 1905, o professor Charles Richet, da
Academia de Medicina, dizia: “A memória é uma faculdade implacável de nossa
inteligência, pois, nenhuma de nossas percepções jamais é esquecida.
Desde que um fato marque nossos sentidos, então, de maneira irremediável, ele
se fixa na memória. Pouco importa que tenhamos guardado a consciência daquela
recordação; ela existe, torna-se indelével”.
Acrescentemos que ela pode renascer. O despertar da memória é
apenas um efeito de vibração, produzido pela ação da vontade nas células do
cérebro. Para fazer reviver as lembranças anteriores ao nascimento, é
necessário recolocar-se em harmonia de vibrações com o estado dinâmico em que
nos encontrávamos, na época em que se estabeleceu a percepção. Não existindo mais os cérebros que registraram aquelas
percepções, é preciso procurar estas últimas na consciência profunda.
Esta, no entanto, mantém-se muda durante tanto tempo quanto o espírito fique
aprisionado na carne. Ele deve sair, libertar-se do corpo, para recuperar a
plenitude de suas vibrações e retomar a trama das recordações ocultas em si.
Percebe, então, seu passado e pode reconstituí-lo em seus menores fatos. É o
que ocorre nos fenômenos do sonambulismo e do transe.
Sabemos que existem em nós profundezas misteriosas, em que se
depositaram lentamente, através dos tempos, os sedimentos de nossas vidas de
lutas, de estudo e de trabalho; ali estão gravados todos os incidentes, todas
as vicissitudes do obscuro passado. É como um oceano de coisas adormecidas que
as ondas do destino balançam.
Um apelo poderoso da vontade pode fazê-las reviver. Para
elas, o espírito dirige seu olhar, nas horas de clarividência, assim como as
radiações das estrelas deslizam, nas profundezas esverdeadas, até as abóbadas e
os arcos dos recônditos sombrios do mar.
Lembremos, aqui, os pontos essenciais da teoria do eu, à qual
se reportam todos os problemas da memória e da consciência.
A identidade do eu, a personalidade, só persiste e se mantém
pela lembrança e a consciência. As reminiscências, as intuições, as aptidões
determinam a sensação de ter vivido. Há, na inteligência, uma continuidade, uma
sucessão de causas e efeitos que é preciso reconstituir em seu conjunto para
possuir o conhecimento integral do eu. Isto, nós o vimos impossível na vida
material, já que o fato de estar no corpo provoca um apagar temporário dos
estados de consciência que formam este conjunto contínuo. Assim como a vida
física está submetida às alternâncias da noite e do dia, produz-se um fenômeno
análogo na vida do espírito. Nossa memória, nossa consciência atravessam
alternadamente períodos de eclipse ou de fulgor, de sombra ou de luz, no estado
celeste ou terrestre, e mesmo neste último plano, durante a vigília ou os
diferentes estados do sono. E, como há gradações no eclipse, também há graus na
luz.
Muitos sonhos não deixam traço algum, ao despertar, assim
como as impressões recolhidas durante o sono sonambúlico. Todos os
magnetizadores o sabem: o esquecimento, ao despertar, é um fenômeno constante
nos sonâmbulos. Mas desde que o espírito do sujet, mergulhado em novo sono, se
ache nas condições dinâmicas que permitam a renovação das lembranças, estas
despertam. O sujet recorda o que fez, o que disse, o que viu e exprimiu, em
todas as épocas de sua existência.
Desta forma, compreendemos facilmente o esquecimento
momentâneo das vidas anteriores. O movimento vibratório do invólucro
perispiritual, amortecido pela matéria no curso da vida atual, é muito fraco
para que o grau de intensidade e a duração necessários à renovação destas
lembranças possam ser atingidos, durante a vigília.
Em realidade, a memória é apenas um modo da consciência. A
lembrança está, com frequência, no estado subconsciente. No círculo restrito da
vida atual, nem mesmo conservamos a recordação de nossos primeiros anos que,
entretanto, permanece gravada em nós, como todos os estados atravessados, no
curso de nossa história. Acontece o mesmo com um grande número de atos e de
fatos pertencentes a outros períodos da vida. Dizem que Gassendi recordava-se
da idade de 18 meses; mas isto é uma exceção. O esforço mental é necessário
para acordar essas lembranças da vida normal, esta que nos é mais familiar;
necessário, repitamo-lo, para retomar mil coisas estudadas, aprendidas, esquecidas,
pois desceram às camadas profundas da memória. A cada instante, a inteligência
tem de procurar, no subconsciente, os conhecimentos, as lembranças que ela quer
fazer reviver; esforça-se para fazê-los passar à consciência física, no cérebro
concreto, depois de provê-los com os elementos vitais fornecidos pelos
neurônios ou células nervosas. Segundo a riqueza ou a pobreza destes elementos,
a lembrança surgirá clara ou difusa; às vezes, ela se esconde; a comunicação
não pode estabelecer-se, ou, então, a projeção só ocorre mais tarde, quando
menos se espera.
Portanto, a primeira condição para recordar-se é querer. Isto
explica por que muitos espíritos, mesmo na vida do Espaço, sob o domínio de
certos preconceitos dogmáticos, negam-se a qualquer busca e permanecem
ignorantes a respeito do passado que neles dorme. Naquele meio, como entre nós,
no curso da experimentação, uma sugestão é necessária. Esta lei da sugestão,
vemo-la manifestar-se em toda parte, sob mil formas, nós próprios a vivenciamos
a todo momento. Por exemplo, perto de nós, um canto se eleva, uma palavra, um
nome ecoa, uma imagem impressiona nosso olhar e eis que, de repente, graças à
associação das ideias, todo um encadeamento de lembranças confusas, quase
esquecidas, dissimuladas nos baixios de nossa consciência, desenrola-se a nosso
espírito. Períodos inteiros de nossa vida presente podem apagar-se da memória.
Em seu livro: Les Phénomènes Psychiques, p.170, o Dr. J. Maxwell, procurador
geral, assim se expressa, a respeito dos chamados casos de amésia:
Algumas vezes mesmo, a noção da personalidade desaparece.
Conhecemos doentes que, subitamente, esquecem até o próprio nome. Toda a vida
se lhes apaga e eles parecem voltar ao estado em que se achavam, no momento de
seu nascimento. Eles mesmos têm de reaprender a falar, a vestirse, a comer.
Algumas vezes, a amnésia não é tão completa. Tive a ocasião de observar um
doente que esquecera tudo o que tinha qualquer ligação com sua personalidade.
Ignorava completamente tudo o que fizera, não sabia mais onde tinha nascido,
quem eram seus pais. Tinha uns trinta anos. A memória orgânica e as memórias
organizadas fora da personalidade subsistiam. Lia, escrevia, desenhava um
pouco, arranhava um instrumento musical. Nele, a amnésia limitava-se a todos os
fatos que tinham ligação com sua personalidade anterior.
A guerra multiplicou esses casos e todos pudemos ler nos
jornais a constatação disso.
O doutor Pitre, decano da Faculdade de Medicina de Bordeaux,
em seu livro: L’Hystérie et l’Hypnotisme, cita um caso no qual demonstra que
todos os fatos e conhecimentos registrados em nós desde a infância podem
renascer; é o que ele chama de fenômeno da ecmnésia. Seu sujet, uma jovem de 17
anos, só falava francês e esquecera o dialeto gascão, idioma de seus primeiros
anos. Adormecida e levada pela sugestão à idade de cinco anos, não entendia
mais o francês e só falava aquele dialeto. Contava todos os pequenos detalhes
de sua vida infantil, que se desenhavam para ela com perfeita nitidez; mas se
mantinha surda às perguntas que lhe faziam, por não compreender mais a língua
através da qual lhe falavam. Ela esquecera todos os fatos de sua vida ocorridos
entre as idades de cinco e 17 anos.
O doutor Burot fez experiências idênticas. Seu sujet, Jeanne,
foi levada por ele, mentalmente, a diversas épocas de sua juventude e, em cada
período, os incidentes de sua existência desenham-se com precisão em sua
memória, mas qualquer fato ulterior se apaga. Os progressos de sua inteligência
podiam ser acompanhados detrás para a frente. Com a idade de cinco anos,
constata-se que ela mal sabe ler; escreve, como o fazia com aquela idade,
desajeitadamente, com os erros de ortografia que habitualmente cometia, naquela
época.
Todos estes relatos foram verificados. Os estudiosos que
citamos dedicaram-se a investigações minuciosas; puderam constatar a exatidão
dos fatos narrados pelos sujets, fatos que permaneciam apagados da memória
deles, no estado normal.
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