Sobre o estado da alma depois da morte -
IDEIAS
GERAIS
Muito veneranda Maria, da Rússia.
Dignai-vos permitir-me a liberdade de
não vos dar o título de Majestade, que vos é devido pelo mundo, mas que não se
harmoniza com a santidade do assunto sobre o qual desejastes ouvir-me, a fim de
eu poder escrever-vos com franqueza e sinceridade.
Desejais conhecer algumas das minhas ideias
sobre o estado das almas depois da morte.
Apesar do pouco que é dado ao mais douto
conhecer de tal assunto, apesar de nenhum dos que têm partido para essa região ignota,
ter jamais voltado, o homem pensador, o discípulo dAquele que desceu até nós,
pode, entretanto, dizer quanto é necessário para termos coragem, tranquilidade
e podermos refletir.
Desta vez limitar-me-ei a ideias
gerais.
Penso que deve existir grande
diferença entre o estado, a maneira de sentir e de pensar de uma alma separada
do seu corpo material, e o estado em que se achava quando a ele ligada. Essa
diferença deve ser tal, pelo menos, qual a que existe entre uma criança
recém-nascida e o feto ainda no seio materno.
Ligados estamos à matéria, e é pelos
órgãos desta que a alma recebe as percepções e o entendimento.
A diferença na construção dos
telescópios, dos microscópios e dos óculos comuns, faz que os objetos, que por
meio deles vemos, nos apareçam sob formas diferentes.
Nossos sentidos são os telescópios, os
microscópios e os óculos necessários à nossa vida material.
Penso que o mundo visível deve ser
perfeitamente penetrável para a alma separada do corpo, assim como ele o é
durante o sono, ou por outra, o mundo em que a alma estava durante sua
existência corpórea, deve aparecer-lhe sob outro aspecto, quando ela se
desmaterializa. Se, durante algum tempo, a alma pudesse estar sem corpo, o
mundo material não existiria para ela. Se, porém, imediatamente depois de haver
deixado o corpo, ela se reveste de um corpo espiritual (3), extraído do seu
corpo material (o que me parece muito verossímil), o novo corpo dar-lhe-á,
forçosamente, uma diferente percepção das coisas.
Se, como pode suceder às almas
impuras, o novo corpo permanecesse durante algum tempo imperfeito e pouco
desenvolvido, todo o Universo apareceria à alma em estado confuso e turvo, como
se fosse através de um nevoeiro.
Se, porém, o corpo espiritual, o
condutor, o intermediário de suas novas impressões, for ou vier a ser mais
aperfeiçoado ou mais bem organizado, o mundo da alma lhe aparecerá mais belo e
regular, de acordo sempre com a natureza ou as qualidades de seus novos órgãos
e com o grau de sua perfeição.
Os órgãos se simplificam, adquirem
entre si harmonia e são mais apropriados à natureza, caráter, necessidades e
forças da alma, à medida que esta se concentra, se enriquece e se purifica no
mundo material, visando um único objetivo e obrando num determinado sentido.
A alma aperfeiçoa em sua
existência material as qualidades do corpo espiritual, veículo este com que continuará
a existir depois da morte do corpo material, e pelo qual conceberá, sentirá e
obrará em sua nova existência.
Esse
novo corpo, apropriado à sua natureza íntima, fará a alma mais pura e amante,
mais viva e apta às belas sensações, impressões, contemplações, ações e gozos.
Tudo o que se pode, e tudo o que alias
não se pode ainda dizer sobre o estado da alma depois da morte, será sempre
fundado neste axioma permanente e geral: o homem colhe o que houver plantado.
Difícil seria encontrar um princípio
mais simples, mais claro, mais abundante e próprio para ser aplicado a todos os
casos possíveis.
Existe
uma lei geral da Natureza, estreitamente ligada e mesmo identificada com o
princípio que acabo de mencionar, relativamente ao estado da alma depois da
morte, uma lei que rege todos os mundos e todas as condições possíveis, tanto
no mundo visível, como invisível, a saber: - tudo o que se assemelha tende a
reunir-se, tudo o que é idêntico se atrai reciprocamente, desde que não haja
obstáculos que se oponham a essa união. Toda a doutrina sobre o estado da alma
depois da morte baseia-se neste princípio: - tudo o que vulgarmente chamamos
juízo prévio, compensação, felicidade suprema, condenação, pode ser explicado
deste modo: - se tiveres semeado o bem em ti mesmo e nos outros, fora de ti,
pertencerás à sociedade daqueles que, como tu, semearam o bem em si e fora de
si; gozarás a estima daqueles a quem te assemelhaste na maneira de fazer o bem.
Cada alma, separada do seu corpo, livre das
prisões da matéria, se apresenta a si própria tal como é na realidade.
Todas as ilusões, todas as seduções
que a impediam de ver e reconhecer suas forças, suas fraquezas ou suas faltas
desaparecerão nesse novo estado. Assim, ela manifestará irresistível tendência
a dirigir-se para as almas que lhe estão em afinidade e a afastar-se das que
lhe são dessemelhantes. Seu peso intrínseco, como que obedecendo à lei de
gravitação, atrai-la-á aos abismos insondáveis (ao menos isso assim lhe
parece), ou, segundo o seu grau de força, lança-la-á, qual chispa por sua
ligeireza, aos ares e ela passará rapidamente às regiões luminosas, fluídicas,
etéreas.
A alma, por seu senso íntimo, conhece
o seu próprio peso e é este, ou seu estado de progresso, que a impele para
diante, para trás ou para os lados, e seu caráter moral ou religioso é que lhe
inspira certas tendências particulares.
O bom Espírito elevar-se-á para os
bons; será atraído para eles em virtude da necessidade que sente do bem.
O perverso ou mal será forçosamente
empurrado para os perversos ou maus. A descida precipitada das almas
grosseiras, imorais e irreligiosas para as que se lhes assemelham, será tão
rápida e inevitável como a queda do junco num abismo onde nada o detém.
Basta por hoje.
Zurique, 14 de agosto de 1796. Pastor Johann
Kaspar Lavater
Johann Kaspar Lavater
Pastor Johann Kaspar
Lavater (15 de novembro de 1741,
Zurique, Suíça - 2 de janeiro de 1801),
filósofo, poeta e teólogo suíço; um entusiasta domagnetismo animal na Suíça. É considerado o fundador da fisiognomonia, a arte de
conhecer a personalidade das pessoas através dos traços fisionômicos. Lavater
escreveu célebres cartas a Imperatriz Maria Feodorawna, esposa do Imperador
Paulo I da Rússia. Nessas cartas, Lavater expressa ideias sobre o estado da
alma após a morte e coloca que o mundo invisível deve ser penetrável para a
alma separada do corpo, assim como ele o é durante o sono, que a alma
aperfeiçoa em sua existência material as qualidades do corpo espiritual,
veículo com que continuará a existir depois da morte e pelo qual conceberá e
obrará em sua nova existência, diz ainda que o estado da alma depois da morte
será fundado sempre neste princípio geral: o homem colhe o que houver plantado
e que cada alma, separada do seu corpo se apresenta a si própria, depois da
morte, tal como ela é na realidade, seu peso intrínseco, como que obedecendo à
lei de gravitação, atraí-la-á aos abismos insondáveis ou às regiões luminosas,
fluídicas e etéreas; e o bom Espírito elevar-se-á para os bons e o perverso
será empurrado para os maus, atendendo à lei das afinidades. Essas cartas – ao
todo – foram escritas no período de 1796 a 1798 e enviadas de Zurique.
Dezesseis anos antes, em Zurique e em Schaffhouse, Lavater teve ocasião de ser
apresentado ao Conde e à Condessa do Norte, títulos usados então pelo
Grão-Duque da Rússia e sua esposa em sua viagem pela Europa. Lavater estabelece
nessas cartas que a alma, depois de deixar o corpo, pode inspirar ideias a
qualquer pessoa que esteja apta a receber-lhe a luz, e assim fazer-se comunicar
por escrito a algum amigo deixado na Terra. Reunidas num único volume, as
cartas foram publicadas em Petersburgo, em 1858. Pelo que Lavater expos em sua
época ele pode ser considerado um precursor de Allan Kardec. Nessas
correspondências trocadas com a Imperatriz ele encaminhou cartas recebidas de
um espírito desencarnado (psicografadas).
Informações
retiradas do livro O porquê da vida - Léon Denis - 22 edição 2006 - editora
FEB.
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