O SR. JOBARD E OS
MÉDIUNS MERCENÁRIOS.
Exemplo notável de
concordância.
Uma sonâmbula médium,
que pretende ser adormecida pelo Espírito do Sr. Jobard, disse ter dele
recebido uma comunicação dirigida a um outro médium, ao qual aconselhava fazer
pagar suas consultas pelos ricos, e dá-las gratuitamente aos pobres e aos
operários.
O Espírito lhe
traçava o emprego de sua jornada, sem poupar os elogios sobre suas eminentes
faculdades e sua alta missão. Tendo uma pessoa concebido dúvidas sobre a autenticidade
dessa comunicação, e sabendo que o Espírito do Sr. Jobard se manifesta frequentemente
na Sociedade, pediu-nos de fazê-la controlar.
Para maior segurança,
dirigimos imediatamente, a seis médiuns, estas simples palavras:
"Quereis
perguntar ao Espírito do Sr. Jobard se ele ditou à Sra. X..., em sonambulismo magnético,
uma comunicação por um outro médium que convida a explorar a sua faculdade.
Tenho necessidade desta resposta para amanhã." Tivemos o cuidado de não preveni-los
dessa espécie de concurso, de sorte que cada um se acreditou chamado sozinho para
resolver a questão.
Contávamos com a
elevação do Espírito do Sr. Jobard para se prestar à circunstância, e não se
melindrar ou se impacientar com esse pedido que deveria lhe ser dirigido, quase
simultaneamente, sobre seis pontos diferentes. No dia seguinte recebemos as
respostas adiante que faremos seguir de algumas reflexões.
(20 de outubro de
1864. - Médium, Sr. Leymarie.)
O quê! caros amigos,
meu nome serve, pois, de alvo de motejo a todas as espécies de pessoas! Há
muito tempo estou habituado a esses plagiários sem vergonha que me fazem
alternativamente adotar, como um camaleão, todas as cores; toma-se-me por um pateta.
No entanto, minha vida passada, meus trabalhos e as numerosas provas de
identidade dadas na Sociedade de Paris, não podem fazer se enganar sobre meus
sentimentos.
Tal eu era simples
encarnado, tal eu sou no estado de Espírito livre, e a minha missão junto a
vós, meus amigos, é a do devotamento, e sobretudo do desinteresse.
O Espiritismo é uma
ciência positiva; os fatos sobre os quais repousa não estão ainda completados;
mas tende paciência ainda, vós que sabeis esperar, e essa ciência, que não tem
nada inventado, uma vez que ela é uma força da Natureza, provará aos menos clarividentes
que o seu objetivo todo moral é a regeneração da Humanidade, e que, fora por
hipótese. Proceder com análise, estabelecer fatos para remontar às causas,
proclamar o elemento espiritual, depois de constatação, tal é a sua maneira
limpa e sem evasivas; é a linha reta, a que deve ser o guia de todo Espírita
convicto.
Rejeito, pois, o joio
do bom grão, todos os interesses mesquinhos, os meiodevotamentos, os
compromissos malsãos que são a praga de nossa fé.
Do dia em que vos
dizeis Espíritas, tenho o direito de vos perguntar o que sois, o que quereis
ser. Pois bem! se tendes a fé, se sois caridosos antes de tudo; todos os
encarnados aos vossos olhos sofrem uma prova; assistis como espectadores a
muitos des falecimentos, e nesse rude combate da vida, onde vossos irmãos
procuram a luz, vosso dever, a vós privilegiados que vistes e sabeis, é de dar
generosamente o que Deus vos distribuiu generosamente também. Médium, não deveis disso vos orgulhar, porque a mão que
dispensa pode se retirar de vós', quando, por vosso intermédio, um Espírito
vem consolar, encorajar, ensinar, deveis estar feliz e agradecer a Deus que vos
permite ser a boa fonte onde aqueles que têm sede vêm se saciar. Mas
essa água não vos pertence, é a provisão de todo o mundo, não podeis vendê-la,
nem cedê-la, porque esse domínio não é desse mundo. Gostaríeis que vos
expulsasse como os vendedores do templo?
Ricos ou pobres, acorrei
e perguntai: cada um de vós tem seu sofrimento secreto; o farrapo de um
tornar-se-á numa outra vida a púrpura de outro, e é por isso que a mediunidade não
é a usura: diante dela todos os encarnados são iguais.
Olhai ao vosso redor:
são ricos, são pobres, aqueles que fazem ofício de um dom providencial? Eles
vendem a ciência dos Espíritos, e o óbolo que recolhem é a gangrena de seu
espiritualismo. Fizeram bem dizer espiritualismo, porque os Espíritas reprovam,
sabei-o, toda venda moral; a venalidade não é o seu fato. Rejeitamos de nosso
seio todas essas escórias mentirosas que fazem rir os assistentes introduzidos
em seu negócio.
Quanto a mim, caro
mestre, respondei àquele ou àqueles que querem comerciar com o meu nome que por
mais pateta que eu possa ser, não o serei jamais bastante para apor minha
assinatura sobre traços falsificados, tirados sobre vosso devotamento.
JOBARD.
(Médium, senhora
Costel.)
Venho reclamar e
protestar contra o abuso que se faz em meu nome. Os pobres de espírito - e se
encontram muitos deles entre os Espíritos - têm o deplorável hábito de se vestir
de nomes que lhe servem de passaporte junto aos médiuns orgulhosos e crédulos.
Seguramente, eu teria
a graça em defender a nobreza de meu pobre nome, sinônimo de simples; no
entanto, espero tê-lo colocado bastante alto no julgamento daqueles que me
conheceram, por medo de ser tornado solidário das pobrezas debitadas sob a minha
assinatura. É, pois, somente por amor da verdade que protesto não ter
adormecido nenhum sonâmbulo, nem exaltado nenhum médium. Eu me comunico muito
raramente, tento eu mesmo muita coisa a aprender para servir de guia instrutor
dos outros.
Reprovo em princípio
a exploração da mediunidade, por esta razão muito simples de que o médium, não
gozando de sua faculdade senão de um modo intermitente e incerto, não pode
jamais nada prejulgar nem nada fundar sobre ela. Portanto, as pessoas
pobres erraram em abandonar a sua profissão para exercer a mediunidade no
sentido lucrativo da palavra. Sei que muitas dentre elas se abrigam sob o
título de missão, ou abandono de seu lar, desertado por orgulhosas
satisfações e a importância efêmera que lhes concede a curiosidade mundana.
Esses médiuns se enganam de boa-fé, eu o espero, mas, enfim, se enganam; a mediunidade
é um dom sagrado e íntimo do qual não se pode ter agência aberta. Os médiuns
muito pobres para se consagrarem ao exercício de sua faculdade devem subordiná-la
ao trabalho que os faz viver, o Espiritismo nisso nada perderá, ao
contrário, e a sua dignidade com isso muito ganhará.
Não quero
desencorajar ninguém, nem desanimar nenhuma boa vontade: mas importa que a
nossa cara Doutrina esteja ao abrigo de toda acusação malsã; a mulher de César
não deve ser suspeitada, nem os Espíritas tampouco.
Eis o que está dito,
e desejo que não fique o menor equívoco sobre as palavras de vosso velho amigo
JOBARD.
(Médium, Sr. Rui.)
Como poder-se-ia crer
que aquele que, em todas as suas comunicações, recomendou a caridade e o
desinteresse, viesse hoje se contradizer?
É uma prova para a
sonâmbula, e eu a convido a não se deixar seduzir pelos maus Espíritos que
querem, por essa pequena especulação de além-túmulo, lançar o desfavor sobre os
médiuns em geral, e sobre o médium sobre o qual é questão em particular.
Não tenho necessidade, penso, de fazer de novo minha profissão de fé. Não é
àquele que, encarnado, tão frequentemente perseguido, teve sempre por regra de
conduta a equidade e a lealdade, que se possa atribuir semelhantes
comunicações! Estaria feliz se, a exemplo do que se faz para certos
comerciantes da Terra, se pudesse apor sobre as comunicações de além-túmulo a
estampilha que constataria a identidade do autor.
Não sois ainda
bastante avançados, mas na falta de estampilha, servi-vos de vossa razão, ela
não pode vos enganar, e desafio todos os Espíritos, por numerosos que sejam, a
me fazerem sem passar, aos olhos dos meus antigos confrades, por mais bobo que
eu não o seja. Adeus.
JOBARD.
(Médium, Sr. Vézy.)
Por que tantas
tolices ainda entre aqueles que crêem de boa-fé? E dizer que se se lhes colocar
diante dos olhos os verdadeiros princípios da coisa, eles mudam de ou golpe e
se tornam mais incrédulos do que São Tome!
Ide dizer a essa cara
senhora que jamais me comuniquei com ela. Ela vos dirá: é possível, e diante de
vós parecerá partilhar o vosso julgamento; mas, em seu foro íntimo, ela dirá
que sois insensatos. Proibir a um louco de fazer loucuras, é ser mais louco do
que ele, diz-se. No entanto, seria muito preciso encontrar um remédio para
curar tantos pobres de espírito que se desviam sozinhos, persuadidos de que são
seres guiados por maravilhas.
Verdadeiramente, meu
caro presidente, me credes capaz de escrever as coisas vãs que lestes? Este
seria, então, verdadeiramente, o caso de me aplicar o nome que tinha porter
ousado escrever semelhantes bobagens. O Espiritismo não se ensina a tanto a
lição ou o selo. Que aquele que não pode ir levar as nossas palavras aos
seus irmãos senão em detrimento de seu próprio salário, fique em seu lar e peça
à sua ferramenta ou à sua agulha para lhe continuar seu pão cotidiano; mas
se assemelhar a um doador de representações é invadir o domínio do explorador
ou do charlatão. Que aquele que é pobre e que sente a coragem de se tornar o
apóstolo de nossa doutrina, se cubra-se com a sua fé e com a sua coragem, a
Providência virá, em sua hora, lhe dar o pão que lhe falta; mas que não estenda
a mão por todos os seus esforços, porque seríamos os primeiros a lhe gritar:
Retira-te daqui, mendigo, e deixa o lugar àqueles que dele podem fazer o
ofício.
Encontramos sempre
bastantes homens de boa vontade para cumprirem a tarefa que lhes pedimos.
Mulheres ou homens
que deixais a máquina de fiar ou a ferramenta para vos fazer pregador ou
médium, e pedir um salário, não é senão o orgulho que vos guia. Quereis um pouco
de glória em torno de vosso nome: o metal não tem senão feio reflexo que o
tempo enferruja, ao passo que a verdadeira glória tem mais luz na abnegação.
Gosto mais de Malfilatre, Gilbert e Moreau, cantando sua agonia sobre o leito
de hospital do que o poeta mendigando o óbolo entregando seu coração para
conservar alguns lambris dourados em torno de seu leito de morte. Os
desinteressados serão os mais recompensados; uma felicidade durável os espera,
e seus nomes serão tanto mais poderosos quanto terão derramado mais lágrimas, e
que suas frontes tiverem se coberto de mais suor e de poeira.
Eis tudo o que posso
vos dizer a este respeito, caro presidente, e aproveito a boa ocasião que a mim
se apresenta para vos apertar a mão e vos reiterar todos os meus tarefa que vos
impusestes, fazei calar os ciumentos e os tagarelas que vos rodeiam por essa
firmeza e essa simplicidade que vos caem tão bem. Hoje é preciso ser positivo;
não vos deixeis arrastar à procura da lua quando a Terra está aos vossos pés, e
tendes aí de que completar vosso trabalho. Todos os materiais são abundantes ao
vosso redor. Provai as vossas teorias por fatos, e que os vossos exemplos não
se apoiem sobre teoremas
algébricos que todo o
mundo não poderia compreender, mas sobre axiomas matemáticos.
Uma criança sabe que
dois e dois são quatro. Deixai correr à frente aqueles que têm pernas muito
grandes; eles romperão o pescoço, e é inútil que o sigais em sua queda. Apressemo-nos
docemente; o mundo é jovem ainda, e os homens têm o tempo diante deles para se
instruírem.
O sol se esconde à
noite porque é preciso a obscuridade para fazer compreender sua luz; a verdade
algumas vezes se cobre de trevas para não cegar aqueles que a olham muito à
face.
Pergunta: . Então não vos
comunicastes jamais a esta senhora; ela se diz, no entanto, magnetizada por
vós?
Resposta: Pobre mulher! ela
atribui aos seres inteligentes o que só a insensatez pode ditar, ou bem algumas
palavras todas boas ou todas simples de grandes oráculos. É uma doença que não
é preciso contrariar; ela tem sua sede nos nervos, e se cura pela prudência e
as duchas frias.
JOBARD.
(Médium, senhora
Delanne.)
Saudação fraternal
avós todos, meus bons amigos, que trabalhais com ardor para enxertar a
Humanidade. É preciso que redobreis a atenção, porque, neste momento, uma incrível
revolução se opera entre os desencarnados. Tendes também entre eles adversários
que se prendem a vos suscitar entraves, mas Deus vela sobre sua obra.
Ele colocou em vossa
cabeça um chefe vigilante que possui o sangue-frio, a perspicácia e uma vontade
enérgica para vos fazer triunfar dos obstáculos que os vossos inimigos visíveis
e invisíveis levantam a cada instante sob vossos passos. Também não se enganou
lendo essa comunicação; compreendeu que Jobard não poderia falar assim nem aprovar
uma semelhante linguagem. Não, meus amigos, o Espiritismo não deve ser
explorado por Espíritas sinceros e de boa-fé. Pregai contra os abusos desta
natureza que desacreditam a religião, não podeis praticar o que condenais, porque
afastaríeis aqueles que o vosso desinteresse poderia conduzir a vós.
Jamais refletistes
seriamente nas conseqüências funestas das reuniões pagas?
Compreendei bem que se Allan Kardec
autorizasse semelhantes ideias por seu silêncio ou sua aprovação tácita, dentro
de dois anos o Espiritismo seria a vítima de uma multidão de exploradores, e
que esta coisa santa e sagrada seria desacreditada pelo charlatanismo.
Eis a minha opinião.
Rejeito, pois, hoje como sempre, toda idéia de especulação, qualquer que seja o
pretexto, que entravasse a Doutrina, em lugar de ajudá-la.
Aplicai-vos, no
instante antes de tudo, em reformar os homens por vossos ensinamentos e vosso
exemplo. Que vosso desinteresse e vossa moderação falem tão alto que nenhum de
vossos adversários possa vos fazer censuras. Estando cada um de vós colocado em
posições diferentes, deveis trabalhar cada um segundo as vossas forças; Deus não
pede o impossível. Tende confiança nele, e deixai cada coisa vir a seu
tempo. Se ele quisesse que o Espiritismo caminhasse mais rapidamente ainda,
teria enviado mais cedo os grandes Espíritos que estão encarnados e que
surgirão, quase ao mesmo tempo, sobre todos os pontos do globo, quando chegar o
tempo disso; à espera, preparai os caminhos com prudência e sabedoria. Coragem,
caro presidente, cada dia as rédeas se tornam mais difíceis; mas estamos aqui
para vos sustentar, e Deus vela sobre vós.
(Médium, Sr. d'Ambel.)
Pois bem! isto vos
espanta! Mas há tantos bobos no mundo dos Espíritos, como entre vós, sem vos
ofender, que um bobo pôde dar a um outro a comunicação sonambúlica em questão.
Quanto ao médium, há
necessidade de se inquietar com ele demasiadamente?
Deixai passar o
tempo; é um grande reformador. Aqueles que colocam a preço sua mediunidade
fazem como essas pessoas que dizem aos interrogadores, expondo um jogo de carta
sob seus olhos: "Eis um homem da cidade ou um homem do campo; há uma carta
a caminho, eis o ás de ouros." Quem sabe se, entre alguns, esse não é um
retorno ao passado, um resto de antigos hábitos? Pois bem, tanto pior para
aqueles que caem na mesma rotina! Dela não tirarão seus gastos, e lamentarão um
dia ter tomado o caminho de atalho.
Tudo o que posso vos
dizer, é que não estando por nada neste pequeno comércio, vós bem o sabeis,
lavo minhas as mãos, e lamento a pobre humanimalidade por ter ainda recorrido a
semelhantes expedientes.
Adeus. JOBARD.
Observações. AK
A necessidade do
desinteresse nos médiuns é hoje a tal ponto, que passada em princípio, que
teria sido supérfluo publicar o fato acima, se não oferecesse, fora da questão principal,
um notável exemplo de coincidência e uma prova manifesta de identidade, pela
semelhança dos pensamentos e a marca de originalidade que levam em geral todas as
comunicações do nosso antigo colega Jobard. É a tal ponto que quando se
manifesta espontaneamente na Sociedade, é raro que, desde as primeiras linhas
não se adivinhe o autor. Assim, não se levantou nenhuma dúvida sobre a
autenticidade das que acabamos de narrar, ao passo que, naquelas que tínhamos
pedido fazer controle, a fraude saltava aos olhos de qualquer que conhecesse a
linguagem e o caráter do Sr. Jobard, assim como os princípios que havia
constantemente processado como homem e como Espírito; teria sido irracional
admitir que tivesse subitamente mudado em proveito dos interesses materiais de
um indivíduo. A fraude era inábil.
Quanto à questão do
desinteresse, seria inútil repetir tudo o que foi dito sobre esse ponto, e que
se acha admiravelmente resumido nas respostas do Sr. Jobard. Acrescentar-lhe-emos
somente uma consideração, que não é sem importância.
Certos médiuns
exploradores crêem salvar as aparências em não se fazendo pagar senão pelos
ricos, ou deles não aceitando senão uma retribuição voluntária. Em primeiro lugar,
isso não é menos um ofício, a exploração de uma coisa santa, e um lucro tirado daquilo
que se recebe gratuitamente.
Quando Jesus e seus
apóstolos ensinavam e curavam, não punham preço nem às suas palavras nem aos
seus cuidados, e, no entanto, não tinham rendas para viver. Por outro lado, essa maneira . de operar não é uma
garantia de sinceridade, e não coloca ao abrigo da suspeição de charlatanismo.
Sabe-se no que se ter sobre a filantropia das consultas gratuitas de certos
médicos, e que relacionam a certos comerciantes os artigos que dão em prejuízo
e algumas vezes por nada. A gratuidade, em certas ocasiões, é um meio de atrair
a clientela produtiva.
Mas há uma outra
consideração mais poderosa ainda. A que sinal reconhecer aquele que pode ou não
pagar? A colocação muitas vezes é enganosa, e, freqüentemente, uma vestimenta
limpa esconde um sem dinheiro maior do que a blusa do obreiro. É preciso, pois,
declinar sua pobreza, seus títulos à caridade, ou produzir um certificado de
indi gência? Aliás, quem diz que o médium, mesmo admitindo de sua parte a mais
inteira sinceridade, terá a mesma solicitude por aquele que não paga ou que
paga menos, do que por aquele que paga largamente, e que não dará a cada um por
seu dinheiro? Que, se um rico e um pobre se dirigem a ele ao mesmo tempo, não
fará passar o rico primeiro, este tendo em vista satisfazer uma vã curiosidade,
ao passo que o pobre, que talvez espera uma suprema consolação, será adiado?
Involuntariamente sua consciência estará lutando com a tentação da preferência;
será levado a ver com um olho melhor aquele que paga, ainda mesmo que lhe
lançasse com desdém uma peça de ouro como a um mercenário, ao passo que olhará
com indiferença os poucos centavos que lhe estenderá timidamente o pobre
envergonhado. Estão aí sentimentos compatíveis com o Espiritismo? Não é
entreter entre o rico e o pobre essa demarcação humilhante que já fez tanto
mal, e que o Espiritismo deve fazer desaparecer, provando a igualdade do rico e
do pobre diante de Deus, que não mede os raios de seu sol com a fortuna,
e que não pode subordinar-lhe antes as consolações do coração que faz dar aos
homens pelos bons Espíritos seus mensageiros.
Apesar de tudo, se
houvesse uma escolha a fazer, preferiríamos ainda o médium que não se fizesse
sempre pagar, porque pelo menos não há hipocrisia; sabe-se imediatamente a que
se ater sobre a sua conta.
De resto, a
multiplicidade sempre crescente dos médiuns em todas as classes da sociedade e
no seio da maioria das famílias, tira à mediunidade retribuída toda utilidade e
toda razão de ser.
Esta multiplicidade
matará a exploração, quando mesmo não o fosse pelo sentimento de repulsa que a
isso se liga.
Assinala-se-nos o
fechamento, numa cidade da província, de um grupo antigo e numeroso, organizado
com objetivos interessados. O chefe desse grupo tinha, assim como sua família,
abandonado seu estado sob o especioso pretexto de devotamento à causa, à qual
queria consagrar todo o seu tempo; havia substituído recursos que esperava
retirar do Espiritismo. Infelizmente, a exploração da mediunidade está de tal
modo desacreditada na província que, na maioria das cidades, aquele que dela
fizesse ofício, tivesse as faculdades
mais transcendentes,
não inspiraria nenhuma confiança; seria muito mal visto, e todos os grupos
sérios lhe estariam fechados. A especulação não respondeu à espera, e o chefe
desse grupo teria se lamentado aos seus freqüentadores, diz-se, de seu estado
de pobreza, e teria reclamado recursos; ao que lhe foi respondido que estava
pobre por sua falta; que fizera o erro de fechar suas oficinas para viver do
Espiritismo, e fazer pagar as instruções que os Espíritos lhe davam por nada.
Sobre isso ele declarou referir o assunto aos Espíritos. Sobre nove médiuns
presentes a quem a pergunta foi posta, oito receberam
comunicações
censurando sua maneira de agir, uma só a aprovou: era a de sua mulher. O chefe
do grupo, submetendo-se de boa vontade ao conselho dos Espíritos, anunciou que,
a partir desse momento, o grupo seria fechado. Sem dúvida, teria sido mais sábio
a ele escutar mais cedo os conselhos que, há muito tempo, lhe eram dados pelos amigos
sinceros do Espiritismo.
Um outro grupo, em
condições quase idênticas, se viu sucessivamente desertado pelos seus frequentadores,
e finalmente constrangido a se dissolver.
Assim, eis dois
grupos que sucumbem sob a pressão da opinião. De resto, é impossível que todo
Espírita sincero, compreendendo a essência e os verdadeiros interesses da
Doutrina, se faça o defensor e o sustentáculo de um abuso que, inevitavelmente,
tenderia a desacreditá-la. Convidamo-los a desconfiarem das armadilhas que os
inimigos do Espiritismo tentam lhes estender sob esse aspecto. Sabe-se que, na
falta de boas razões para o combate, uma de suas táticas é a de procurar
arruiná-lo por si mesmo; assim vê-se com que ardor eles espiam a ocasião de
encontrá-lo em falta ou em contradição consigo mesmo; é por isso que os
Espíritos nos dizem sem cessar que velemos e de nos
mantenhamos em guarda.
Quanto a nós, não
ignoramos que nossa persistência em combater o abuso de que falamos não nos fez
amigos daqueles que viram no Espiritismo uma matéria explorável, nem daqueles
que o sustentam; mas que nos importa a oposição de alguns indivíduos!
Defendemos um
princípio verdadeiro, e nenhuma consideração pessoal nos fará recuar diante do
cumprimento de um dever. Nossos esforços tenderão sempre a preservar o
Espiritismo da invasão da venalidade; o momento presente é o mais difícil, mas
à medida que a Doutrina seja melhor compreendida, essa invasão será menos a
temer; a oposição das massas lhe oporá uma barreira intransponível. O princípio
do desinteresse, que satisfaz,
ao mesmo tempo, o
coração e a razão, terá sempre as mais numerosas simpatias, e se imporá, pela
força das coisas, sobre o princípio da especulação.
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