NA QUESTÃO 833 de O L.E, Kardec pergunta:
“Haverá no homem alguma coisa que escape a todo o
constrangimento e pela qual goze ele de absoluta liberdade?”
“No
pensamento goza o homem de ilimitada liberdade, pois que não há como pôr-lhe
obstáculos. Pode-se-lhe deter o voo, porém não aniquilá-lo”.
A disciplina do pensamento e a reforma do caráter.
O pensamento,
dizíamos, é criador. Não atua somente em roda de nós, influenciando nossos
semelhantes para o bem ou para o mal; atua principalmente em nós; gera nossas
palavras, nossas ações e, com ele, construímos, dia a dia, o edifício grandioso
ou miserável de nossa vida presente e futura. Modelamos nossa alma e seu invólucro com os nossos pensamentos;
estes produzem formas, imagens que se imprimem na matéria sutil, de que o corpo
fluídico é composto. Assim, pouco a pouco, nosso ser povoa-se de formas
frívolas ou austeras, graciosas ou terríveis, grosseiras ou sublimes; a alma se
enobrece, embeleza ou cria uma atmosfera de fealdade. Segundo o ideal a que
visa, a chama interior aviva-se ou obscurece-se. Não há assunto mais importante
que o estudo do pensamento, seus poderes e ação. Ë a causa inicial de nossa
elevação ou de nosso rebaixamento; prepara todas as descobertas da Ciência,
todas as maravilhas da Arte, mas também todas as misérias e todas as vergonhas
da Humanidade. Segundo o impulso
dado, funda ou destrói as instituições como os impérios, os caracteres como as
consciências, O homem só é grande, só tem valor pelo seu pensamento; por ele
suas obras irradiam e se perpetuam através dos séculos.
O Espiritualismo experimental, muito
melhor que as doutrinas anteriores, permite-nos perceber, compreender toda a
força de projeção do pensamento, que é o princípio da comunhão universal.
Vemo-lo agir no fenômeno espírita, que facilita ou dificulta; seu papel nas
sessões de experimentação é sempre considerável. A Telepatia demonstrou-nos que
as almas podem impressionar-se, influenciar-se a todas as distâncias; é o meio
de que se servem as humanidades do Espaço para comunicarem entre si através das
imensidades siderais. Em qualquer campo das atividades sociais, em todos os
domínios do mundo visível ou invisível, a ação do pensamento é soberana; não é
menor sua ação, repetimos, em nós mesmos, modificando constantemente nossa
natureza íntima. As vibrações de nossos pensamentos, de nossas palavras renovando-se
em sentido uniforme, expulsam de nosso invólucro os elementos que não podem
vibrar em harmonia com elas; atraem elementos similares que acentuam as
tendências do ser.
Uma obra, muitas vezes inconsciente, elabora-se;
mil obreiros misteriosos trabalham na sombra; nas profundezas da alma esboça-se
um destino inteiro; em sua ganga o diamante purifica-se ou perde o brilho. Se
meditarmos em assuntos elevados, na sabedoria, no dever, no sacrifício, nosso
ser impregna-se, pouco a pouco, das qualidades de nosso pensamento. Ë por isso
que a prece improvisada, ardente, o impulso da alma para as potências
infinitas, tem tanta virtude. Nesse diálogo solene do ser com sua causa, o
influxo do Alto invade-nos e desperta sentidos novos. A compreensão, a
consciência da vida aumenta e sentimos, melhor do que se pode exprimir, a
gravidade e a grandeza da mais humilde das existências. A oração, a comunhão
pelo pensamento com o universo espiritual e divino é o esforço da alma para a
Beleza e para a Verdade eternas; é a entrada, por um instante, nas esferas da vida real e superior, aquela que não tem
termo. Se, ao contrário, nosso pensamento é inspirado por maus desejos, pela
paixão, pelo ciúme, pelo ódio, as imagens que cria sucedem-se, acumulam-se em
nosso corpo fluídico e o entenebrecem.
Assim, podemos à vontade fazer em nós a
luz ou a sombra. É o que afirmam tantas comunicações de além-túmulo. Somos o
que pensamos, com a condição de pensarmos com força, vontade e persistência.
Mas, quase sempre, nossos pensamentos passam constantemente de um a outro
assunto. Pensamos raras vezes por nós mesmos, refletimos os mil pensamentos
incoerentes do meio em que vivemos. Poucos homens sabem viver do próprio
pensamento, beber nas fontes profundas, nesse grande reservatório de inspiração
que cada um traz consigo, mas que a maior parte ignora. Por isso criam um
invólucro povoado das mais disparatadas formas. Seu Espírito é como uma
habitação franca a todos os que passam. Os raios do bem e as sombras do mal lá
se confundem, num caos perpétuo. Ë o combate incessante da paixão e do dever em
que, quase sempre, a paixão sai vitoriosa. Primeiro que tudo, é preciso
aprender a fiscalizar os pensamentos, a discipliná-los, a imprimir-lhes uma direção
determinada, um fim nobre e digno. A fiscalização dos pensamentos implica a
fiscalização dos atos, porque, se uns são bons, os outros sê-lo-ão igualmente,
e todo o nosso procedimento achar-se-á regulado por uma concatenação harmônica.
Ao passo que, se os atos são bons e nossos pensamentos maus, apenas haverá uma
falsa aparência do bem e continuaremos a trazer em nós um foco malfazejo, cujas
influências, mais cedo ou mais tarde, derramar-se-ão fatalmente sobre nossa
vida. Às vezes observamos uma contradição surpreendente entre os pensamentos,
os escritos e as ações de certos homens, e somos levados, por esta mesma
contradição, a duvidar de sua boa-fé, de sua sinceridade. Muitas vezes não há
mais do que uma interpretação errônea de nossa parte. Os atos desses homens
resultam do impulso surdo dos pensamentos e das forças que eles acumularam em
si no passado. Suas aspirações atuais, mais elevadas, seus pensamentos mais
generosos traduzir-se-ão em atos no futuro. Assim, tudo se combina e explica
quando se consideram as coisas do largo ponto de vista da evolução; ao passo
que tudo fica obscuro, incompreensível, contraditório com a teoria de uma vida
única para cada um de nós.
* É bom viver em contacto pelo pensamento com os escritores
de gênio, com os autores verdadeiramente grandes de todos os tempos e países,
lendo, meditando suas obras, impregnando todo o nosso ser da substância de sua
alma...
O estudo silencioso e recolhido é sempre fecundo para o
desenvolvimento do pensamento. É no silêncio que se elaboram as obras fortes. A
palavra é brilhante, mas degenera demasiadas vezes em conversas estéreis, às
vezes maléficas; com isso, o pensamento se enfraquece e a alma esvazia-se. Ao
passo que na meditação o Espírito se concentra, volta-se para o lado grave e
solene das coisas; a luz do mundo espiritual banha-o com suas ondas...
Evitemos as discussões ruidosas, as palavras vãs, as leituras
frívolas. Sejamos sóbrios de jornais. A leitura dos jornais, fazendo-nos passar
continuamente de um assunto para outro, torna o Espírito ainda mais instável. Vivemos numa época de anemia intelectual, que é causada pela
raridade dos estudos sérios, pela procura abusiva da palavra pela palavra, da
forma enfeitada e oca, e, principalmente, pela insuficiência dos educadores da
mocidade.
* Em todas as nossas relações sociais, em nossas relações com
os nossos semelhantes, é preciso nos lembremos constantemente disto: Os homens
são viajantes em marcha, ocupando pontos diversos na escala da evolução pela
qual todos subimos. Por conseguinte, nada devemos exigir, nada devemos esperar
deles, que não esteja em relação com seu grau de adiantamento. A todos devemos
tolerância, benevolência e até perdão; porque, se nos causam prejuízo, se
escarnecem de nós e nos ofendem, é quase sempre pela falta de compreensão e de
saber, resultantes de desenvolvimento insuficiente. Deus não pede aos homens
senão o que eles têm podido adquirir à custa de lentos e penosos trabalhos. Não
temos o direito de exigir mais. Não fomos semelhantes aos mais atrasados deles?
Se cada um de nós pudesse ler em seu passado o que foi, o que fez, quanto não
seria maior nossa indulgência para com as faltas alheias! Às vezes também
carecemos da mesma indulgência que lhes devemos. Sejamos severos conosco e
tolerantes com. os outros. Instruamo-los - esclareçamo-los, com doçura, é o que
a lei de solidariedade nos preceitua.
* Enfim, é preciso
saber suportar todas as coisas com paciência e serenidade. Seja qual for o
procedimento de nossos semelhantes para conosco, não devemos conceber nenhuma
animosidade ou ressentimento; mas, ao contrário, saibamos fazer reverter em
benefício de nossa própria educação moral todas as causas de aborrecimento e
aflição. Nenhum revés poderia atingir-nos, se, por nossas vidas anteriores e
culpadas, não tivéssemos dado margem à adversidade. É isto o que muitas vezes
se deve repetir. Chegaremos, assim, a aceitar todas as provações sem amargura,
considerando-as como reparação do passado ou como meio de aperfeiçoamento. De grau
em grau chegaremos, assim, ao sossego de espírito, a posse de nós mesmo, à
confiança absoluta no futuro, que dão a força, a quietação, a satisfação
intima, permitindo-nos ficar firmes no meio das mais duras vicissitudes. Quando
chega a idade, as ilusões e as esperanças vãs caem como folhas mortas; mas, as
altas verdades aparecem com mais brilho, como as estrelas no céu de inverno
através dos ramos nus de nossos jardins. Pouco importa, então, que o destino
não nos tenha oferecido nenhuma glória, nenhum raio de alegria, se tiver
enriquecido nossa alma com mais uma virtude, com alguma beleza moral. As vidas
obscuras e atormentadas são, às vezes, as mais fecundas, ao passo que as vidas
suntuosas nos prendem, bastas vezes e por muito tempo, na corrente formidável
de nossas responsabilidades.
Bibliografia: DENIS Léon, O Problema do ser, do destino e da
dor – Capítulo XXIV – Terceira Parte. (extratos)
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