Transe e Incorporação (psicofonia)
Hudson Tuttle, médium ele próprio, o faz
notar em seu livro “Arcana of Spiritualism”:
“Os grupos espíritas
são frequentemente joguete de uma ilusão, enganados por suas próprias forças
positivas. Afastam os ditados espíritas, substituindo-os pelo reflexo de seus
próprios pensamentos; e então observam contradições e confusões que
ingenuamente atribuem à intervenção de Espíritos malévolos. ”
O estado
de transe é esse grau de sono magnético que permite ao corpo fluídico exteriorizar-se,
desprender-se do corpo carnal, e à alma tornar a viver por um instante sua vida
livre e independente.
A separação, todavia, nunca é completa; a separação
absoluta seria a morte. Um laço invisível continua a prender a alma ao seu
invólucro terrestre. Semelhante ao fio telefônico que assegura a transmissão
entre dois pontos, esse laço fluídico permite à alma desprendida transmitir
suas impressões pelos órgãos do corpo adormecido. No transe, o médium fala,
move-se, escreve automaticamente; desses atos, porém, nenhuma lembrança
conserva ao despertar.
O estado
de transe pode ser provocado, quer pela ação de um magnetizador, quer pela de
um Espírito. Sob o influxo magnético, os laços que unem os dois corpos se
afrouxam. A alma, com seu corpo sutil, vai-se emancipando pouco a pouco;
recobra o uso de seus poderes ocultos, comprimidos pela matéria. Quanto mais
profundo é o sono, mais completo vem a ser o desprendimento.
As radiações da
psique aumentam e se dilatam; um estado diferente de consciência, faculdades
novas se revelam. Um mundo de recordações e conhecimentos, sepultados nas
profundezas do “eu”, se patenteia. O médium pode, sob o império de uma vontade
superior, reconstituir-se numa de suas passadas existências, revivê-la em todas
as suas particularidades, com as atitudes, a linguagem e os atributos que
caracterizam essa existência. Entram ao mesmo tempo em ação os sentidos
psíquicos. A visão e audição à distância se produzem tanto mais claras e fiéis
quanto mais completa é a exteriorização da alma.
No corpo
do médium, momentaneamente abandonado, pode dar-se uma substituição de
Espírito. É o
fenômeno das incorporações. A alma de um desencarnado, mesmo a alma de
um vivo adormecido, pode tomar o lugar do médium e servir-se de
seu organismo material, para se comunicar pela palavra e pelo gesto com as pessoas
presentes.
Sábios
eminentes dão testemunho da realidade desses fatos. O Dr. Oliver Lodge, em seu
discurso na Royal Society, de Londres, em 31 de janeiro de 1902,[i]
assim se exprime:
“Uma
máquina, elaborada como o são os nossos corpos, pode ser empregada, no caso de
transe, não só pela Inteligência que, por assim dizer, a fabricou, mas também
por outras Inteligências a que dela se permite fazer uso. Isso naturalmente não
se realizaria senão por um certo tempo e com bastante dificuldade.
Em sua
comunicação transmitida ao Congresso Oficial de Psicologia, de Paris, em 1900,[ii]
o professor Myers, de Cambridge, era ainda mais afirmativo. Depois de haver
enumerado os fenômenos obtidos no estado de transe pelas Sras. Piper e
Thompson, fenômenos que ele estuda há 25 anos, assim concluía o professor:
“Em
sua maioria, os fatos enunciados lembram o caráter e a memória de certas
pessoas mortas...
Estou
convencido de que essa substituição de personalidade, ou mudança de Espírito,
ou possessão, é um sensível progresso na evolução da nossa raça. ”
Durante o
transe, o Espírito do médium pouco se afasta; permanece quase sempre confundido
no grupo espiritual que cerca o seu invólucro terrestre. Sua influência às
vezes se faz ainda sentir sobre o corpo, ao qual seus próprios hábitos o
atraem. Sua ação se torna em tal caso um incômodo, um estorvo para os Espíritos
que se comunicam.
Quando a força oculta é
insuficiente e o transe pouco profundo, o desprendimento é incompleto; as
personalidades se confundem. O médium resiste à ação exterior do Espírito, que
se esforça por tomar posse de seus órgãos.
Suas
radiações psíquicas se mesclam às do manifestante. Daí, em variadas proporções,
conforme os casos, duas partes se distinguem na manifestação: a do médium e a
do Espírito, operação delicada, que exige profundo conhecimento das personalidades
que se apresentam e das condições do fenômeno.
O estado
de transe facilita a sugestão. Nos fenômenos de escrita e da mesa o médium se
conserva na plena posse do seu “eu”, de sua vontade, e poderia repelir as
inspirações que recebe. No desprendimento já se não dá o mesmo. A alma se tem
retirado e o cérebro material fica exposto a todas as influências.
Quando está
suficientemente protegido, o médium torna-se receptivo, tanto às sugestões de
um magnetizador como às dos assistentes ou de um Espírito. É o que muitas vezes
lança uma certa confusão na interpretação dos fatos e exige, da parte dos
experimentadores, extrema prudência.
Em tal caso é difícil distinguir a
natureza real das influências atuantes. Hudson Tuttle, médium ele próprio, o
faz notar em seu livro “Arcana of Spiritualism”:
“Os grupos espíritas são frequentemente
joguete de uma ilusão, enganados por suas próprias forças positivas. Afastam os
ditados espíritas, substituindo-os pelo reflexo de seus próprios pensamentos; e
então observam contradições e confusões que ingenuamente atribuem à intervenção
de Espíritos malévolos. ”
É
preferível, por isso, deixar agirem sozinhos os Espíritos sobre o médium,
abstendo-se de toda intervenção magnética humana. Foi sempre o que fizemos, no
curso de nossos estudos experimentais. Em raras circunstancia, quando,
faltando-lhes de repente a força psíquica, as Inteligências nos pediam que
atuássemos sobre o médium por meio de passes; bastava essa passageira
intervenção para fazer crer aos assistentes numa ação sugestiva de nossa parte.
Na maioria
das vezes, os fluídos de um magnetizador, por seu estado vibratório particular,
contrariam os dos Espíritos, em lugar de auxiliá-los. Têm estes que se entregar
a um trabalho de adaptação, ou purificação, que esgota as forças indispensáveis
à manutenção. Um magnetizador, cujos fluidos não sejam puros, que não possua um
caráter reto, nem irrepreensível moralidade, pode, mesmo sem o querer,
influenciar o sensitivo num sentido muito desfavorável.
Mesmo
quando a ação oculta é poderosa e bem determinada, é preciso ter ainda em conta
o embaraço do Espírito que se deve comunicar com o auxílio de um organismo
estranho, mediante recursos muitas vezes restritos. O estado de harmonia entre
as faculdades do Espírito e as do médium raramente existe; o desenvolvimento
dos cérebros não é idêntico e as manifestações são por isso contrariadas.
É o
que nos diziam certos Espíritos, no curso de nossas experiências de
incorporação:
“Estamos
acanhadamente encerrados; faltam-nos meios suficientes para exprimir os nossos
pensamentos. As partículas físicas deste cérebro são muito grosseiras para
poderem vibrar sob nossa ação e as nossas comunicações se tornam por isso
consideravelmente enfraquecidas. ”
O Espírito
Robert Hyslop o repete a seu filho, o professor Hyslop. Quando penetra na
atmosfera terrestre e no organismo do médium, as coisas, diz ele, se lhe
amesquinham: “Todas as coisas se me apresentam tão nitidamente, e quando aqui
venho para exprimi-las, James, não o posso. ” [iii]
Entretanto,
quando se pode dispor de um médium de real valor, quando a possessão é completa
e a força é suficiente para afastar as influências contrárias, deparam-se
fenômenos imponentes.
O Espírito se manifesta na plenitude do seu “eu”, em toda
a sua originalidade. O fenômeno das incorporações se mostra então superior a
todos os outros.
Indagam certos experimentadores: o
Espírito do manifestante se incorpora efetivamente no organismo do médium? Ou
opera ele antes, a distância, pela sugestão mental e pela transmissão de pensamento,
como o pode fazer um espírito exteriorizado do sensitivo?
Um exame
atento dos fatos nos leva a crer que essas duas explicações são igualmente
admissíveis, conforme os casos. As citações que acabamos de fazer provam que a
incorporação pode ser real e completa. É mesmo algumas vezes inconsciente,
quando, por exemplo, certos Espíritos pouco adiantados são conduzidos por uma vontade
superior ao corpo de um médium e postos em comunicação conosco, a fim de serem
esclarecidos sobre sua verdadeira situação.
Esses Espíritos, perturbados pela
morte, acreditam ainda, muito tempo depois, pertencerem à vida terrestre. Não
lhes permitindo seus fluidos grosseiros entrarem em relação com Espíritos mais
adiantados, são levados aos grupos de estudo, para serem instruídos acerca de
sua nova condição. É difícil às vezes fazer-lhes compreender que abandonaram a
vida carnal e sua estupefação atinge o cômico, quando, convidados a comparar o
organismo que momentaneamente animam com o que possuíam na Terra, são obrigados
a reconhecer o seu engano. Não se poderia duvidar, em tal caso, na incorporação
completa do Espírito.
Noutras
circunstâncias, a teoria da transmissão à distância parece melhor explicar os
fatos. As impressões oriundas de fora são mais ou menos fielmente percebidas e
transmitidas pelos órgãos. Ao lado de provas de identidade, que nenhumas
hesitações permitem sobre a autenticidade do fenômeno e intervenção dos
Espíritos, verificam-se, na linguagem do sensitivo em transe, expressões,
construções de frases, um modo de pronunciar que lhe são habituais.
O Espírito
parece projetar o pensamento no cérebro do médium, onde adquire, de passagem, formas
de linguagem familiares a este. A transmissão se efetua, em tal caso, no limite
dos conhecimentos e aptidões do sensitivo, em termos vulgares ou escolhidos,
conforme o seu grau de instrução. Daí também certas incoerências que se devem
atribuir à imperfeição do instrumento.
Ao despertar, o Espírito do médium perde
toda consciência das impressões recebidas no sentido de liberdade, do mesmo
modo que não guardará o menor conhecimento do papel que seu corpo tenha
desempenhado durante o transe. Os sentidos psíquicos, de que por um momento
havia readquirido a posse, se extinguem de novo; a matéria estende o seu manto;
a noite se produz; toda recordação se desvanece. O médium desperta num estado
de perturbação, que lentamente se dissipa.
Às vezes o
regresso à carne origina cenas pungitivas, quando o médium, durante a exteriorização,
tornou a ver, no Espaço, entes amados, e no instante que precede o despertar
ainda conserva essa impressão. O contraste entre a vida livre e luminosa, que
acaba de fruir, e o cárcere sombrio a que é obrigado novamente a descer,
provoca cenas de lágrimas e lamentos, repugnâncias de reintegrar-se na carne,
que se traduzem por lamentos e comovedoras súplicas. Temos sido muitas vezes
testemunhas de tais cenas.
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